sábado, 17 de janeiro de 2009

“UMA GUINADA SERIA OBAMA SUSPENDER EMBARGO A CUBA”, DIZ MARCO AURÉLIO GARCIA

O site Terra Magazine, do jornalista Bob Fernandes, ontem publicou, direto de Nova York, a seguinte entrevista realizada pelo referido jornalista com Marco Aurélio Garcia, Assessor Especial da Presidência da República:

“CONSELHEIRO DIPLOMÁTICO DE LULA ANALISA FUTURO GOVERNO DE OBAMA

“Marco Aurélio Garcia, 67 anos, é Assessor Especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais. Ou seja, ele é conselheiro pessoal do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, para temas de leveza ou dificuldades especiais, que exijam uma condução particular no território diplomático. A quatro dias da posse do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, Terra Magazine publica uma conversa com o especial assessor de Lula.

Garcia fala sobre a primeira conversa por telefone entre Barack Obama e Lula e opina sobre o que esperar dos Estados Unidos. Diz que “um gesto muito forte, quase uma guinada, seria a suspensão do embargo a Cuba”.

O assessor percebe, no entanto, que “muitas vezes se tem a impressão de que os Estados Unidos têm um nível de informação baixo e distorcido” sobre os assuntos da região.

Diz ainda Marco Aurélio Garcia não esperar grandes mudanças de uma hora para outra. Na conversa com Terra Magazine, ele aborda ainda a “liga” que se deu entre os presidentes Lula e George W. Bush.

A América Latina, atesta, não está “nas prioridades da política externa norte-americana” e, adianta, “alguns dizem que felizmente não está”, mas, completa Garcia, “é evidente que um sujeito informado como é o presidente Obama sabe concretamente que o Brasil desfruta hoje de uma posição distinta de sete ou oito anos atrás”. A seguir, a entrevista:

TERRA MAGAZINE: HAVERÁ UMA MUDANÇA SUBSTANCIAL NA RELAÇÃO BRASIL - ESTADOS UNIDOS? MUDA MUITA COISA OU SÓ (MUDA), NA VERDADE, AOS OLHOS DOS LEIGOS?

MARCO AURÉLIO GARCIA:
Olha, eu acho que a tendência, se for… A expectativa do governo brasileiro é que, se for mudar, vai mudar para melhor. A relação com os Estados Unidos é boa hoje. A despeito do governo republicano, nós conseguimos estabelecer um tipo de relacionamento nesse período. Para isso contribuiu muito a atitude brasileira. O presidente Lula tem sempre dito que ele trouxe da sua vida sindical a experiência de que quem entra numa negociação de cabeça baixa, perde.

Quem entra de cabeça alta, elevada, tem condições de obter resultados maiores. Não foi uma relação de enfrentamento, ainda que em vários momentos o governo brasileiro tenha tido posições diferentes dos EUA sobre algumas questões substanciais.

DOHA, ETANOL, POR EXEMPLO…

Não, vou te dizer: a primeira delas foi o Iraque. O Brasil, o presidente, teve uma articulação muito forte nos primeiros dias de governo com o Jacques Chirac (ex-presidente da França), Gerhard Schröder (ex-chanceler alemão), com o presidente russo Vladimir Putin… E mais do que isso, também teve uma articulação com vários presidentes cujos países na época ocupavam lugares importantes no Conselho de Segurança (da ONU), caso do Chile e do México, para que não fosse votada a autorização para o ataque. Mais adiante, eu acho que talvez a divergência mais forte com os EUA tenha sido sobre a ALCA (Área de Livre Comércio das Américas).

QUE FOI ABORTADA NO MEIO DESSE CAMINHO…

Que foi abortada fundamentalmente na reunião de Mar Del Plata, quando a posição do Brasil, da Argentina, do Uruguai e do Paraguai… No caso de Doha não foi tão grande, porque a posição do governo norte-americano, de certa maneira, até um certo momento, era de chegar a um acordo. Quer dizer, essa mudança… Nós estamos pendentes praticamente de resolver um contencioso da Índia com os Estados Unidos. Qual a nossa surpresa quando, de repente, os EUA decidiram reabrir a negociação e introduzir uma série de exigências em matéria de produtos industriais. Então paralisou. Eu diria que a relação foi boa. Teve momentos de diferenças, mas nós, o presidente até por estilo pessoal e a política externa por tradição não buscou o confronto com os Estados Unidos, isso permitiu…

ESSA É UMA PERGUNTA QUE CABE… QUE ESPAÇO EXISTE PARA UMA RELAÇÃO PESSOAL SER DECISIVA? PORQUE TEM GENTE QUE ACHA QUE É SÓ ISSO E TEM GENTE QUE ACHA QUE ESSE ESPAÇO NÃO EXISTE. QUE ESPAÇO EXISTE PARA A AÇÃO PESSOAL? O QUANTO DESSA CONSTRUÇÃO PODE SER FEITA, POR DOIS PRESIDENTES, “PESSOAS FÍSICAS”, DIGAMOS ASSIM?

Olha, eu tô convencido, pela minha experiência de seis anos de governo, de que esse é um elemento essencial. Evidentemente não é absoluto, quer dizer, não vamos ter a ilusão de que tudo se resolve com uma conversa olho no olho. Mas esse elemento é muito forte. E o…

QUAL É A LIGA QUE DEU DOS DOIS ALI?

Eu não sei. Mas os dois se ligaram… Eu acho que talvez tenha sido um pouco o reconhecimento recíproco de que nessa relação, pelo menos, havia respeito. Eu chamo a atenção pelo seguinte: é um fato insólito. Em cinco anos, o Bush veio duas vezes ao Brasil. O comum não era isso. Segundo lugar: o Lula foi convidado várias vezes, teve mais de 10 encontros com o Bush.

EM CAMP DAVID…

Teve o encontro de Camp David… Enfim, nós não ficamos deslumbrados com isso…

CLARO…

Nós sabíamos concretamente que era um gesto que tinha um significado particular. Nas relações diplomáticas, a forma é muito reveladora do conteúdo. Então eu acho que a relação foi boa. O Lula tem expectativa de que ela seja boa também com o Obama. O Obama telefonou para ele quando estava em Roma.

COMO FOI O PRIMEIRO CONTATO? FOI ELE (OBAMA) QUEM LIGOU?

Foi. O Lula tinha mandado uma mensagem, etc, etc e ele telefonou em Roma. Foi uma conversa muito simpática, muito respeitosa. Eu acho o seguinte, de qualquer maneira: ainda que o Brasil não esteja nas prioridades… Aliás: ainda que a América Latina não esteja nas prioridades da política externa norte-americana, alguns dizem que felizmente não está, é evidente que um sujeito informado como é o presidente Obama sabe concretamente que o Brasil desfruta hoje de uma posição distinta de sete ou oito anos atrás. É um país com presença internacional muito forte, é um país que está tentando resolver seus problemas internos com êxito, é um país que oferece algumas alternativas sobre questões em torno das quais ele tem muito interesse, como a questão energética, e é um país que também tem na América Latina uma presença muito particular. É um país ponte para todas as correntes e tendências que existem aqui.

E NESSE PRIMEIRO TELEFONEMA FOI UMA COISA RÁPIDA, LIGEIRA? COMBINOU-SE ALGUMA OUTRA COISA?

Não, foi um telefonema de mais ou menos 20 minutos em Roma. Basicamente ele mencionou… Bom, o presidente (Lula) o felicitou, etc, etc e ele mencionou em traços gerais a política norte-americana, manifestou seu interesse…

NUMA NOVA POLÍTICA?

É, mas coisas muito gerais. Falou sobre temas energéticos. Mencionou na conversa, inclusive, que tinha sido aluno do professor Roberto (Mangabeira) Unger. Enfim…

Agora, evidentemente esse é um bom começo. Nós temos uma certa preocupação com as tendências protecionistas que possam se desenvolver nos EUA e que tem inclusive mais possibilidades de crescerem à medida que o país está confrontado com uma crise tremenda.

SE ELA PREVALECER, SERÁ SEGURAMENTE “PRIMEIRO O MEU”…

É, “primeiro o meu”. Quer dizer, e essa inflexão que houve no episódio agora em que se tentou o último esforço para concluir positivamente Doha é inquietante. Pode ser já um pouco premissa da orientação da nova equipe. O grande problema é o seguinte: para você fazer uma negociação efetiva, você precisa estar sintonizado com os setores nacionais e com os seus vizinhos, seus sócios. No caso brasileiro, a negociação sempre foi feita muito sintonizada com os setores da agricultura, com os setores da indústria. E nós procuramos também, justamente no espaço do G20, não perder o pé das posições dos vizinhos. Da Argentina e Uruguai, em particular. Alguns tentaram explorar que tinha havido confronto…

Na realidade não houve confronto substantivo, até porque, e eu acho que o Celso Amorim (ministro das Relações Exteriores) tem toda razão sobre isso, não pode haver confronto.

Porque em Doha o critério que pesa é o critério do consenso. Portanto, se não há consenso, se a Argentina não está de acordo, ou o Uruguai, então não haveria consenso. Mas enfim: tem que ter esse olhar bifocal. De um lado nos interesses dos países aliados, mais próximos, e a aliança no caso é importante porque ela dá força à posição do país, e por outro lado um olhar também sobre as forças nacionais, os agentes econômicos nacionais. No caso dos Estados Unidos, isso é muito mais complexo. Porque há uma atomização dos setores…

QUE TÊM FORTE INFLUÊNCIA NO CONGRESSO…

Exatamente. Tem gente que diz que o Congresso americano às vezes parece mais uma Câmara de Vereadores, pela atomização dos interesses…

DE INTERESSES COMERCIAIS… NO ESTADO TAL SEUS REPRESENTANTES TÊM QUE DEFENDER TANTOS MIL EMPREGOS E POR AÍ VAI…

Exatamente. Porque num determinado momento… Isso funciona para o bem e para o mal.

Para o mal a gente sabe como. Para o bem, agora há uma nítida tendência no Congresso norte-americano de mudar a posição em relação a Cuba porque há inúmeros interesses de estados agrícolas que querem aumentar a venda de produtos alimentares para lá.

ESSA CONSTRUÇÃO POR DENTRO, DA RELAÇÃO COM O NOVO GOVERNO, JÁ ESTÁ SE DANDO NESSES DIAS OU AINDA É MUITO INCIPIENTE?

No momento atual pelo que saiba, não. Evidentemente a embaixada do Brasil em Washington…

O GOVERNO COMEÇA DAQUI A DIAS…

É. A embaixada tem os seus contatos, já tinha antes mesmo da eleição. Mas não está, inclusive…neste momento que nós estamos conversando, não está totalmente configurada sequer a equipe que vai se ocupar da América Latina.

JÁ TEM O SUB DO SUB DO SUB? (NR: referência a Robert Zoellick, hoje presidente do Banco Mundial, e que foi ex-secretário de Comércio e ex-subsecretário de Estado americano, chamado de “sub-do-sub-do-sub” por Lula, em 2002, durante as discussões sobre a Alca)

É importante dizer o seguinte: eu omiti aqui e seria justo colocar. Eu acho que um dos fatores que pesou muito fortemente para o bom relacionamento com os Estados Unidos foi o Thomas Shannon na sub-secretaria da América Latina. Ele foi um fator fundamental. Ele manteve conosco um diálogo muito bom e em muitos momentos queria também a nossa opinião sobre os temas mais variados da agenda latino-americana.

E AINDA NÃO TEM DEFINIÇÃO DISSO?

Não tem. Ainda não se sabe. Se comentou que ele poderia ser o embaixador dos Estados Unidos no Brasil ou no México. Eu te confesso que para o Brasil seria muito bom, para o México também, mas seria muito melhor se ele continuasse como sub-secretário da América Latina.

E JÁ É POSSÍVEL VISLUMBRAR, PERCEBER ALGUMA COISA, EM RELAÇÃO A UMA POLÍTICA MULTILATERAL, EM RELAÇÃO AO OLHAR PARA O CONTINENTE, COM SUAS VANTAGENS E DESVANTAGENS TAMBÉM?

Multilateral aqui no continente?

PARA O OLHAR DELES NO CONTINENTE. QUER DIZER, ELES ABANDONARAM E FORAM ABANDONADOS, VAMOS ASSIM DIZER, NOS ÚLTIMOS ANOS. O QUE TEM SUAS VANTAGENS E SUAS DESVANTAGENS. JÁ HÁ ALGUMA NOTÍCIA SOBRE ISSO?

Olha, eu tenho a impressão, recolhendo as migalhas de informação que se teve até agora, tenho a impressão de que eles terão uma política mais sofisticada para o continente. Porque tem, evidentemente, fatores que os preocupam muito aqui.

CUBA, VENEZUELA…

Cuba, Venezuela, Bolívia e Colômbia, por outras razões. Eu diria que basicamente esses países. Equador talvez um pouco agora, ainda que, num determinado momento, a posição do Bush em relação ao Equador… Em Camp David ele perguntou (ao presidente Lula): qual é sua opinião sobre o presidente Corrêa? O Lula disse: “excelente”. Você acha que eu deveria visitá-lo ou convidá-lo a vir para os Estados Unidos? O Lula disse: “Acho”.

Naquele momento, acho que estava havendo o referendo etc , ele disse que com o referendo talvez não fosse uma boa, então vamos esperar para depois do referendo. O próprio Chávez já deu sinais de que quer um outro relacionamento…

MAS NÃO HOUVE NADA QUE SE SAIBA, NÉ…?

…Enfim, eu acho que se criam condições para uma certa distensão.

DE PARTE A PARTE, MUDA O CHAMADO “MOOD”…

Exatamente. Evidentemente a administração democrata não vai querer assumir todo o passivo da administração republicana, inclusive nisso. Agora, isso não quer dizer que as coisas se normalizem e tudo bem.

NÃO SERÁ UM MAR DE ROSAS, HÁ OS INTERESSES…

Eu acho que não se deve esquecer que há fatores inerciais na política norte-americana, que perpassam as administrações. Eu não acredito que nós vamos ter, em nenhum aspecto, em nenhum aspecto, no que diz respeito à América Latina, grandes guinadas de uma hora para a outra.

TALVEZ A GRANDE GUINADA SEJA A EXISTÊNCIA DE UM PROJETO CLARO, SEJA ELE QUAL FOR. HAVIA UM VÁCUO, NA VERDADE…

Mas mesmo assim, veja o seguinte: a política… No caso da América Latina, um gesto que seria muito forte e seria quase uma guinada seria a suspensão do embargo a Cuba. Eu acho difícil que isso aconteça. Se isso acontecesse…

AÍ É UM SINAL FORTE?

Aí é um sinal forte. Aí eu acho que os americanos têm que ter muito claro que eles não podem querer fazer isso como uma ação condicionada. Porque os cubanos não aceitam.

E TAMBÉM O RESTO DO CONTINENTE NÃO ACEITARIA HOJE. SERIA MAL VISTO…

Não, eu acho que aí haveria atitudes diferenciadas. Mas os cubanos têm um orgulho no sentido patriótico muito, muito forte. Agora, eu acho que também o grande problema é saber qual o nível de informação que os Estados Unidos têm hoje. Dá muitas vezes a impressão que é um nível de informação baixo. Baixo e distorcido. É evidente que a posição do Raúl Castro é uma posição mudancista. Os americanos teriam que entender isso e aproveitar. Mas eu acho que entender e aproveitar seria fazer um gesto unilateral. Levanta o embargo e…

…VAMOS CONVERSAR…

Não. E vê como é que fica. Esse seria um gesto importante.

TEM ALGUMA COISA DE ALGUM ENCONTRO JÁ SENDO MARCADO COM OBAMA, OU ISSO É MAIS AÇÃO DA EMBAIXADA?

Haverá um encontro multilateral em Londres. No começo de abril, na reunião do G20. Evidentemente, eles poderão se encontrar bilateralmente.”

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