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VENEZUELA E PARAGUAI EM DEZ LIÇÕES
“A incorporação da Venezuela ao MERCOSUL
não só abre possibilidades, mas oficializa situação existente. Quanto ao
Paraguai, é interessante ler artigo de Alfredo Boccia Paz, no jornal “Ultima
Hora”, de Assunção: “A crise atual dividiu de maneira profunda a sociedade
paraguaia. Só nas décadas de trinta ou quarenta do século passado houve
conflitos políticos com um rasgo ideológico tão marcado. Foi a resolução
dramática de estranha singularidade nacional: um presidente que se dizia
socialista, à frente de um país com matriz social e política extremamente
conservadora".
O artigo é de Martín Granovsky
“Buenos Aires - A Venezuela será membro pleno do MERCOSUL em 31 de julho e
o Paraguai foi suspenso do bloco até as eleições de abril próximo. As duas
notícias ficaram ligadas porque o Senado paraguaio era o responsável por barrar
a incorporação da Venezuela, mas o protocolo entre o MERCOSUL e Caracas foi
assinado em 2006. À época, o presidente paraguaio não era o centro-esquerdista
Fernando Lugo, mas Nicanor Duarte Frutos, um colorado da ala que não tem
vínculos com os herdeiros do regime ditatorial que, entre 1954 e 1989, foi
encabeçado por Alfredo Stroessner.
Tomando Venezuela e Paraguai como tema de análise, sobretudo depois da
sexta-feira, 22 de junho, quando Lugo foi destituído, ficam algumas notas
soltas que podem ser ligadas assim:
1- Em termos comerciais, a incorporação da Venezuela não só abre
possibilidades, mas oficializa situação existente. Em 2003, quando, primeiro,
Luiz Inácio Lula da Silva e, em seguida, Néstor Kirchner assumiram a
presidência, a Venezuela importava de países do MERCOSUL um total de 916
milhões de dólares. Em 2010, já eram US$ 5,891 bilhões, US$ 1,24 bilhões da
Argentina. Também aumentaram as exportações: de 278 milhões de dólares para US$
1,562 bilhões em 2010. Quer dizer que o volume total de comércio passou então,
nesses sete anos de 1,194 para 7,453 bilhões de dólares. Aumentou em mais de
seis vezes.
2 - A venezuelana PDVSA e a brasileira Petrobras, associadas, poderiam ser a
primeira empresa petrolífera do mundo. Uma YPF reconstruída, mesmo em outra
escala, poderia ser parte desse conglomerado gigante.
3 - O MERCOSUL se enriquece com um sócio aberto para a região andina, como
acontece com o Brasil e sua participação no grupo negociador multilateral dos
BRICS, junto com a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul.
4 - O Brasil e a Venezuela são países fronteiriços que já desenvolveram
projetos importantes de integração física: a rodovia que comunicará a cidade
amazônica de Manaus com a Venezuela, a interconexão ferroviária do sudeste de
Venezuela ao norte do Brasil e a interconexão elétrica entre a empresa
venezuelana “Del Gurí” e Manaus, que ainda é zona franca e centro industrial.
5 – Apesar do incômodo que sentiram os governos da Argentina e do Brasil pela
ocasião utilizada por Samuel Pinheiro Guimarães para renunciar ao seu cargo de
Alto Representante do MERCOSUL – a cúpula dedicada, por força, ao caso
paraguaio –, no documento que ele escreveu figura um argumento interessante
para colocar à discussão pública: “Apesar de sua importância política, a ‘União
Sul-americana de Nações’ não pode ser a pedra fundamental para a construção de
um bloco econômico da América do Sul”. Também recomendou a incorporação da
Venezuela e a adesão gradual do Equador, Bolívia, Suriname e Guiana. Peru e
Colômbia assinaram tratados de livre comércio com terceiros países [EUA].
Em um mundo cada vez mais multipolar, o fortalecimento de um bloco econômico
próprio deveria se apoiar no desenvolvimento de infraestrutura comum e na
industrialização. Ambas equilibrariam o fato, negativo, de que “as facilidades
de importações e a grande demanda de produtos agrícolas e minerais retira
estímulos a novos empreendimentos na indústria e à atração de maiores
investimentos nos setores mineiro e agropecuário”.
6 - O governo paraguaio foi suspenso do MERCOSUL até as eleições de abril
próximo. Não foi expulso nem bloqueado, duas alternativas que, na verdade, nem
sequer foram cogitadas em nível de governos. O ex-presidente Fernando Lugo
tenta, agora, aproveitar a suspensão para ganhar margem de manobra maior em seu
plano de reconstruir ou edificar força própria que lhe permita encarar as
eleições, talvez como candidato a senador em uma chapa com um candidato a
presidente que poderia ser o ex-jornalista Mario Ferreiro.
7 – Enquanto o Paraguai encara seu futuro, é interessante ler o começo de um
artigo de Alfredo Boccia Paz (um dos médicos que tratou de Lugo, historiador,
jornalista) no jornal “Ultima Hora”, de Assunção: “A crise atual dividiu de
maneira profunda a sociedade paraguaia. Só nas décadas de trinta ou quarenta do
século passado houve conflitos políticos com um rasgo ideológico tão marcado.
Foi a resolução dramática de estranha singularidade nacional: um presidente que
se dizia socialista, à frente de um país com matriz social e política
extremamente conservadora. (...) à coalizão conservadora se somaram poderosas
forças externas, como os sindicatos empresariais, a hierarquia católica e boa
parte da imprensa comercial. Isso contrasta com realidade submersa: a enorme
desigualdade social que pode levar a uma espiral de violência no campo. Lembre
que foi em Curuguaty onde começou a comoção pública que os oportunistas
políticos aproveitaram para derrubar o governo de Lugo”.
8 - Outra nota para a história recente é que Lugo não modificou o regime
agrário. Segundo a especialista Lorena Soler, do CONICET, os médios e pequenos
agricultores não foram regularizados; três por cento dos proprietários de
terras continuam tendo 80% da superfície cultivável; e as exportações de soja
só agregam fiscalmente 0,1% do Produto Interno Bruto.
9 - Ao mesmo tempo, Lugo não foi um mau gestor. Segundo dados da “Comissão
Econômica para América Latina” (CEPAL) que foram processados pelo jornalista
brasileiro Paulo Daniel, “em 2007, quando o Partido Colorado comandava a
política e a economia do Paraguai, os investimentos líquidos internacionais
chegaram a 199 milhões de dólares”. Já com Lugo, pularam para US$ 225 milhões
em 2009, 389 em 2010 e 566 em 2011. De 2010 a 2011 os salários aumentaram 8,7%
e o salário mínimo 2,7%, até alcançar os 330 dólares. A inflação foi reduzida
de 7,2% em 2010 a 4,9% em 2011. Aumentou o superávit das contas do Estado, as
exportações cresceram 23,1%, as importações 21,5% e o déficit em conta corrente
caiu para 2,1% do PIB.
10 - Para Daniel, como para Boccia, o problema é que “a maioria dos deputados
são proprietários de latifúndios” e Lugo percebeu que, se falasse em reforma
agrária, seu futuro poderia se complicar.”
FONTE: artigo de Martín Granovsky, de
Buenos Aires. Publicado no site “Carta Maior” com tradução de Libório Junior (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20508).
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