Jornalista Gianluigi Nuzzi
“À ‘Carta Maior’, o jornalista Gianluigi Nuzzi, autor do livro que revelou segredos incômodos do Vaticano, fala sobre a crise moral mais profunda que a igreja já conheceu. “Os vatileaks são como uma máquina do tempo. Essas histórias sempre existiram dentro do Vaticano, mas hoje temos uma fotografia nítida, uma reconstrução documentada”, diz Nuzzi.
Por Eduardo Febbro, de Roma.
Roma – O nome de
Gianluigi Nuzzi desperta desconforto visível nos arredores do Vaticano. Esse
jornalista investigativo é autor do livro que revelou os assuntos sujos do
Vaticano, os “vatileaks”: “Sua Santidade,
as Cartas Secretas de Bento XVI”. Ali estão compiladas todas as cartas, as
notas, mensagens e telegramas que fornecem do Vaticano a imagem de um inferno
governado por disputas de poder, conspirações, conjurações e, sobretudo,
percorrido por densa trama onde personagens lutam nas sombras pelo controle do
dinheiro, ou seja, do “IOR” [Instituto
para as Obras de Religião], mais conhecido como o “Banco do Vaticano”.
Em Roma, Nuzzi tem um apelido: “correio dos monsenhores e cardeais descontentes”. É preciso reconhecer que suas informações são sólidas. Em seu livro precedente, “Vaticano SPA”, Nuzzi desnudou o lado mais obscuro das finanças vaticanas.
Em Roma, Nuzzi tem um apelido: “correio dos monsenhores e cardeais descontentes”. É preciso reconhecer que suas informações são sólidas. Em seu livro precedente, “Vaticano SPA”, Nuzzi desnudou o lado mais obscuro das finanças vaticanas.
Agora foi mais longe. Os “Vatileaks”
que tornou públicos provocaram a crise moral mais profunda que a igreja já
conheceu. Seu resultado está na eleição de um novo papa e na renúncia de Bento
XVI ao pontificado.
Carta Maior – Se buscarmos uma síntese do que foi revelado pelo caso do vazamento dos documentos privados do papa que você publicou em seu livro “Sua Santità, le carte segrete di Benedetto XVI”, como você a definiria?
Gianluigi Nuzzi – Os vatileaks mostram, pela primeira vez, a filigrana e a história do Vaticano não já com o enfoque espiritual do trabalho ou da mensagem do pastor que é o papa, mas sim como Estado. O Vaticano é um pequeno Estado e, dentro dele, há muitos poderes e muito dinheiro, conspirações, denúncias de corrupção. Os vatileaks são como uma máquina do tempo. Essas histórias sempre existiram dentro do Vaticano, mas hoje temos uma fotografia nítida, uma reconstrução documentada. Até agora, a informação que emanava do Vaticano estava sempre muito controlada com um tipo de ideia que encontramos nos Evangelhos. Os Evangelhos observam que “o que se diz ao ouvido se predica em segredo”. Este livro sobre os vatileaks provocou uma ruptura com o passado.
CM – Quando se mergulha em seu livro e no conjunto dos vatileaks, fica a sensação de que houve e há uma guerra entre a fé, o poder e o dinheiro.
GN – Sim, pode-se dizer isso. Joseph Ratzinger falava da ambição do poder e do carreirismo, do individualismo. Ratzinger foi um grande pastor que assumiu o desafio de reformar a cúria romana e mudá-la.
CM – Mas, resumindo a questão, a grande ruptura que atravessa todo o escândalo que desembocou na renúncia do papa é o dinheiro e, particularmente, todos os assuntos ligados a IOR, o chamado Banco do Vaticano. O controle dessa instituição deu lugar a uma guerra de alta intensidade entre vários bandos da cúria romana. O Vaticano parece uma espécie de paraíso fiscal oculto.
GN – Esta é uma parte da história. Falta muito para que o IOR, o Banco do Vaticano, responda aos critérios de transparência da União Europeia. Mas, efetivamente, houve confronto muito forte em torno do controle e dos mecanismos de transparência desse banco. Seus atores foram Gotti Tedeschi, o ex-presidente do [Banco do] Vaticano partidário da transparência, e o Secretário de Estado, Monsenhor Bertone, partidário da opacidade. Tedeschi assumiu como sua a missão que o papa encomendou, limpar as contas do banco, mas foi impedido de levá-la adiante.
CM – Monsenhor Bertone emerge como o grande vilão dessa história. O Secretário de Estado é, segundo suas revelações, um operador que desfaz o que o papa faz. Que setor ele representa?
GN – Bertone é um salesiano e é o primeiro Secretário de Estado que não vem da escola diplomática do Vaticano. Bertone reuniu contra si uma enorme quantidade de críticas e controvérsias. De fato, ele defendeu seus próprios interesses e nada mais. É um homem que colocou seus aliados em todos os postos chave da economia do Vaticano. Muitos o acusam de ser o centro das conspirações e das operações de lavagem de dinheiro.
CM – Você revela questões delicadas como, por exemplo, a existência no Banco do Vaticano de contas sem nome e outras sutilezas desse tipo.
GN – Bom, isso não é novo. Na década de 70 e de 80, houve fortes somas de dinheiro da “Cosa Nostra” [máfia] que foram, digamos, branqueadas pelo IOR. Basta lembrar o assassinato de Roberto Calvi, em 1982. Calvi era o presidente do Banco Ambrosiano e sabia como circulava o dinheiro mafioso através do Banco do Vaticano.
Nos anos 90, o IOR criou uma espécie de rede de contas em nome de fundações falsas por trás das quais havia empresários, empreiteiros e mafiosos. A máfia se servia do Banco do Vaticano para gerir parte do dinheiro de seus assuntos políticos e industriais. O IOR esteve também implicado na história da maior comissão oculta da história da Itália, o caso do “grupo Enimonte”. Na verdade, funcionou uma espécie de Banco do Vaticano paralelo que serviu para limpar o dinheiro da corrupção. O problema de hoje está nessas contas que pertencem aos religiosos que emprestam seu nome para que sirvam para outras coisas.
CM – Na sua avaliação, foi a guerra financeira que precipitou a renúncia do papa?
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