quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

FRANÇA E BRASIL

O jornal Folha de São Paulo publicou hoje em seu editorial:

VISITA DO PRESIDENTE FRANCÊS OCORRE EM MEIO A PERSPECTIVAS DE MUDANÇA DO PAPEL BRASILEIRO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

“Conhece-se bem o tipo de rotina seguido pelas visitas de presidentes estrangeiros ao Brasil: acordos de cooperação são assinados, visitam-se favelas-modelo, intenções de aproximação cultural são reiteradas, e o elaborado roteiro diplomático tende a ocupar, afinal, os eventuais vazios do noticiário nos dias em que se sucedeu.

A passagem de Nicolas Sarkozy pelo país ocorre, entretanto, numa conjuntura internacional que amplia bastante o significado habitualmente associado a viagens desse gênero.

Ao longo dos últimos meses, o presidente francês tem sido uma das principais vozes a defender uma reestruturação profunda do sistema decisório mundial, face às extremas turbulências vividas pelo mercado financeiro.

Superando as resistências iniciais de George W. Bush, Sarkozy insistiu na realização, em novembro passado, de um encontro de cúpula entre as 20 maiores economias mundiais. O G20 deveria traçar os principais pontos de uma agenda capaz de fazer face à maior crise econômica vivida desde o pós-guerra.

Vista inicialmente com justificado ceticismo no que dizia respeito à tomada de iniciativas concretas, a reunião ministerial do G20 em São Paulo pôde assinalar, ao menos, uma inflexão no discurso predominante entre as potências mundiais.

Ruiu, com efeito, a confiança doutrinária na capacidade do sistema financeiro de regular-se por si mesmo. Desarma-se a euforia de um hiperliberalismo pouco aparelhado para avaliar os riscos inerentes à própria atividade especulativa.

Acentuou-se, paralelamente, a necessidade de reformular os atuais organismos internacionais de deliberação, face a um conjunto de desafios -não só econômicos, mas também ambientais e militares- a que a estreita hegemonia de uma única potência mundial não tem como responder.

Nesse gênero de "novo pragmatismo" que se esboça em meio a um cenário de emergência internacional, figuras tão díspares como Lula e Sarkozy terminam assumindo linguagens mais próximas do que seria de esperar.

Eleito por uma coligação de direita, o presidente francês mostrou-se, ao lado do premiê britânico Gordon Brown, favorável a medidas de intervenção estatal que, embora adotadas a título provisório e excepcional, há menos de um ano pareceriam alheias à sua visão de mundo.

Pragmatismo, como se sabe, Lula provou ter até de sobra -e, enquanto outros líderes latino-americanos aprofundam-se no delírio populista, o Brasil se firma como interlocutor equilibrado no plano internacional.

Em meio à profunda crise dos últimos meses, passam a um plano maior de relevância as relações do Brasil com os países desenvolvidos. A viagem de Sarkozy, assim, talvez marque simbolicamente a passagem para um período em que as habituais "visitas" de presidentes do Primeiro Mundo cessam de ter aquele vago ar de formalidade de que se revestiam, para assumir um peso estratégico real.”

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