quarta-feira, 11 de junho de 2008

CHICO BUARQUE E DILMA ROUSSEFF

O site “Carta Maior” publicou há pouco um interessante texto de Gilson Caroni Filho. Ele analisa com arte, usando metáforas, analogias, comparações subentendidas com a famosa música de Chico Buarque “Joga a pedra na Geni”, os interesses implícitos no novo espetáculo nacional proporcionado pela mídia: as denúncias da ex-diretora da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) Denise Abreu contra a Ministra da Casa Civil Dilma Rousseff. Vejamos o artigo de Carta Maior:

A NOVELA DA HORA

Dilma, quem atira na ministra?

“Que Dilma Rousseff é o alvo, não resta qualquer dúvida. Mal sai do cenário a "novela-denúncia" do dossiê anti-FHC, começa uma nova atração para jornais, revistas e o telejornalismo global que promete encher páginas e telas nos próximos dias: o caso Varig. A trama recente começa com um mistério inédito: quem é o autor? A análise é de Gilson Caroni Filho.”

"Ao ouvir tal heresia
A cidade em romaria
Foi beijar a sua mão
O prefeito de joelhos
O bispo de olhos vermelhos
E o banqueiro com um milhão"
(Chico Buarque)

“Está estabelecido que o debate político deixa de existir. No lugar dele, crises pautadas para que a agenda da imprensa permaneça no ar e alguma ribalta seja concedida a políticos cuja sobrevida, após 2010, é extremamente duvidosa.

Que Dilma Rousseff é o alvo, não resta qualquer dúvida. Mal sai do cenário a "novela-denúncia" do dossiê anti-FHC, começa uma nova atração para jornais, revistas e o telejornalismo global que promete encher páginas e telas nos próximos dias: o caso Varig. A visível fadiga da dramaturgia recorrente parece não ter sido notada por diretores de arte e editores. Mas a trama recente começa com um mistério inédito: quem é o autor? Seria interessante que, ao menos uma vez, um fato político incentivasse o jornalismo investigativo.

Quando exercido de fato, ele costuma produzir mudanças importantes no ambiente político. Revela irregularidades no uso do dinheiro público, incapacidade administrativa, fraudes em licitações e inquéritos. Em suma, é no trato republicano da informação que a imprensa reafirma seu caráter de serviço público.

No momento em que esse artigo está sendo escrito, uma "nova Denise Abreu", presta depoimento á Comissão de Infra-estrutura do Senado. Convertida à Bíblia por obra e graça de irmãs carmelitas, foi categórica em dois pontos: a ministra Dilma Roussef nunca lhe pediu diretamente para atuar em favor de grupo de investidores estrangeiros e seu partido é o da devoção a Deus, “senhor de todas as missões".

Como reproduz um desolado Noblat em seu blog "alguém te disse diretamente, faça isso ou aquilo? (...).Sejamos objetivos. A ministra Dilma [Rousseff] não mandaria eu fazer nada. Fui fortemente questionada do porquê estava expedindo um ofício para investigação do capital estrangeiro com entrada oficial pelo Banco Central e do Imposto de Renda (...). Eu fui contestada sim (...). Eu era vista como um dinossauro do direito que queria cobrar documentos desnecessários. O jornalista conclui melancólico: "Os que estavam mais afoitos por revelações de ordens diretas para que Denise atuasse em favor do fundo de investimentos majoritariamente formado por sócios norte-americanos já baixaram a bola". A questão da autoria do enredo se desloca para o terreno transcendental.

Seria interessante que a Folha de S.Paulo levasse às últimas conseqüências o que anunciou em editorial, na edição de sexta-feira (6/6). À afirmação do governador José Serra de que as denúncias do caso Alstom seriam o "kit dos petistas em atuação", o jornal respondeu de forma categórica.

"Eis alguns fatos suficientes para justificar a mais rigorosa investigação (...). Sem dúvida, é o `kit PSDB´ que está operando, com especial eficiência, numa Assembléia Legislativa desfibrada por longos anos de governismo. É também o `kit PSDB´ que, com impavidez a toda prova, se vende para a opinião pública como exemplo de modernidade gerencial.

A registrar que a reação de Serra é compreensível.

Escândalos envolvendo lideranças tucanas têm sido de tal forma abafados que um noticiário minimamente isento soa como "fogo amigo dos companheiros da Barão de Limeira". É quase de ordem natural que ele pleiteie o mesmo tratamento dispensado à gestão da correligionária Yeda Crusius, governadora do Rio Grande do Sul, no momento em que irregularidades no Detran gaúcho atingem seu núcleo político e a blindagem, a velha operação - abafa, vem em seu socorro.

Mas voltemos às novas denúncias contra Dilma Rousseff. Em seu blog, o jornalista Josias de Souza relata que o presidente Lula, em conversa reservada com um assessor, teria achado "curioso que a origem dos ataques à ministra partam, invariavelmente, do PT". Tanto no caso do dossiê quanto no suposto imbróglio da Varig a munição teria partido de pessoas ligadas ao ex-ministro José Dirceu, conclui o articulista da Folha.

Conclusão incompleta ressalte-se, pois omite que quem repassou as informações para a imprensa foi o assessor do senador Álvaro Dias (PSDB-PR).

Se o ex-chefe da Casa Civil hoje se dedica, entre outras atividades, a prestar consultoria a grandes grupos empresariais, isso, por si, o tornaria suspeito? E a ex-diretora da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), Denise Abreu? Teria deixado de ser a mulher que, segundo colunistas de "boa cepa", usou o cargo para beneficiar amigos e, subitamente, se transformou em fonte fidedigna? A nova musa de editores, prontos a lhe oferecer o discreto charme de uma piteira em substituição ao famoso charuto, que lhe valeu um epíteto?

Como se vê, não faltam suspenses na nova produção jornalística. O pecado capital do enredo é a ausência de uma história verossímil, baseada em documentos probatórios. Para que ela surja é necessário, ainda, uma cobertura correta, algo que, paradoxalmente, pode retirar seu valor de troca para os aliados no campo político.

Em entrevista ao programa Atualidade, da Rádio Gaúcha, a ministra disse que o governo no episódio limitou-se a esperar que o judiciário decretasse a falência do grupo, para que a empresa pudesse ser vendida. E afirmou que não acredita em "fogo amigo". Mas, seguindo metodologia consagrada na redação da TV Globo, façamos mero exercício de exploração de hipóteses. Quem seria o atirador e quais suas motivações?

Muita mais gente graúda dentro do PT estaria tentando garantir a indicação de alguém de dentro do partido para a sucessão de Lula em 2010. A avaliação é que Lula levará, inevitavelmente, o seu candidato para o segundo turno e, aí, tudo pode acontecer, até eleger um candidato sem grandes apelos populares no momento. Seria o caso de Tarso Genro, Patrus Ananias e Marta Suplicy, por exemplo. Não valeria apurar com mais precisão? Ou é melhor não rastrear o "fogo amigo" se ele for útil a objetivos maiores? A interlocução cordial com os senadores tucanos Sérgio Guerra, Flexa Ribeiro e Arthur Virgílio parece desvendar o mistério inicial.

Dilma não é um quadro orgânico, não está vinculada/comprometida com corrente alguma. Isso, segundo alguns analistas, também não entusiasmaria algumas lideranças do PT gaúcho, pois caso ela não saia para concorrer ao Planalto – e se o PAC emplacar, até inícios de 2010, 60% das obras – seria muito difícil impedir sua candidatura ao governo do Rio Grande do Sul.

Lula sabe de tudo isso. E Dilma também. É licito imaginar que os dois tenham se lançado ao Planalto para ocupar espaço político antes das eleições de 2010, pois apenas o PSDB (Serra/Aécio) e, com menos visibilidade, o PSB (Ciro) aparecem para a opinião pública como candidatos para 2010.

Assim, antes do depoimento de Denise, era possível conjecturar que o fogo contra a ministra-chefe da Casa Civil podia vir de qualquer lugar, de amigos e inimigos: oposição, direção nacional, paulistas, gaúchos etc. Dilma seria a Geni da vez. Agora, no entanto, com a afirmação da espiritualizada advogada de que a ministra nunca exerceu qualquer tipo de pressão, uma coisa é certa: jornalistas experientes sabem quem pilota o zepelim que paira sobre os edifícios. A artilharia vem dos senhores da direita.

Seria uma inflexão admirável se alguns editores, inspirados na poética de Chico Buarque, proferissem a sentença do comandante: "Mudei de idéia". Pelo foi dito até agora no Senado, todos os indícios apontam para Deus. Será ele quem pilota o enorme zepelim do atraso? A continuar assim, “a cidade apavorada, quedará paralisada, pronta pra virar geléia."

Contra uma agenda que nos quer caminhando para trás na história, é hora de as forças progressistas contra-atacarem com igual intensidade. E, de preferência, mirarem no plano terreno.”

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