‘CAPITALISMO E MORAL BURGUESA SÓ VIVEM JUNTOS COM A HIPOCRISIA’
"Conclusão é do escritor Luiz Fernando Veríssimo que, em sua coluna de domingo, traz a seguinte pergunta: "qual é o ponto da ganância?". Segundo ele, "o capitalismo triunfante evoca uma questão de cozinha, a do ponto. Qual é o ponto em que a ganância humana deixa de ser um propulsor econômico e volta a ser pecado?"
Do "Brasil 247"
O escritor Luiz Fernando Veríssimo compara, em sua coluna de domingo 3, o "capitalismo triunfante" a "uma questão de cozinha, o ponto". E faz a seguinte pergunta: "Qual é o ponto em que a ganância humana deixa de ser um propulsor econômico e volta a ser pecado?"
"No Brasil de tantos escândalos, cabe a pergunta: qual é o ponto da ganância? Quando é que a mistura desanda, o molho queima e o que era para ser um pudim vira uma vergonha? Há quem diga que o mercado sabe quando e como intervir para salvar a moral burguesa. Digo, o pudim. Claro que, para isso funcionar, é preciso confiar que todas as pessoas sejam, no fundo, social-democratas, ou capitalistas só até o ponto certo do cozimento. Ou acreditar que a ganância pode destruir a ideia de sociedade e ao mesmo tempo esperar que a ideia sobreviva nas pessoas, como uma espécie de nostálgica produção caseira", diz trecho de seu artigo.
Para Veríssimo, "desde que o capitalismo e a moral burguesa nasceram, ao mesmo tempo, vivem brigando. Só conseguem viver juntos com a hipocrisia, que teve uma das suas apoteoses na era vitoriana invocada pela Sra. Thatcher".
O ponto da ganância
Desde que o capitalismo e a moral burguesa nasceram ao mesmo tempo, vivem brigando. Só conseguem viver juntos com a hipocrisia
Tudo pode ser reduzido a uma metáfora culinária. Comparamos mulheres com frutas e revoluções com omeletes e dizemos que as pessoas envelhecem como o vinho — ou ficam melhores ou azedam. E já ouvi dizerem de uma mulher que lembrava um vinho da Borgonha. Nada a ver com sabor ou personalidade, e sim com o formato da garrafa (pescoço longo e ancas largas).
O capitalismo triunfante também evoca uma questão de cozinha, a do ponto. Qual é o ponto em que a ganância humana deixa de ser um propulsor econômico e volta a ser pecado? Da Margaret Thatcher, diziam que ela queria o impossível: devolver à Inglaterra os valores morais da Era Vitoriana ao mesmo tempo em que desencadeava a era do egoísmo sem remorso e declarava que sociedade não existia, só existia o indivíduo e suas fomes. Dilema antigo. Desde que o capitalismo e a moral burguesa nasceram ao mesmo tempo, vivem brigando. Só conseguem viver juntos com a hipocrisia, que teve uma das suas apoteoses na era vitoriana invocada pela Sra. Thatcher.
No Brasil de tantos escândalos, cabe a pergunta: qual é o ponto da ganância? Quando é que a mistura desanda, o molho queima e o que era para ser um pudim vira uma vergonha? Há quem diga que o mercado sabe quando e como intervir para salvar a moral burguesa. Digo, o pudim. Claro que, para isso funcionar, é preciso confiar que todas as pessoas sejam, no fundo, social-democratas, ou capitalistas só até o ponto certo do cozimento. Ou acreditar que a ganância pode destruir a ideia de sociedade e ao mesmo tempo esperar que a ideia sobreviva nas pessoas, como uma espécie de nostálgica produção caseira.
O capital financeiro que hoje domina o mundo nasceu da usura, que era punida pela Igreja Medieval. A história da sua lenta transformação, de pecado em atividade respeitável, culminando com sua adoção pela própria Igreja, é a história da hipocrisia humana. A Inquisição mandava os usurários para a fogueira, onde... Mas é melhor parar com as metáforas culinárias, antes de começar a falar nos grelhados.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/opiniao/o-ponto-da-ganancia-16030592#ixzz3Z5IgfIxV
FONTE: escrito pelo escritor Luiz Fernando Veríssimo em sua coluna de domingo no "Globo" (http://oglobo.globo.com/opiniao/o-ponto-da-ganancia-16030592). Transcrito no portal "Brasil 247" (http://www.brasil247.com/pt/247/cultura/179381/%E2%80%98Capitalismo-e-moral-burguesa-s%C3%B3-vivem-juntos-com-a-hipocrisia%E2%80%99.htm).
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