terça-feira, 12 de março de 2013

Neurociência: RATOS DOS EUA E RATOS DE NATAL-RGN “CONVERSAM” VIA INTERNET


“Para realizar o novo experimento toda a tecnologia teve de ser transferida da Duke para o “Instituto International de Neurociências de Natal”. Na foto, Carolina Kunichi, que conduziu a parte brasileira do estudo

Nicolelis: “NÓS CRIAMOS OUTRA FORMA DE COMUNICAÇÃO ENTRE CÉREBROS”

 Por Conceição Lemes

No domingo 10, a CNN americana dedicou o seu “The Next List”, programa que trata de inovação científica e tecnológica, ao “Instituto Internacional de Neurociências de Natal” (IHNN), no Rio Grande do Norte, e às pesquisas desenvolvidas pelo neurocientista e professor Miguel Nicolelis.

Durante 30 minutos (21 sem os comerciais), o “The Next List” destacou o pioneirismo do cientista brasileiro: ”A pesquisa que pode fazer o milagre de permitir que tetraplégicos voltem a andar”.

E apresentou o projeto do IINN como um modelo revolucionário de fazer ciência. Nicolelis trabalha na Universidade Duke, em Durham, nos EUA, e no IINN, do qual é fundador.

Pela segunda vez, em 11 dias, o IINN ultrapassa as nossas fronteiras.

A primeira foi em 28 de fevereiro, quando a revista Scientific Reports”, do grupo Nature”, publicou estudo do grupo liderado por Nicolelis, do fazem parte Miguel Pais Vieira, Mikhail Lebedev e Jing Wang (os três da Duke) e Carolina Kunicki (do IINN).

Pela primeira vez, pesquisadores conseguiram conectar eletronicamente os cérebros de pares de ratos, permitindo que os animais se comunicassem diretamente para solucionar tarefas comportamentais simples.

Como teste final do sistema, os cientistas ligaram os cérebros de dois animais que estavam a milhares de quilômetros de distância: um na Duke e outro no IINN. A equipe criou a chamada interface cérebro-cérebro, quebrando o paradigma da área interface cérebro-máquina.

Nós criamos outra forma de comunicação entre cérebros de animais”, explica Nicolelis. “Nossos estudos anteriores já nos tinham convencido de que o cérebro é muito mais plástico do que pensávamos. E esta nova pesquisa mostrou uma capacidade totalmente inédita de adaptação do cérebro, uma tamanha plasticidade cerebral que ninguém esperaria, nem tinha medido ainda.”

DESCOBERTA ABRE PERSPECTIVAS FANTÁSTICAS

No futuro, essa conquista pode possibilitar a ligação de vários cérebros para formar o que os pesquisadores denominaram de o primeiro “computador orgânico”, que pode permitir o compartilhamento de informação motora e sensorial entre grupos de animais.

Este estudo abre a possibilidade de fazermos reparos eletrônicos em tecidos cerebrais, reconectando áreas do mesmo cérebro”, conjectura. “Suponhamos alguém que perdeu os movimentos devido a acidente vascular cerebral ou que ficou cego por causa de uma lesão cerebral. Acredito que, mais adiante, será possível refazermos as conexões perdidas no cérebro, recuperando os movimentos ou a visão dessa pessoa por meio de uma tecnologia que começou com este estudo que publicamos agora.”

Daqui a muitas décadas, não sei quantas, nós vamos poder comunicar brain to brain’ [cérebro a cérebro]”, prevê. “É uma coisa que eu chamei no meu livro [‘Muito Além do Nosso Eu: a nova Neurociência] de ‘rede cerebral’. Seria uma internet sem usarmos os dedos ou a fala, só pensando.”

Telepatia?

Quase isso, mas não é, já que a telepatia, por definição, não coloca chip no meio”, expõe. “Mas, de qualquer maneira, libera a possibilidade de, num futuro muito remoto, que provavelmente nunca verei, de transmitirmos trechos dos nossos pensamentos.”

Experimentos anteriores do grupo de Nicolelis já tinham demonstrado que o cérebro é capaz de aceitar facilmente estímulos vindos de dispositivos de fora do corpo e, até mesmo, aprender a processar luz infravermelha gerada por sensor artificial.

Os pesquisadores, então, se perguntaram: já que o cérebro pode assimilar sinais de sensores artificiais, será que poderia também assimilar informações geradas por sensores vindos de um corpo diferente?

Foi a questão que norteou o trabalho publicado pela “Scientific Reports” há 11 dias.

OS PRINCIPAIS PASSOS DA NOVA PESQUISA

Para testar essa hipótese, primeiro, os pesquisadores treinaram duplas de ratos para resolver um problema simples: pressionar a alavanca correta para obter, como recompensa, um gole de água.

Depois, conectaram os cérebros dos dois animais por meio de microeletrodos inseridos na área do córtex que processa a informação motora.

Um animal da dupla foi o codificador e o outro, o decodificador. O primeiro recebeu treinamento muito mais intenso que o segundo para entender o mecanismo do teste. O segundo, apenas o básico.

O codificador é que fazia a tarefa e gerava a informação. Ele enviava a sua decisão ao decodificador, o receptor da “mensagem”. O decodificador tinha de reproduzir a decisão tomada pelo codificador; a única informação de que dispunha era a que veio do animal codificador.

Numa primeira série de experimentos, o rato codificador via uma luz que aparecia à sua esquerda ou à sua direita e “dizia” qual a alavanca deveria apertar para receber um pouco de água. Cada vez que acertava a barra correta, uma amostra da atividade cerebral dele, traduzida para um padrão de estimulação elétrica, era transmitida diretamente ao cérebro do segundo animal, o decodificador.

O rato decodificador tinha os mesmos tipos de alavancas em sua câmara, mas não recebia qualquer sinal visual, indicando qual deveria pressionar para obter uma recompensa. Portanto, para pressionar a alavanca correta e receber a recompensa que desejava, dependia do sinal transmitido pelo codificador por intermédio da interface cérebro-cérebro.

Quando os dois acertavam, o rato codificador recebia uma recompensa extra por ter ajudado o outro. Mas se o decodificador não tivesse êxito, o codificador perdia o bônus.

Na média, o rato decodificador obteve uma taxa de sucesso de cerca de 70%, apenas ligeiramente abaixo da taxa máxima de sucesso de 78%, que os pesquisadores haviam considerado como possível.

Aí, aconteceu algo muito interessante”, conta Nicolelis. “Quando o rato decodificador errava, o codificador mudava tanto a sua função cerebral quanto a comportamental, de forma a facilitar o acerto do seu parceiro. O codificador também tomava uma decisão mais rápida, limpa e precisa ao escolher a alavanca correta para pressionar. Invariavelmente, quando o codificador fazia essas adaptações, o decodificador tomava a decisão certa com mais frequência, de forma que ambos conseguiam uma recompensa melhor.”

Numa segunda série de experimentos, os pesquisadores treinaram duplas de ratos para distinguir a abertura estreita da larga, da câmara de testes, usando os seus bigodes faciais.

Se a abertura era estreita, os ratos tinham de colocar o nariz na porta do lado esquerdo da câmara, para receber uma recompensa. Quando a abertura era mais larga, eles tinham que colocar o nariz na porta do lado direito.

Os pesquisadores dividiram, então, os ratos em codificadores e decodificadores. Os decodificadores foram treinados para associar pulsos de estimulação elétrica do córtex tátil com uma recompensa presente do lado esquerdo. Já na ausência dessa estimulação, eles deveriam colocar o nariz na porta à direita.

Durante as tentativas em que os codificadores acertaram a largura da abertura e transmitiram a escolha para o cérebro dos decodificadores, estes conseguiram uma taxa de sucesso de cerca de 65%, significativamente acima do que seria esperado apenas pelo acaso.

“CONVERSA” ENTRE UM RATO DOS EUA E OUTRO DE NATAL

Aí, quando os ratos já estavam craques, os pesquisadores foram além. Testaram os limites de transmissão da comunicação cérebro-cérebro. Colocaram ratos codificadores no laboratório do “Instituto Internacional de Neurociências de Natal”, para que transmitissem, via internet, seus sinais corticais para ratos decodificadores no laboratório da Duke. A experiência deu certo.

Apesar de os animais estarem em continentes diferentes, com a transmissão ruidosa resultante e atrasos de sinal, eles ainda puderam se comunicar”, diz Miguel Pais Vieira, pós-doutorando e primeiro autor do estudo. “Isso sugere que, no futuro, poderemos criar uma rede de cérebros de animais distribuídos em vários locais diferentes.”

Importante: para realizar o experimento, toda essa tecnologia teve de ser transferida da Duke para o Instituto de Natal.

Nós tivemos de criar câmaras de testes, aprender a treinar ratos, fazer os registros elétricos do cérebro”, relata Carolina Kunick. “Agora, estamos trabalhando com o pessoal da Duke em experimentos com vários animais, no intuito de resolverem tarefas comportamentais mais complexas.”

Carolina é pesquisadora do IINN há pouco mais de um ano. Nesse período, trabalhou duramente, para poder fazer os experimentos junto com o grupo da Duke. Ela conduziu a parte brasileira do estudo, que permitiu a conexão entre ratos dos EUA e Brasil.

Esse trabalho é o primeiro de uma série que vai mostrar que a história do ‘apagão’ científico do Instituto de Natal é uma falácia”, concluí Nicolelis. “Ciência não é linha de produção de salsicha, carros, papel. Produção científica não se cobra pelo número de ‘papers’. O que vale é a qualidade.”


FONTE: reportagem de Conceição Lemes publicada no portal “Viomundo” (http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/nicolelis-nos-criamos-outra-forma-de-comunicacao-entre-cerebros.html).

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