quinta-feira, 21 de junho de 2012

O SUICÍDIO DA "VEJA" ATRAVÉS DA PALAVRA


"Veja", uma das cinco revistas semanais de informações mais importantes do mundo, levou 2.272 edições, em 44 anos de circulação, para cometer o maior nariz de cera da sua história, do jornalismo brasileiro em muitos anos e talvez da imprensa mundial. Sua matéria de capa do dia 6 de junho abre com 98 linhas da mais medíocre "encheção de linguiça”, como se diz "no popular”.

Por Lúcio Flávio Pinto, na "Adital"


Se tivessem mesmo que sair, esses quatro enormes parágrafos, numa matéria de apenas oito períodos, tirando boxes e penduricalhos outros para descansar a vista (e relaxar a cabeça), caberiam na "Carta ao Leitor", espaço reservado à opinião do dono. Mas lá já estava o devido editorial da "casa”, repleto de adjetivações e subjetividades, conforme o estilo.

A tarefa do repórter Daniel Pereira não era competir em fúria acusatória com a voz do dono, mas dar-lhe – se fosse o caso – suporte informativo. Sua matéria deveria conter fatos, que constituem a arma de combate do repórter, infalível diante de qualquer assunto sob sua investigação. Ao invés disso, metade da sua falsa reportagem, com presunção de trazer novidades e gravidades suficientes para merecer a capa da edição, é um rosário de imprecações opiniáticas, no mais grosseiro e primário estilo, num desabamento de qualidade em relação à "Carta ao Leitor".

Em tom professoral digno de um sábio de "almanaque Capivarol", o editor da sucursal de Brasília, distinto e ilustre desconhecido (ainda, claro), faz gracejo insosso com o fracasso da estratégia de Lula de usar a "CPI do Cachoeira” como manobra diversionista para tirar o foco do julgamento dos integrantes da "quadrilha do mensalão”.

Tentando reparar o efeito inverso gerado pela iniciativa, Lula procurou o ministro Gilmar Mendes, do STF, para um acerto, "movimento tão indecoroso que, ao contrário do imaginado pela falconaria petista, se voltou contra o partido”, sentencia o jornalista.

Não sou petista. Nunca fui. Também não sou nem nunca serei filiado a qualquer partido político, enquanto minha profissão me conceder espaço para opinar e interpretar. É onde faço política: tentando armar o meu leitor para ter sua agenda atualizada aos grandes temas ao alcance da sua vontade.

Votei uma única vez em Lula para presidente da República, na primeira tentativa dele, contra Collor, em 1989. Ninguém encontrará um artigo de louvor a ele no meu "Jornal Pessoal". Como não moro em Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro ou Belo Horizonte, mas em Belém, distante dois mil quilômetros da capital federal, não me atrevo a escrever reportagens a respeito dele.

Para isso, precisaria estar em contato com pessoas do centro do poder, testemunhar acontecimentos, criar fontes com acesso às informações diretas. Mas minhas análises, feitas à distância, não ultrapassam o limite da possibilidade de demonstrar com fatos o que digo. E só digo o que os fatos me autorizam.

MANCHA NA HISTÓRIA

Ao autorizar um repórter, encarregado de produzir uma reportagem, que requer tudo que está fora do meu alcance, justamente porque não disponho dos recursos ao acesso de Daniel Pereira, "Veja" mostra que não respeita a si, aos seus jornalistas e ao leitor. Desrespeita a própria história, que a fez ocupar lugar tão destacado na imprensa mundial e ter-se estabilizado há muitos anos em 1,2 milhão de exemplares de tiragem.

O respeito e a admiração que as pessoas têm hoje pelos jornalistas da TV Globo era o mesmo, com outra substância, do início dos anos 1970, quando "Veja" se consolidou como a mais importante novidade na imprensa brasileira. Antes de passar a trabalhar na revista, via-me diante de humilhação partilhada por repórteres das outras publicações, como as minhas. Depois de dar entrevista coletiva, o personagem da reunião se desculpava e atendia à parte o representante de "Veja", que costumava assistir calado ao pingue-pongue de perguntas e respostas entre os colegas e o entrevistado.

Mas não ficávamos furiosos ou nos revoltávamos pelo privilégio dado ao concorrente. Veríamos, quando a revista circulasse, que o tratamento diferenciado tinha uma motivação fundamentada na qualidade do trabalho de "Veja". Por opção editorial, as matérias não eram assinadas. Mas tanto os profissionais que iam às ruas atrás das notícias eram bons, como ótimos eram aqueles que reescreviam tudo na redação, estabelecendo homogeneidade de alto nível em todos os textos, do primeiro ao último.

Essa boa novidade levou ao exagero da padronização, logo corrigido pela liberação dos freios da centralização: cada jornalista pode desenvolver seu estilo e as matérias começaram a sair assinadas.

Muitas das matérias que forniram as páginas da revista eram do melhor jornalismo, vizinho dos textos de autores da melhor literatura. Tanto pelo domínio do vernáculo como pela consciência de que jornalismo é a vida pulsando todos os dias em sua materialização factual, sempre sujeita ao humano, demasiado humano (o que serviu de halo para o "novo jornalismo” americano).

Com a sucessão de textos do tipo que agride a essência do jornalismo já há bastante tempo, "Veja" está prestando um grave desserviço ao Brasil, a pretexto de "brecar o avanço do "lulismo” tirânico e irresponsável". Está fazendo o país retroceder a jornalismo praticado até seis décadas atrás, quando o "Diário Carioca" introduziu o lide no manual de redação jornalística. Sucederam-se a partir daí os aperfeiçoamentos que "Veja" consolidou.

A começar pelo curso de formação que deu aos seus futuros integrantes antes de começar a circular, uma revolução em matéria de recrutamento de quadros. E pelo elevado padrão de profissionalismo que estabeleceu, tornando-se meta para todos aqueles que queriam avançar no seu ofício e ter vida digna, decente e confortável – conquistas das quais só a última era frequente, à custa da venda da alma ao diabo; até "Veja" demonstrar que jornalista também pode ganhar bem sem se prostituir.

É profundamente lamentável que essa mesma revista esteja agora, num paroxismo editorial difícil de explicar e mais difícil ainda de entender, esteja renunciando a todas essas conquistas para se entregar à voragem de apoplexia palavrosa, se a tipologia cabe nessa forma surpreendente de patologia. Lula pode sobreviver a esse tipo de vírus. O jornalismo, não. Querendo ser a coveira de um líder político esquivo e ambíguo, "Veja" está, na verdade, cometendo um haraquiri patético, capaz de arrastar consigo muito mais gente do que a que sucumbiu sob outro desses líderes em transe: Jim Jones."

FONTE: escrito por Lúcio Flávio Pinto, jornalista paraense dono do "Jornal Pessoal". Publicado pela "Adital" e transcrito no portal "Vermelho" (
http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=186309&id_secao=6) . [Imagem do google adicionada por este blog 'democracia&política'].

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