O jornal O Estado de São Paulo ontem publicou o seguinte texto de Wilson Tosta:
COMPRAS RECENTES DEVEM EQUIPARAR CAPACIDADE À DE PAÍSES COMO ESPANHA E ITÁLIA, LEVANDO A MAIOR PROTAGONISMO
“Especialistas em defesa ouvidos pelo Estado afirmam que as compras de material militar recentemente fechadas pelo governo não apenas repõem a capacidade bélica do País, mas também apontam para uma alteração, a longo prazo, do peso político-estratégico do Brasil no mundo. Segundo esses pesquisadores, as Forças armadas brasileiras continuarão distantes de países líderes no setor, como Estados Unidos, Rússia e China, e das potências europeias, como Reino Unido, França e Alemanha. Mas o País poderá aspirar a uma capacidade próxima da de outras nações da Europa, como Espanha e Itália, e assumir maior protagonismo internacional - exigível de um membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, desejo da política exterior brasileira.
“É um processo de reposição e ao mesmo tempo de modernização”, diz Geraldo Cavagnari, do Núcleo de Estudos Estratégicos da Universidade de Campinas (Unicamp). “Desde 1995, as Forças armadas vêm sofrendo um processo de desmonte. Ficamos desatualizados em termos de tecnologia militar.”
A movimentação na área estratégico-militar foi intensa nos últimos três meses. Incluiu a compra de 63 helicópteros - 12 da Rússia e 51 da França -, a aquisição, também dos franceses, de quatro submarinos Scorpène e da tecnologia do casco do submarino nuclear, além da construção de um estaleiro para montar as embarcações e uma nova base naval no Rio. Também foi lançada a Estratégia Nacional de Defesa, documento de 64 páginas que lista 19 ações a serem iniciadas entre 2009 e 2010, para dinamizar a área.
TECNOLOGIA
Todo o processo tem como prioridade a transferência de tecnologia. A mesma preocupação pautará a concorrência para os 36 novos jatos de ataque. A operação prevê que esse lote inicial seja seguido de outros até o total de 120 a 150 aeronaves.
Para Cavagnari, as compras vão alterar o peso estratégico do Brasil, porque vão “repor e renovar” as perdas das Forças armadas desde 1995. No caso dos submarinos, ele destaca que as quatro unidades convencionais compradas da França serão as mais avançadas da frota.
A alteração maior de poder bélico, contudo, virá com a entrada em operação do submarino nuclear - previsto para 2020. Com ele, explica o pesquisador, “cresce o perfil político-estratégico do Brasil na América do Sul e no Atlântico Sul”.
Cavagnari pondera, porém, que a mudança não colocará o Brasil entre as grandes potências militares. “O Brasil aspira a um assento no Conselho de Segurança, quando não é nem potência militar convencional. Então, se o Brasil quer um assento militar, tem de ser reconhecido como potência militar.”
Doutorando no Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio e contra-almirante da reserva, Antônio Ruy de Almeida Silva destaca que o que acontece é uma recomposição de equipamentos das Forças armadas. “Já a questão do submarino nuclear, para longo prazo, é uma mudança estratégica”, diz ele, que também integra o Núcleo de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF). “Um país que tenha um submarino nuclear entra num seleto grupo de países do mundo, principalmente se domina a construção desse submarino. É uma mudança de patamar tecnológico e também no campo estratégico.”
Ele destaca a importância da transferência de tecnologia: “Por exemplo, na Guerra das Malvinas, quando os argentinos quiseram usar os (mísseis) Exocet, precisaram de mais, mas houve restrições”, conta. “No uso do satélite também.”
Silva afirma que hoje o País tem um peso estratégico muito superior à sua capacidade militar. “O Brasil hoje conquista muita coisa pelo seu soft power, a capacidade de se articular com os países do mundo”, explica. “O Brasil está com esse descompasso entre seu soft power e sua capacidade militar.”
CONTRAPONTO
O professor da Universidade Cândido Mendes (Ucam) Márcio Scalércio, mestre em história e doutorando em relações internacionais na PUC do Rio, tem posição diversa. “Acho que essas compras são feitas com o objetivo, que acho mais importante, de o País saber o que se passa no seu território.”
Scalércio destaca, porém, que pelo prazo das aquisições pode-se dar início a uma política de Estado, não de governo, para a defesa. “É uma política mais ampla, porque a aquisição desse material implica também uma reestruturação das Forças armadas para que usem adequadamente esse material.”
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