quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

BRASIL CRESCE CONECTADO NA INTERNET

O portal UOL ontem publicou a seguinte reportagem de Kiko Ferrite e Camila Fusco, postada originalmente no Portal EXAME:

“VENDAS RECORDES DE COMPUTADORES E CELULARES, EXPLOSÃO NO ACESSO À INTERNET - A DIGITALIZAÇÃO EM MASSA COMEÇA A TRANSFORMAR A ECONOMIA BRASILEIRA”

“Revista EXAME: O pescador Winer Vieira Alves, o Nino, mora na Ilha do Capixete, a cerca de 220 quilômetros do Rio de Janeiro, desde que nasceu, 37 anos atrás. Sua rotina nunca mudou muito: sair cedo pelo rio Paraíba do Sul, passar horas no barco e retornar com a pesca para vender na peixaria da família. Há cerca de três anos, Nino abriu um restaurante na varanda de casa e percebeu que não valeria a pena cuidar de todas as etapas do trabalho.

Como os telefones celulares começavam a se popularizar na comunidade em que mora, Nino teve uma idéia. Em vez de sair de barco, passou a telefonar para colegas da região e comprar a pesca deles. "Negocio tudo pelo telefone e vou encontrar os pescadores no rio com o material para buscar o peixe ainda fresco. O celular é hoje um atalho para meu trabalho", diz Nino. A cerca de 2 300 quilômetros de lá, no município de Dom Pedrito, no extremo sul gaúcho, o criador de gado Sérgio Pires Simões, de 54 anos, também usa a tecnologia para encurtar a distância da negociação com os frigoríficos da região. Ele faz cotações pelo telefone celular e dá os primeiros passos na informatização de seu negócio.

"O computador e a internet têm recursos que podem ajudar na contabilidade, no controle de rebanhos e nos programas de melhoria genética. Estamos aprendendo a manejá-los", diz Simões.

Nino, no litoral fluminense, e Simões, no interior gaúcho, ilustram uma transformação fundamental que está acontecendo na economia brasileira. Computadores, internet e telefones celulares têm promovido uma revolução na vida de empresas, instituições públicas e indivíduos do país. Existem 55 milhões de computadores em uso no Brasil, segundo dados da Fundação Getulio Vargas. Esse número, que já é impressionante hoje, deve dobrar nos próximos quatro anos. Uma em cada seis residências está conectada à internet, e os brasileiros detêm o recorde mundial de tempo de navegação. Os celulares já somam 45 milhões, e não deve demorar muito para que haja um para cada habitante. Esses números deram seus maiores saltos na última década - um período de tempo relativamente curto, mas que pode ter um impacto de longo prazo, segundo a avaliação de Erik Brynjolfsson, diretor do Centro de Negócios Digitais do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e um dos maiores estudiosos do impacto da tecnologia na economia. "O acesso às novas tecnologias tem contribuído para a formação de gerações cada vez mais produtivas", disse Brynjolfsson a EXAME. "Isso representa impacto direto na economia, na empregabilidade das pessoas e na melhoria das condições sociais."

UM PAÍS CONECTADO

O cartão de visita do britânico Jan Chipchase o anuncia como pesquisador de comportamento humano da Nokia, maior fabricante de celulares do mundo. Na prática, Chipchase tem a missão de viajar pelo mundo e entender como a tecnologia é utilizada para transformar a realidade social de cada um de seus entrevistados, seja na cosmopolita Tóquio, seja em uma comunidade distante de Uganda. No primeiro semestre deste ano, o pesquisador esteve no Rio de Janeiro e conversou com cerca de 200 usuários, a maioria habitantes de favelas. Chipchase constatou que 30% de seus entrevistados têm duas ou mais linhas celulares - em boa parte com chips pré-pagos -, usadas essencialmente como ferramentas de desenvolvimento econômico. Um estudo da London Business School afirma que o aumento de 10 pontos percentuais na penetração de celulares é capaz de elevar o PIB de um país em até 0,5 ponto percentual. Considerando que o número de aparelhos móveis no país cresceu seis vezes desde o começo da década, já é possível dizer que parte do crescimento da economia do país está fundamentada na era da mobilidade. "O celular hoje é uma parte da identidade de cada um e ajuda a reestruturar a realidade dos países em desenvolvimento", diz Chipchase.

BRASIL, A NAÇÃO DOS PC´S

Um levantamento do World Resources Institute (WRI), uma ONG dedicada a estudar o progresso, realizado no ano passado mostrou que os brasileiros da base da pirâmide gastam 173 dólares em média com serviços de telecomunicações e tecnologia, e esse valor tem crescido mais rapidamente que as despesas com saúde, educação e habitação. "Pode parecer óbvio, mas quem está na base da pirâmide não pode participar da economia global, e beneficiar-se dela, se não estiver conectado", diz o estudo do WRI. Talvez não exista exemplo mais eloqüente dessa integração com a economia mundial do que o fenômeno das lan houses. Existem hoje cerca de 90 000 delas em operação no Brasil, muitas instaladas em regiões de baixa renda. Os clientes das lan houses pagam uma quantia pequena - 1 real por hora, em média - para conectar-se à internet, muitas vezes para participar de jogos online contra gente do resto do mundo ou para interagir na rede de relacionamentos Orkut, que pertence ao Google. Esse pequeno recorte da globalização tem modificado a dinâmica econômica de algumas das regiões mais pobres do país. João da Silva Miranda, de 28 anos, é um dos 120 000 moradores da favela de Heliópolis, na zona sul de São Paulo, a maior da cidade. Trabalhava como motoboy até o ano passado, quando decidiu abrir uma lan house com dez computadores na garagem de casa. Quem passa por lá vê que a idéia deu certo. A lan house está quase sempre lotada, seja às 9 horas da manhã, seja perto da meia-noite, quando está baixando as portas. Com o negócio, Miranda fatura cerca de 3 500 reais por mês, bem acima dos 1 500 que recebia no antigo trabalho. Além de funcionar como alternativa de renda - só em Heliópolis, são mais de 15 empresas -, as lan houses têm contribuído diretamente para a empregabilidade de seus usuários.

A ERA DA MOBILIDADE

Segundo o Comitê Gestor da Internet no Brasil, metade da população online do país navega na rede de centros pagos de acesso. Esse contato com o mundo digital já começa a se refletir na qualificação da força de trabalho brasileira. A Atento, uma das maiores gestoras de centrais de atendimento do país, tem hoje cerca de 72 000 funcionários, a maioria adolescentes em seu primeiro emprego. Há cinco anos, o treinamento de um funcionário sem experiência em computação poderia chegar a 240 horas. Hoje, o tempo de treinamento caiu dramaticamente, para apenas 30 horas, segundo Márcia Fontes, responsável pela área de treinamento da Atento. "Está muito mais fácil treinar os novos funcionários porque a maioria já vem com habilidades em computação", diz Márcia. Estima-se que um funcionário em processo de capacitação custe para a empresa, em média, 16 reais por hora.

Isso significa no caso da Atento, por exemplo, uma economia de quase 90% nos custos do treinamento básico. Empresas que crescem na área de prestação de serviços de programação a clientes estrangeiros, como IBM e HP, também apostam na crescente informatização do país para transformar o Brasil em um centro mundial de exportação de software.

COMÉRCIO VIRTUAL EM ALTA

O Brasil avançou em tecnologia nos últimos três anos mais do que em toda a década anterior, especialmente graças à redução no preço dos computadores, com incentivos fiscais e a queda do dólar até meados deste ano. Mas os efeitos da crise mundial e da nova desvalorização do real já se fazem sentir. A consultoria IDC foi obrigada a rever para baixo a estimativa de venda de PCs neste ano: serão 11,8 milhões de unidades, ante uma projeção anterior de 12,6 milhões. O crescimento das vendas ainda foi expressivo, de 10% em relação a 2007, mas já se espera uma desaceleração no próximo ano. Do lado da infra-estrutura, também há questões a resolver. Embora em grandes centros haja oferta de banda ultralarga, com velocidades capazes de transmitir filmes em tempo real, mais de 3 000 municípios brasileiros ainda não sabem o que é internet rápida. Uma das alternativas seria licenciar o espectro para a criação de empresas que ofereçam o serviço por meio de redes sem fio. Outra alternativa é obrigar as companhias de telefonia fixa a aumentar os pontos de acesso de banda larga, num mecanismo semelhante ao que levou à instalação de telefones públicos por todo o país. Do lado do ensino, também há perguntas sem resposta, e a principal delas é: qual deve ser o papel dos computadores nas escolas? Segundo a maior parte dos especialistas ouvidos por EXAME, o governo federal ainda tem uma visão romântica do assunto. O país foi um dos primeiros a apoiar o projeto Um Computador por Aluno - antigamente conhecido como o "laptop de 100 dólares" - e chegou a manifestar interesse em comprar máquinas desenhadas pela equipe de Nicholas Negroponte, um ex-professor do MIT. Os computadores foram testados em escolas de cinco localidades, mas o projeto nunca decolou. A licitação de 150 000 laptops educacionais que estava prevista para este ano foi suspensa por divergência de preços entre o governo e a Positivo Informática, vencedora da primeira etapa da concorrência, e a iniciativa ainda não saiu da fase de idealização. Ficou no ar a sensação de que o governo federal aderiu ao projeto meramente por razões ideológicas - o "laptop de 100 dólares" usa um sistema aberto em vez do ubíquo Windows, da Microsoft.

Apesar de Brasília ou da taxa do dólar, a digitalização continua dando dinamismo à economia e influenciando o indicador que realmente importa na hora de medir o progresso de um país: a produtividade. Erik Brynjolfsson, do MIT, calcula que cada dólar investido em equipamentos exija de 5 a 10 outros em investimentos para que as empresas tirem proveito da tecnologia. Isso já aconteceu em gigantes como Petrobras, Vale, Oi e Embraer e começa a fazer parte da realidade de negócios bem mais modestos, como a Indústria de Alimentos Nordeste (Iane). A fabricante de biscoitos e salgados da Paraíba fatura cerca de 2 milhões de reais por ano e acaba de investir em computadores de mão para seus 50 vendedores. Com a ajuda dos novos equipamentos, eles aumentaram em 50% o número de visitas a clientes. "Os investimentos nos equipamentos e no treinamento ficaram em torno de 20 000 reais, mas o impacto do uso da tecnologia no faturamento está estimado entre 2% e 4%", diz Ricardo Barbosa Filho, diretor financeiro da empresa. Para Leonard Waverman, professor da London Business School e autor de um estudo sobre o impacto da internet no desenvolvimento econômico, apesar das limitações os saltos que o Brasil já deu em direção à digitalização são incontestáveis. A nova onda de pessoas e empresas conectadas ajuda a transformar a lógica econômica e social do país. Mas ainda não se viu sequer uma fração do que ela poderá trazer. "A era da informação ainda está no início", afirma Waverman. "O impacto será muito maior, comparável ao que a eletricidade trouxe à sociedade moderna no início do século 20."

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