Paul
Craig Roberts
Por Paul Craig Roberts [economista norte-americano]; publicado no “Institute for Political Economy”
“Dia
5 de março de 2013, morreu Hugo Chávez, Presidente da Venezuela e líder mundial
contra o imperialismo. Os imperialistas em Washington e as prostitutas e
prostitutos que os servem na imprensa-empresa e nos think-tanks distribuíram
alegres suspiros de alívio, como boa parte da descerebrada população dos EUA:
foi-se um “inimigo dos EUA”.
Chávez
nunca foi inimigo dos EUA. Foi inimigo do domínio de Washington sobre outros
países, inimigo da aliança que Washington mantém com as claques governantes
pelo mundo, que roubam do povo ao qual negam sustento e direitos. Foi inimigo
da injustiça que Washington semeia pelo mundo, da política externa de
Washington, só de mentiras, de agressões militares, de bombas, de invasões.
Washington
não é os EUA. Washington é cidade natal do Diabo.
Chávez
foi amigo da verdade e da justiça, o que basta para torná-lo impopular em todo
o mundo ocidental onde os líderes políticos consideram a verdade e a justiça
como ameaças diretas contra eles.
Chávez
foi líder mundial. Diferentemente dos políticos norte-americanos, Chávez era
respeitado em todo o mundo não ocidental. Recebeu títulos de doutor honorário
da China, da Rússia, do Brasil e de muitos outros países, mas não de Harvard,
Yale, Cambridge e Oxford.
Chávez
foi um milagre. Foi um milagre porque não se vendeu aos EUA, nem às claques
governantes da Venezuela. Se se tivesse vendido, Chávez teria enriquecido com os
lucros do petróleo, como a família real saudita, e teria sido honrado nos EUA,
do modo como Washington honra seus fantoches: com visitas à Casa Branca. Teria
sido ditador vitalício, por tanto tempo quanto quisesse, desde que se
mantivesse vendido a Washington.
Cada
um dos fantoches de Washington, da Ásia à Europa e ao Oriente Médio, espera
ansiosamente o convite que comprova a satisfação de Washington ante sua
servidão, ante a rendição à potência imperialista global – que ainda ocupa o
Japão e a Alemanha, 68 anos depois da 2ª Guerra Mundial e a Coreia do Sul, 60
anos depois do fim da Guerra da Coreia, e que mantém tropas e bases militares
em vasto número de outras nações “soberanas”.
Nada
teria sido mais fácil para Chávez do que se vender politicamente. Bastaria
manter a mesma retórica populista, promover seus aliados no exército, oferecer
mais benefícios aos mais pobres do que outros ditadores jamais fizeram... e
partilhar o que sobrasse da riqueza do petróleo com as corruptas elites
venezuelanas.
Mas
Chávez era gente real, um homem real, como Rafael Correa, reeleito para o
terceiro mandato como presidente do Equador, que também enfrentou os EUA e
garantiu asilo político a Julian Assange. E como Evo Morales, o primeiro
presidente indígena da Bolívia, desde a conquista espanhola. A maioria dos
venezuelanos entenderam que Chávez era real. Elegeram-no quatro vezes e mais
vezes o elegeriam, enquanto Chávez vivesse. O que Washington mais odeia é gente
real, que não pode ser comprada.
Quanto
mais os políticos ocidentais corruptos e a imprensa prostituída demonizaram
Chávez, mais os venezuelanos o amaram. Os venezuelanos entenderam completamente
que alguém que Washington deteste sempre será presente de Deus ao mundo.
Não
é fácil, nem barato, enfrentar Washington. Todos os que tenham coragem para
fazê-lo são demonizados. Correm risco de ser assassinados ou derrubados do
poder em golpe organizado pela CIA – como
Chávez, em 2002. Quando elites venezuelanas instruídas pela CIA deram seu
golpe e sequestraram Chávez, o golpe foi derrotado, em horas, pelo povo
venezuelano que tomou as ruas e por elementos do exército, que agiram antes de
Chávez ser assassinado pelas elites venezuelanas controladas pela CIA – e elites que só escaparam com suas vidas
venais, porque, diferente delas, Chávez sempre foi um humanista, um homem de
bem. O povo venezuelano levantou-se em massa e instantaneamente na defesa
pública de Chávez – e fez calar as
mentiras da Casa Branca de Bush, de que Chávez seria um ditador.
Sem
vergonha de expor sua mais sórdida corrupção, o “New York Times” assumiu
a defesa dos golpistas, aquele punhado de elitistas antidemocráticos, contra
Chávez democraticamente eleito, e declarou que a derrubada de Chávez, por
aquele pequeno grupo de ricos e de agentes da CIA, significaria que “a democracia venezuelana já não está
ameaçada por nenhum ditador em potencial”.
As
mentiras e a demonização continuam, depois da morte de Chávez. Jamais será
perdoado por não se ter rendido. Nem Correa nem Morales – dois nomes que, ninguém duvide, já estão nas “listas de matar” de
Obama.
“CounterPunch”, “Fairness
& Accuracy in Reporting”, e outros veículos e comentaristas recolheram
exemplos de obituários dos quais pingava veneno, escritos e publicados na
imprensa ocidental prostituída, sobre Chávez. De fato, festejavam
que a morte tivesse silenciado a voz mais valorosa do
ocidente.
A voz mais absurda foi a
da repórter da “Associated Press”, Pamela Sampson, para quem Chávez
desperdiçava a riqueza do petróleo da Venezuela em “programas sociais, inclusive em mercadões estatais de alimentos,
benefícios em dinheiro para os pobres, clínicas gratuitas de saúde e educação
de graça”, mau uso do dinheiro, é claro, que deveria ser usado para construir
arranha-céus como
o “prédio mais alto do mundo em Dubai e
filiais dos museus Louvre e Guggenheim em Abu Dhabi”.
Para
as dezenas de milhões de vítimas de Washington em todo o mundo – o povo do Afeganistão, do Iraque, da Líbia,
do Sudão, do Paquistão, do Iêmen, da Somália, da Síria, da Palestina, do
Líbano, do Mali, com Irã, Rússia, China e América do Sul esperando no corredor
para que os EUA os ataquem com sanções, desestabilização, conquista ou
reconquista ou ocupação -, o discurso de Chávez, dia 20/9/2006 à Assembleia
Geral da ONU, durante o governo de George W. Bush, ficará para sempre, como o
maior discurso político do início do século 21.
Chávez
fez barba e cabelo do leão, quero dizer, do Diabo, ali mesmo, na própria toca
do Diabo:
“Ontem,
o Diabo em pessoa esteve aqui, nesta tribuna, falando como se fosse dono do
mundo. O ar ainda cheira a enxofre.
Deve-se
chamar um psiquiatra, para analisar o que disse ontem o presidente dos EUA.
Como porta-voz do imperialismo, veio nos impingir seus remédios de charlatão,
tentando preservar o atual padrão de dominação, exploração e pilhagem dos povos
do mundo. Alfred Hitchcock bem poderia usar aquela fala. Proponho o título do
filme: “A receita do Diabo”.
A
Assembleia Geral da ONU jamais antes ouvira coisa semelhante, nem nos tempos em
que ali estava presente a militarmente poderosa União Soviética. Viram-se
sorrisos de solidariedade e aprovação. Mas ninguém se atreveu a aplaudir: estava em jogo o dinheiro, muito dinheiro,
dos EUA, para aqueles países acovardados.
Delegados
dos EUA e do Reino Unidos deixaram a sala – vampiros
que fugiam da réstia de alho e da cruz, ou lobisomens, da bala de prata.
Chávez
falou sobre a falsa democracia das elites que se impõem pela força, “pelas armas, pelo fogo e pelas bombas”.
Chávez perguntou:
“Que
tipo de democracia vocês impõem pelo mundo, com Marines e bombardeio?
Olhe
para o lado que olhar, disse
Chávez, George W. Bush só vê extremistas. Olha para você, meu irmão, vê a
cor de sua pele e diz oh, yes, mais um extremista. Evo Morales, o valoroso
presidente da Bolívia, aos olhos de George W. Bush, tem cara de extremista. Os
imperialistas veem extremistas em toda parte. Mas não somos extremistas. Não se
trata disso. Trata-se, isso sim, de que o mundo está despertando. Por todos os
cantos, o mundo desperta. E os povos puseram-se de pé.”
Em
frase curta, cerca de 20 palavras, Chávez definiu por séculos e séculos adiante
a Washington deste início do século 21:
“O
império teme a verdade, morre de medo de vozes independentes. Por isso, nos
chamam de extremistas. Os extremistas são eles!”
Na
América do Sul e em todo o mundo não ocidental, a morte de Chávez está sendo
atribuída a crime de Washington. Os sul-americanos lembram bem das audiências
no Congresso dos EUA, nos anos 1970s, quando a Comissão Church [1]
investigou e trouxe à luz as várias tentativas da CIA para envenenar Fidel
Castro.
O documento oficial
apresentado ao presidente John F. Kennedy pelo Comandante do Estado-Maior
Conjunto das Forças Armadas dos EUA, conhecido como “Projeto
Northwoods”, permanece acessível online.
O
Projeto Northwoods consistiu num
plano para ataque de militares norte-americanos contra cidadãos
norte-americanos, que em seguida seria atribuído a Cuba, de modo a induzir a
opinião pública e a comunidade internacional a aceitar que os EUA invadissem
Cuba e impusessem ali a “troca de regime” de praxe. O presidente Kennedy
rejeitou a proposta, que implicaria trair todos os seus compromissos com a
moralidade e a transparência no governo dos EUA.
Alastra-se
pela América Latina a suspeita de que Washington, mestra das mais odiosas
tecnologias para matar, teria contaminado Chávez com algum tipo de doença
incurável, para, assim, remover esse específico obstáculo ao controle da
América do Sul. Aí está suspeita que jamais desaparecerá, mesmo que jamais se
confirme: Washington assassinou Chávez, o maior comandante latino-americano
desde Simón Bolívar. Verdade ou não, a suspeita já se implantou. Mas verdade
indiscutível e já confirmada é que, quanto mais Washington e a globalização
operem para destruir mais e mais países, mais precária se torna a vida, não dos
Chávez do mundo, mas das elites.
O
presidente Franklin Delano Roosevelt compreendeu bem que, para que haja
segurança para os ricos, é preciso que haja segurança econômica para os pobres.
Roosevelt estabeleceu nos EUA uma modalidade fraca de social-democracia que
políticos europeus já haviam entendido que seria indispensável para que
houvesse coesão social e política e estabilidade econômica.
Os
governos Clinton, Bush e Obama cuidaram sempre de minar a estabilidade que
Roosevelt obtivera, enquanto Thatcher, Major, Blair e o atual Primeiro-Ministro
britânico, Cameron, cuidaram de romper o acordo social que havia entre as
classes no Reino Unido. No Canadá, Austrália e Nova Zelândia, os políticos
também cometeram o erro de entregar o poder a elites privadas e privatizantes,
mesmo que ao preço da estabilidade social e econômica.
Gerald Celente prevê que
as elites não sobreviverão ao ódio, à fúria, à ira que estão atraindo sobre
elas mesmas. Suspeito que esteja certíssimo. A classe média norte-americana
está sendo destruída. A classe trabalhadora já é um proletariado; e o sistema
de bem-estar social está sendo destruído para reduzir o déficit de orçamento
causado pela perda de arrecadação resultante da exportação de postos de trabalho
e das despesas
com guerras, bases militares
em
terras distantes e resgate
de bancos e financeiras falidos.
O povo norte-americano está sendo forçado a padecer, para que as elites
preservem suas agendas.
As elites nos EUA já
pressentiram o que as espera. Por isso, precisamente, criaram um Ministério do
Interior de estilo nazi-fascista, chamado “Segurança
da Pátria” [orig.
Homeland Security], armado com munição suficiente para matar cinco vezes
cada cidadão norte-americano e com tanques em quantidade suficiente para neutralizar
qualquer direito que a 2ª Emenda garanta aos norte-americanos.
Pistolas e rifles nada
podem contra tanques, como os davidianos descobriram em Waco, Texas. A
necessidade de proteger um pequeno punhado de membros da elite, contra a ira
dos cidadãos norte-americanos que eles oprimem, é o que explica também a
crescente militarização da polícia, e motivo pelo qual as polícias estão sendo
postas sob direto comando de Washington e serão armadas com drones
suficientemente potentes para assassinar os verdadeiros líderes do povo dos EUA
– que não estão nem no Legislativo, nem
no Executivo, nem no Judiciário: estão nas ruas. Campos
de concentração de prisioneiros nos EUA
já
parecem ser realidade, sem teoria da conspiração.Vídeo a
seguir:
A ameaça que o governo dos
EUA impõe contra o povo dos EUA já foi detectada e registrada dia 7/3/2013, por
dois senadores (Republicanos), Ted Cruz (TX) e
Rand Paul (KY), que apresentaram projeto de lei para impedir que o governo dos
EUA assassine os próprios cidadãos:
“O governo federal não
pode assassinar cidadão norte-americano que esteja nos EUA, a menos que a
pessoa represente ameaça iminente de morte ou grave ferimento corporal a outra
pessoa. Nada deve ser introduzido no texto dessa lei para sugerir que a
Constituição poderá autorizar seja como for o assassinato de cidadão dos EUA
sem o devido processo legal.”
O “povo indispensável” com
seus presidentes Bush e Obama inaugurou o século 21 com morte e violência: é o
legado deles, seu único legado. A morte e a violência que Washington
desencadeou para todo o mundo voltarão sobre Washington e sobre todas as elites
corruptas em todo o mundo. Como diz Gerald Celente, a primeira grande guerra do
século 21 já começou.
NOTA DOS TRADUTORES
[1]
Comissão do Senado dos EUA que investigou as atividades da CIA, presidida pelo
sen. Frank Church (D-ID), em 1975. A comissão investigou várias atividades
ilegais da CIA e do FBI (de experiências ilegais em seres humanos à invasão de
moradias sem autorização legal, interceptação de comunicações sem autorização
judicial, assassinatos e outras atividades) trazidas à tona pelo chamado
“escândalo de Watergate”. Leia todos os relatórios da Comissão
Church.
Podem ser lidos também
todos os resultados de investigações sobre inúmeros complôs
da CIA para assassinar governantes e líderes políticos
no exterior.”
FONTE: escrito por
Paul
Craig Roberts [economista
norte-americano, ex-Secretário-Assistente do Tesouro na Administração Reagan], e
publicado no “Institute for Political
Economy” (EUA), sob o título original “Hugo
Chavez - Paul Craig Roberts”.
Artigo traduzido
pelo “pessoal da Vila Vudu” e postado por Castor Filho no blog “redecastorphoto” (http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2013/03/paul-craig-roberts-hugo-chavez.html).
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