“Para realizar o novo experimento toda a
tecnologia teve de ser transferida da Duke para o “Instituto International de
Neurociências de Natal”. Na foto, Carolina Kunichi, que conduziu a parte
brasileira do estudo
Nicolelis: “NÓS CRIAMOS OUTRA FORMA DE COMUNICAÇÃO ENTRE
CÉREBROS”
Por Conceição Lemes
No domingo 10, a CNN americana dedicou o seu “The Next List”, programa que trata de inovação científica e
tecnológica, ao “Instituto Internacional de Neurociências de Natal” (IHNN), no
Rio Grande do Norte, e às pesquisas desenvolvidas pelo neurocientista e
professor Miguel Nicolelis.
Durante
30 minutos (21 sem os comerciais), o “The Next List” destacou o pioneirismo do cientista brasileiro: ”A pesquisa que pode fazer o milagre de
permitir que tetraplégicos voltem a andar”.
E
apresentou o projeto do IINN como um modelo revolucionário de fazer ciência.
Nicolelis trabalha na Universidade Duke, em Durham, nos EUA, e no IINN, do qual
é fundador.
Pela
segunda vez, em 11 dias, o IINN ultrapassa as nossas fronteiras.
A
primeira foi em 28 de fevereiro, quando a revista “Scientific
Reports”, do grupo “Nature”, publicou estudo do grupo liderado por Nicolelis, do fazem parte Miguel
Pais Vieira, Mikhail Lebedev e Jing Wang (os três da Duke) e Carolina Kunicki
(do IINN).
Pela
primeira vez, pesquisadores conseguiram conectar eletronicamente os cérebros de
pares de ratos, permitindo que os animais se comunicassem diretamente para
solucionar tarefas comportamentais simples.
Como
teste final do sistema, os cientistas ligaram os cérebros de dois animais que
estavam a milhares de quilômetros de distância: um na Duke e outro no IINN. A
equipe criou a chamada interface cérebro-cérebro, quebrando o paradigma da área
interface cérebro-máquina.
“Nós criamos outra forma de comunicação entre
cérebros de animais”, explica Nicolelis. “Nossos estudos anteriores já nos tinham convencido de que o cérebro é
muito mais plástico do que pensávamos. E esta nova pesquisa mostrou uma
capacidade totalmente inédita de adaptação do cérebro, uma tamanha plasticidade
cerebral que ninguém esperaria, nem tinha medido ainda.”
DESCOBERTA
ABRE PERSPECTIVAS FANTÁSTICAS
No
futuro, essa conquista pode possibilitar a ligação de vários cérebros para
formar o que os pesquisadores denominaram de o primeiro “computador orgânico”, que pode permitir o compartilhamento de
informação motora e sensorial entre grupos de animais.
“Este estudo abre a possibilidade de fazermos
reparos eletrônicos em tecidos cerebrais, reconectando áreas do mesmo cérebro”,
conjectura. “Suponhamos alguém que perdeu
os movimentos devido a acidente vascular cerebral ou que ficou cego por causa
de uma lesão cerebral. Acredito que, mais adiante, será possível refazermos as
conexões perdidas no cérebro, recuperando os movimentos ou a visão dessa pessoa
por meio de uma tecnologia que começou com este estudo que publicamos agora.”
“Daqui a muitas décadas, não sei quantas, nós
vamos poder comunicar ‘brain to brain’ [cérebro
a cérebro]”, prevê. “É uma coisa que eu chamei
no meu livro [‘Muito Além do Nosso Eu: a nova Neurociência’] de ‘rede cerebral’. Seria uma internet sem usarmos os dedos ou a
fala, só pensando.”
– Telepatia?
“Quase isso, mas não é, já que a telepatia,
por definição, não coloca chip no meio”, expõe. “Mas, de qualquer maneira, libera a possibilidade de, num futuro muito
remoto, que provavelmente nunca verei, de transmitirmos trechos dos nossos
pensamentos.”
Experimentos
anteriores do grupo de Nicolelis já tinham demonstrado que o cérebro é capaz de
aceitar facilmente estímulos vindos de dispositivos de fora do corpo e, até
mesmo, aprender a processar luz infravermelha gerada por sensor artificial.
Os
pesquisadores, então, se perguntaram: já
que o cérebro pode assimilar sinais de sensores artificiais, será que poderia
também assimilar informações geradas por sensores vindos de um corpo diferente?”
Foi a
questão que norteou o trabalho publicado pela “Scientific Reports” há 11 dias.
OS PRINCIPAIS
PASSOS DA NOVA PESQUISA
Para
testar essa hipótese, primeiro, os pesquisadores treinaram duplas de ratos para
resolver um problema simples: pressionar
a alavanca correta para obter, como recompensa, um gole de água.
Depois,
conectaram os cérebros dos dois animais por meio de microeletrodos inseridos na
área do córtex que processa a informação motora.
Um
animal da dupla foi o codificador e o
outro, o decodificador. O
primeiro recebeu treinamento muito mais intenso que o segundo para entender o
mecanismo do teste. O segundo, apenas o básico.
O codificador é que fazia a tarefa e
gerava a informação. Ele enviava a sua decisão ao decodificador, o receptor da “mensagem”. O decodificador tinha de reproduzir a decisão tomada pelo codificador; a única informação de que
dispunha era a que veio do animal codificador.
Numa
primeira série de experimentos, o rato codificador
via uma luz que aparecia à sua esquerda ou à sua direita e “dizia” qual a
alavanca deveria apertar para receber um pouco de água. Cada vez que acertava a
barra correta, uma amostra da atividade cerebral dele, traduzida para um padrão
de estimulação elétrica, era transmitida diretamente ao cérebro do segundo
animal, o decodificador.
O rato decodificador tinha os mesmos tipos de
alavancas em sua câmara, mas não recebia qualquer sinal visual, indicando qual
deveria pressionar para obter uma recompensa. Portanto, para pressionar a
alavanca correta e receber a recompensa que desejava, dependia do sinal
transmitido pelo codificador por
intermédio da interface cérebro-cérebro.
Quando
os dois acertavam, o rato codificador
recebia uma recompensa extra por ter ajudado o outro. Mas se o decodificador não tivesse êxito, o codificador perdia o bônus.
Na
média, o rato decodificador obteve
uma taxa de sucesso de cerca de 70%, apenas ligeiramente abaixo da taxa máxima
de sucesso de 78%, que os pesquisadores haviam considerado como possível.
“Aí, aconteceu algo muito interessante”,
conta Nicolelis. “Quando o rato decodificador
errava, o codificador mudava tanto a sua função cerebral quanto a
comportamental, de forma a facilitar o acerto do seu parceiro. O codificador
também tomava uma decisão mais rápida,
limpa e precisa ao escolher a alavanca correta para pressionar. Invariavelmente, quando o codificador fazia
essas adaptações, o decodificador tomava a decisão certa com mais frequência,
de forma que ambos conseguiam uma recompensa melhor.”
Numa
segunda série de experimentos, os pesquisadores treinaram duplas de ratos para
distinguir a abertura estreita da larga, da câmara de testes, usando os seus
bigodes faciais.
Se a
abertura era estreita, os ratos tinham de colocar o nariz na porta do lado
esquerdo da câmara, para receber uma recompensa. Quando a abertura era mais
larga, eles tinham que colocar o nariz na porta do lado direito.
Os
pesquisadores dividiram, então, os ratos em codificadores
e decodificadores. Os decodificadores foram treinados para
associar pulsos de estimulação elétrica do córtex tátil com uma recompensa
presente do lado esquerdo. Já na ausência dessa estimulação, eles deveriam
colocar o nariz na porta à direita.
Durante
as tentativas em que os codificadores
acertaram a largura da abertura e transmitiram a escolha para o cérebro dos decodificadores, estes conseguiram uma
taxa de sucesso de cerca de 65%, significativamente acima do que seria esperado
apenas pelo acaso.
“CONVERSA”
ENTRE UM RATO DOS EUA E OUTRO DE NATAL
Aí,
quando os ratos já estavam craques, os pesquisadores foram além. Testaram os
limites de transmissão da comunicação cérebro-cérebro. Colocaram ratos codificadores no laboratório do “Instituto
Internacional de Neurociências de Natal”, para que transmitissem, via internet,
seus sinais corticais para ratos decodificadores
no laboratório da Duke. A experiência deu certo.
“Apesar de os animais estarem em continentes
diferentes, com a transmissão ruidosa resultante e atrasos de sinal, eles ainda
puderam se comunicar”, diz Miguel Pais Vieira, pós-doutorando e primeiro
autor do estudo. “Isso sugere que, no
futuro, poderemos criar uma rede de cérebros de animais distribuídos em vários
locais diferentes.”
Importante:
para realizar o experimento, toda essa tecnologia teve de ser transferida da
Duke para o Instituto de Natal.
“Nós tivemos de criar câmaras de testes,
aprender a treinar ratos, fazer os registros elétricos do cérebro”, relata
Carolina Kunick. “Agora, estamos
trabalhando com o pessoal da Duke em experimentos com vários animais, no
intuito de resolverem tarefas comportamentais mais complexas.”
Carolina
é pesquisadora do IINN há pouco mais de um ano. Nesse período, trabalhou
duramente, para poder fazer os experimentos junto com o grupo da Duke. Ela
conduziu a parte brasileira do estudo, que permitiu a conexão entre ratos dos
EUA e Brasil.
“Esse trabalho é o primeiro de uma série que
vai mostrar que a história do ‘apagão’ científico do Instituto de Natal é uma
falácia”, concluí Nicolelis. “Ciência
não é linha de produção de salsicha, carros, papel. Produção científica não se
cobra pelo número de ‘papers’. O que vale é a qualidade.”
FONTE: reportagem de Conceição Lemes publicada no portal
“Viomundo” (http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/nicolelis-nos-criamos-outra-forma-de-comunicacao-entre-cerebros.html).
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