segunda-feira, 18 de junho de 2012

O RESGATE ESPANHOL


“A imprensa titulou: "A Espanha pediu ajuda financeira para recapitalizar a banca". As centrais de (des)informação apressaram-se a chamar-lhe um "resgate suave" ou "descafeinado" (nas palavras de um jornal espanhol), pois não se trataria de "resgate" similar aos efectuados em Portugal, Irlanda ou Grécia e, portanto, não haveria lugar a "austeridade".

Por Ângelo Alves, de Portugal

Mariano Rajoy e o ministro da economia espanhol recusaram-se a usar o termo "resgate" e insistem na ideia de simples "linha de crédito" à banca. Por cá até o Bloco de Esquerda utilizou a mesma fórmula e atirou a matar (nos pés) considerando inaceitável que a Espanha tivesse direito a empréstimo sem medidas de austeridade quando no nosso País [Portugal] as condições foram diferentes.

A ideia de "simples" linha de crédito que irá "resolver" os problemas da banca, ainda para mais sem medidas ditas de "austeridade", trata-se, obviamente, de embuste, de mentira cuja dimensão é proporcional ao valor milionário do resgate – 100 mil milhões de euros. Uma mentira desde logo porque essa decisão é apenas a ponta de imenso iceberg – uma crise econômica e social em rápido aprofundamento na 5.ª maior economia da União Europeia e um gigantesco esvaziamento da bolha especulativa espanhola que muito possivelmente sorverá muito mais recursos do que os 100 mil milhões [100 bilhões] agora anunciados.

Em segundo lugar, porque o dinheiro que vai ser entregue à banca espanhola vai sê-lo por via do Estado espanhol que se vai endividar, para já, em 100 mil milhões de euros [100 bilhões], podendo a dívida pública espanhola disparar rapidamente para, pelo menos, 90% do PIB. Ora, tal decisão terá obviamente consequências e serão os trabalhadores e os povos de Espanha as suas vítimas. Aliás, basta ler com atenção o comunicado do Eurogrupo para se concluir facilmente que irão ser impostas ao povo espanhol mais medidas contra os seus direitos e condições de vida e que a aplicação de tais medidas será monitorizada de perto pelo FMI e pela União Europeia.

A verdade é que esse resgate se trata, com outras roupagens é certo, da mesmíssima coisa que se está a passar na Irlanda, em Portugal ou na Grécia, ou seja, o uso do Estado como gigantesco aspirador que suga os recursos públicos e os rendimentos do trabalho, canalizando-os para os cofres da banca e do grande capital financeiro. Essa é que é a verdade que sustenta a afirmação do PCP de que o que é necessário não são renegociações de pactos de agressão – como vieram hipocritamente propor o Partido Socialista e Bloco de Esquerda – mas antes a sua rejeição e a ruptura com as políticas da União Europeia e dos governos ao serviço do grande capital, seja aqui [em Portugal] ou em Espanha.

Mas, se a gigantesca operação de salvamento do grande capital em Espanha coloca novos desafios àquele povo e à sua luta em defesa dos seus direitos, o "resgate" da Espanha não pode deixar de ter impacto internacional, ou não se tratasse da 12.ª maior economia do Mundo. O fato de uma economia dessa dimensão ter ficado à mercê dos processos de extorsão do grande capital financeiro a ponto de ter de se entregar nas mãos da dita "ajuda externa" demonstra a profundidade da crise do capitalismo. Uma crise que não é limitada a este ou aquele país e que alastra muito rapidamente.

A comprová-lo estão os níveis recorde de desemprego na zona euro; o anúncio oficial de que a França entrará em recessão já este trimestre; o anúncio da quebra de 1,7% nas exportações alemãs ente Abril e Março deste ano e ainda (e porventura o mais importante) a revelação dos dados do crescimento do desemprego nos EUA que atinge agora o valor oficial de 8,2% (o que corresponde a uma taxa real de 14,8%) e a forte travagem da economia norte-americana em função da contração da despesa pública pelo sexto trimestre consecutivo, da quase estagnação do consumo interno e do aumento do déficit comercial doméstico. Como afirmou o PCP em 2008, as medidas do sistema para tentar lidar com a sua própria crise nada mais são do que sementes de novas e mais profundas crises. O resgate de Espanha é mais uma delas.”

FONTE: escrito por Ângelo Alves, membro da Comissão Política do PCP. Publicado no Jornal “Avante!” [Portugal] . Transcrito no portal “Vermelho”  (http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=185890&id_secao=9).

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