[Cena frequente típica de ataque
israelense à população da Palestina. Segundo as agências internacionais de
notícias, sempre atacam como “justa resposta” a alguma ação palestina (pedrada de
“terrorista” em carro de combate etc) contra a invasão e opressão]
Por Roger Cohen, de Boston, para o “The New York Times” (NYT)
“Quem se interessa pelo Estado de
Israel e por tudo que os 46 anos de ocupação [ilegal] da Cisjordânia [dos
palestinos] representam para a alma da nação deve assistir ao extraordinário
documentário "The Gatekeepers"
[Os guardiões], de Dror Moreh. Ver meia dúzia de ex-chefes do “Shin Bet” (o serviço de segurança interna de Israel)
refletindo sobre a inutilidade dos seus esforços é compreender algo fundamental
no impasse em que o Estado judaico se encontra hoje.
Esses homens são israelenses,
patriotas e passaram cada minuto das suas vidas profissionais tentando manter a
segurança em um ambiente hostil.
Eles [invadiram territórios palestinos
que não lhes pertencem], penetraram casa a casa em aldeias árabes, recrutaram
informantes palestinos, obtiveram confissões de prisioneiros em
interrogatórios, reuniram documentos, filtraram informações, conceberam tramas
para matar líderes do Hamas, seja com uma bomba ou explodindo um celular, “atormentaram-se”
[fingimento cínico] com os danos colaterais e, no final, foram forçados a
admitir que todos esses “esforços” não podem mascarar um fato fundamental:
"A tragédia do debate sobre
segurança pública em Israel", diz Ami Ayalon, que dirigiu o “Shin Bet”
de 1996 a 2000, "é que ganhamos
todas as batalhas, mas perdemos a guerra".
Talvez haja aí certo exagero. Em
quase meio século desde a Guerra dos Seis Dias, em 1967, Israel se transformou
em um Estado moderno e altamente tecnológico [graças à bilionária subvenção dos
Estados Unidos], ao passo que seus vizinhos palestinos [roubados em suas terras
e fontes de água] continuam atolados no pântano da apatridia. Mas esse filme
não é sobre o material. Ele aborda o dilema ético, por meio das vozes desses
homens que chegaram ao final das suas vidas profissionais e agora se fazem perguntas.
O que ele transmite, acima de tudo,
é o dano inexorável infligido a uma nação que tenta governar e controlar as
vidas dos agora [restantes] 2,6 milhões de palestinos, subjugados na
Cisjordânia.
Talvez os personagens mais tocantes
e complexos sejam Avraham Shalom, diretor do “Shin Bet” de 1981 a 1986, e Carmi
Gillon, que comandou a organização de 1994 a 1996.
Shalom, de suspensório vermelho, em
alguns momentos parece um benigno professor universitário e, em outros, faz
avaliações inclementes ("Com
terroristas, não há moral").[“Terrorista” é a denominação do patriota
palestino que tenta resistir às poderosas forças invasoras israelenses].
Já Gillon, claramente, ainda é
assombrado por não ter sido capaz de proteger o premiê Yitzhak Rabin do seu
assassino de ultradireita, Yigal Amir (o “Shin Bet” o monitorou, mas concluiu
que ele não era uma ameaça). Questionado sobre como foi falar sobre isso com
sua mulher no dia do assassinato, Gillon diz com toda franqueza que ela o
manteve vivo. Ele parece próximo das lágrimas. Amir alcançou seu objetivo: a paz morreu com suas balas.
Gillon diz que Israel está "tornando insuportável a vida de milhões".
Shalom diz que a presença israelense na Cisjordânia é comparável a "forças de ocupação brutais, similares às
alemãs na Segunda Guerra Mundial" -não é, ressalva, uma comparação com
as ações nazistas contra os judeus [apesar de serem situações bem análogas],
mas com os Exércitos de ocupação alemães na Holanda, Tchecoslováquia e outros
países da Europa.
Tais declarações, vindas de homens
encarregados da segurança da ocupação, são extraordinárias por sua honestidade.
É claro que seis homens falando não
fazem um filme de 97 minutos. Mas Moreh fez um trabalho notável ao montar
imagens que contam o drama da ocupação inicial, da Guerra do Líbano, da
primeira e da segunda intifadas, do crescimento do Hamas, dos acordos de Oslo -com a mão relutante de Rabin se erguendo
para encontrar a de Iasser Arafat no jardim da Casa Branca- e da ascensão
de violenta direita nacionalista-religiosa em Israel, que vê a ocupação como a
concretização do sonho do “Eretz Israel” (termo bíblico que se refere à área
entre o Mediterrâneo e o rio Jordão, abrangendo toda a Cisjordânia).
O sentimento dominante que o filme
engendra é o da oportunidade perdida e da futilidade.
Nem os judeus nem os árabes irão
embora, e a violência, no final, só gera mais violência.
A amarga frustração desses agentes
inteligentes e qualificados é a de homens que viram o sonho sionista ser
abalado pelas tentações de poder absoluto. A ocupação não só abalou os ideais
de Israel, ela também exacerbou a divisão entre laicos e religiosos dentro de
Israel.
No entanto, há uma nota de
esperança: a própria abertura desses
homens, cujas vidas inteiras foram dedicadas ao trabalho sigiloso.
É duvidoso que alguma outra
sociedade no Oriente Médio pudesse ter produzido tamanha franqueza pública a
respeito de um tema tão delicado.
O melhor de Israel ainda está aí. O
que falta para trazer isso à plena luz do dia é coragem -uma coragem que teria de ser correspondida pelo lado palestino.” [A
velha fábula: o lobo quer que a galinha tenha “coragem” de concordar com ele].
FONTE: escrito
por Roger Cohen, de Boston, para o “The New York Times” (NYT). Transcrito na “Folha de São
Paulo”
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/newyorktimes/97916-desnudando-o-dilema-de-israel.shtml [Imagens do Google e trechos entre colchetes adicionados
por este blog ‘democracia&política’].
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