Assunção, Paraguai
“Em 1917, quando a revolução
explodiu na Rússia, os marxistas encontraram explicação rápida para o fato de o
movimento comunista não ter surgido com mais força nos países
centrais do capitalismo (como se depreendia que deveria ocorrer, pelas teorias
de Marx): a terra do Czar era “o elo mais fraco da cadeia”.
Nos anos 60, de certa forma, foi
isso também o que levou Guevara a fazer guerrilha na Bolívia, em busca de
outros vietnãs mundo afora. O país andino era um Estado (aparentemente)
fragilizado, sem a força de uma burguesia brasileira ou argentina, sem a coesão
política de Colômbia e Venezuela. Além disso, o povo boliviano tinha tradição
de luta – como já se fizera notar nos anos 50 do século XX. Guevara terminou
cercado e morto, porque o “frágil” Estado boliviano teve apoio dos EUA no
combate ao foco guerrilheiro. Não funcionou na Bolívia a idéia do “elo
mais fraco”.
Mas a direita parece ter aprendido
com isso.
Frente ao movimento contínuo de
governos à esquerda eleitos nos últimos 15 anos na América do Sul, e mesmo na
América Central, os setores conservadores (com apoio aparente dos serviços
de inteligência dos EUA) passaram a atuar para derrubar, justamente, os
“elos mais fracos”.
Fizeram isso depois de perceber que
atacar Chavez – como se tentou em 2002 – poderia gerar reação ainda mais
perigosa no Continente. Primeiro, atuaram em Honduras. Lá, um presidente de
origem conservadora, virara aliado tardio da esquerda bolivariana. Mas
faltava coesão e mobilização social à base de apoio de Zelaya. A direita deu o
golpe, com aparência de legalidade. O presidente foi tirado de pijama de
casa, e deportado. Os EUA, prontamente, “reconheceram” o novo governo. E
Honduras entrou numa espiral de violência, em que o Estado foi retomado pelas
forças mais conservadoras.
Agora, o “elo mais fraco” é o
Paraguai. Lugo chegou ao poder sem maioria no Congresso (alô rapaziada que
torce o nariz para as alianças de Lula e Dilma; sem aliança, Lula teria virado
um Lugo em 2005), desgastou-se pessoalmente com escândalos sexuais. E a base
social de seu governo – apesar de ter algum peso – parece ser a mais fraca do
subcontinente, na comparação com Argentina, Venezuela, Equador, Bolívia, Brasil
e Uruguai.
Há alguns anos, pessoas da minha
família que moram em Assunção já haviam relatado o estranhamento geral no
Paraguai com o tal EPP (uma guerrilha “misteriosa”, surgida em províncias de
tradição agrária e que passou a atuar e espalhar o ‘terror” entre fazendeiros,
justamente no governo Lugo). A mídia paraguaia tenta associar o EPP aos
movimentos sociais históricos, que deram e dão apoio a Lugo. Cria-se, assim, uma
gelatina confusa de “subversão” e de ameaça à propriedade. Lugo seria associado
a essa gelatina, essa é a base para o golpe parlamentar em curso.
Lugo é acusado – especificamente –
de inação pelo confronto entre militantes sem-terra e a polícia, há poucos
dias. Houve várias mortes. O confronto, registrado em imagens ricas e abundantemente
distribuídas mundo afora, pode não ter sido “armado”. Não tenho provas para
afirmar coisa parecida. Mas não me cheira bem. Sabemos que a CIA segue a atuar.
O “Wikileaks” revela como opera a rede de informações (com apoio na mídia,
inclusive brasileira, que tenta reverter a “onda vermelha” na América do Sul).
É fato que, à direita paraguaia, interessava sobremaneira ter um ou vários
cadáveres à mão – para colocar na conta de Lugo. Como se o presidente, e não a
histórica concentração de terras no país vizinho, fosse o culpado pelos
confrontos agrários e instabilidade no campo.
Um ex-bispo, acusado ao mesmo tempo
de subversão e de traição ao princípio católico do celibato, parece ser o
“elo mais fraco” perfeito para uma direita acuada na América do Sul.
O libelo acusatório contra Lugo é
uma piada, parece escrito pelo professor Hariovaldo. Mas, na Venezuela, em
2002, os discursos dos golpistas [de direita] também pareciam uma piada. E, se
não fosse a reação popular, Chávez estaria exilado ou morto.
Resta saber se Lugo terá a grandeza
e a firmeza de Chavez. E mais que isso: se contará com apoio popular efetivo
para reverter o golpe “hondurenho” desfechado pelo Parlamento. Apoio
diplomático ele tem. A UNASUL está com Lugo. Mas Zelaya também teve todo esse
apoio. E perdeu.
Do outro lado, há o peso histórico
da direita, que dialoga diretamente com Washington, na tentativa de
iniciar a reversão da onda vermelha na América do Sul.
O Paraguai será o elo mais fraco a
se romper? Ou a direita morrerá cercada no Parlamento – feito Guevara no
interior boliviano? É a história que se escreverá nas ruas de Assunção e no
interior do país vizinho.”
http://www.rodrigovianna.com.br/vasto-mundo/paraguai-o-elo-mais-fraco.html#more-14118 [Imagens do Google adicionadas por
este blog ‘democracia&política’].
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