Li ontem no jornal Correio Braziliense a seguinte reportagem de Renato Alves:
“Pelo terminal aéreo de Brasília, o terceiro mais movimentado do país, passam 40 mil pessoas e 190 aviões por dia. Para garantir a segurança e o conforto dos passageiros, 8 mil funcionários trabalham dia e noite.
Esqueça os tempos de apagão aéreo. Os aeroportos brasileiros vão muito além dos tumultuados balcões das companhias. Além das atendentes dos guichês, pilotos e comissários de bordo, um exército de profissionais com funções menos badaladas trabalha sem parar nos terminais. Só no Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek, em Brasília, eles são 8 mil. Todos com a missão de garantir o conforto e a segurança de quem passa pelo terceiro mais movimentado dos 67 aeroportos do país.
Pelo Juscelino Kubitschek circulam, em média, 40 mil pessoas diariamente. Mais do que a população do Núcleo Bandeirante, por exemplo. A maioria dos passageiros, no entanto, desconhece ou ignora os funcionários e as atividades do pessoal que trabalha fora das salas de embarque e de desembarque. Para mostrar quem são esses trabalhadores e o que eles fazem, uma equipe do Correio passou um dia no aeroporto. Pisou em todas as salas, galpões e pistas. Descobriu uma cidade.
Inaugurado em 1957, o aeroporto de Brasília ocupa área equivalente a quase 3 mil campos de futebol. Nela há duas pistas principais, uma auxiliar, dois terminais de passageiros, um de carga e 19 hangares. Eles têm capacidade de receber 50 pousos e decolagens por hora, além dos milhares de funcionários, passageiros e dezenas de serviços. Atualmente, pousam 190 aviões todos os dias. Oito são de carga, 182 levam passageiros, sendo que três partem ou chegam de outro país.
Esse fluxo deixa o Juscelino Kubitschek atrás apenas de Guarulhos e Congonhas (ambos em São Paulo) em número de voos no Brasil. O terminal da capital também é um dos mais seguros e modernos. Único do país com duas pistas paralelas distantes entre si suficientemente para pousos e decolagens simultâneos. O último acidente grave ocorreu em 2001. Não falharam o controle de tráfego aéreo nem a emergência. Um bimotor caiu por falta de combustível. Morreram piloto e co-piloto.
O bombeiro militar Cláudio Campos fazia parte da equipe que saiu em disparada pela pista para tentar salvar as vítimas. “Ainda conseguimos retirar o co-piloto com vida, mas ele morreu 10 dias depois”, recorda. Hoje, aos 38 anos e sargento, ele é um dos comandantes da Seção Contra Incêndio do aeroporto. A unidade foi criada em 1993, numa parceria entre o Corpo de Bombeiros e a Infraero, estatal que administra terminais de aeronaves no país.
A seção da qual o sargento Campos faz parte desde o início conta com 90 homens. Eles integram a elite do Corpo de Bombeiros brasiliense. Todos passaram por um rígido treinamento específico para o combate a fogo em aeroportos. Curso que costuma aprovar um em cada 10 inscritos. Em Brasília, eles ficam de prontidão em um quartel erguido estrategicamente às margens da estrada para aviões que liga as duas pistas de pouso e decolagem.
TECNOLOGIA
Além de alguns dos melhores bombeiros da capital, a companhia tem os mais modernos equipamentos do mundo para combate a incêndio. São oito caminhões importados, capazes de levar até o dobro de água e pó contra fogo em uma velocidade superior à das viaturas convencionais em uso nas áreas habitadas. De fabricação norte-americana, um dos veículos dos bombeiros do aeroporto vale R$ 1 milhão e chega a atingir, carregado, 130km/h.
Com os equipamentos e treinamentos, os bombeiros são aptos a chegar a qualquer ponto do aeroporto em três minutos. Isso inclui um raio de 8km da pista. Ou seja, a parte da área externa, onde um avião pode cair, como ocorreu com o Airbus da TAM, em Congonhas, em julho de 2007. Foi o maior acidente aéreo do país. A aeronave saiu do aeroporto, bateu em um terminal de cargas da companhia e pegou fogo, causando a morte das 187 pessoas a bordo e de outras que estavam no solo.
Apesar dos raros casos graves, os bombeiros do aeroporto de Brasília trabalham muito. “Somos acionados quase todo dia. Consideramos emergência toda vez que um piloto comunica algo de estranho, como falha nos aparelhos. Temos que estar sempre de prontidão”, ressalta o sargento Campos. Um dos maiores apertos enfrentados por ele foi a ameaça de bomba em um jumbo da Lufthansa, que ia de Zurique (Alemanha) para São Paulo, há cinco anos. “O avião não viria para cá, mas o comandante decidiu fazer o pouso de emergência, com mais de 300 pessoas a bordo. Graças a Deus a ameaça não se confirmou”, conta.
ASCENSÃO
O aeroporto de Brasília é uma opção de pouso em caso de emergência para as companhias norte-americanas, a japonesa JAL, a alemã Lufthansa e a portuguesa TAP.
“A escolha é das empresas e dos pilotos”, explica um dos responsáveis pela segurança das pistas do terminal brasiliense, José Roberto Cantarino, 46 anos. Ele trabalha no aeroporto há mais de três décadas. Começou como auxiliar de serviços gerais, fez cursos e acabou assumindo uma chefia. “Profissional de aeroporto é funcionário de aeroporto. A gente aprende de tudo. Isso aqui é a minha vida”, comenta.
A história de Cantarino não é exceção entre os funcionários da Infraero a serviço no aeroporto de Brasília. Marcos Trindade, 48 anos, trabalha no aeroporto desde os 18. Fez um pouco de tudo. Hoje, coordena o Terminal de Logística de Carga. “Me lembro desse aeroporto quando ele era todo de madeira”, observa. Trindade chefia 30 empregados, que trabalham em um galpão de 10 mil metros quadrados. Eles recebem e despacham mais de 40 mil toneladas de encomendas por ano.
A equipe de Trindade recebe de tudo, de preservativos a animais silvestres, como elefantes. Agora, se preparam para repetir a megaoperação realizada em janeiro. Em menos de dois meses, pousará em Brasília um Antonov, maior avião do mundo. De fabricação ucraniana, ele aterrisa em chão de terra (com ou sem chuva) e até na neve.
Para a capital, o gigante e outro cargueiro russo trarão uma turbina da usina de Corumbá 3, em construção no Entorno. Ao todo, serão 150 toneladas de carga.
EMBAIXADAS
No dia a dia, os funcionários do terminal de logística do aeroporto de Brasília recebem cargas bem menores. Por ele passam, por exemplo, quase todos os medicamentos importados pelo Ministério da Saúde, assim como as encomendas das embaixadas, que vão de papel higiênico a móveis e carros. Acostumado a todo tipo de carga, o chefe Trindade diz que uma causou muitos problemas. Eram toneladas de cação, espécie de tubarão em miniatura.
Por seis meses, passou muito cação por Brasília, vindo do Recife (PE), com destino aos EUA. “Acondicionado no terminal, esse peixe começou a atrair urubu. Depois que paramos de despachar tal produto, tivemos de desinfetar o terminal para nos livrarmos dos urubus”, conta o chefe da logística. Os animais exportados ou importados pelo zoológico dão menos trabalho porque passam menos de três horas no terminal, pois são cargas vivas e frágeis.
Brasília ocupa o 10º lugar no ranking de transporte de cargas aéreas do Brasil. A maior parte passa pela capital por meio dos voos comerciais. Em média, o aeroporto recebe oito cargueiros por dia, todos nacionais. São quatro estrangeiros por mês, geralmente. Mesmo guardando material de altíssimo valor, como todos os celulares produzidos em Manaus (AM) e as encomendas das embaixadas, o terminal nunca foi vítima de grandes roubos.
Graças à presença intensiva da Polícia Federal, à vizinhança da base da Força Aérea e ao sistema de monitoramento, que inclui 27 câmeras.
PRIMEIRA PISTA NA RODOFERROVIÁRIA
Brasília era apenas um projeto quando o presidente Juscelino Kubitschek pousou pela primeira vez no Planalto Central, em 1956. Mas o aeroporto que hoje leva o nome do fundador da capital ainda não existia. Naquela época, ele usava o Vera Cruz para visitar a cidade idealizada por Lucio Costa. Construído em 1955 pelo então vice-governador de Goiás, Bernardo Sayão, o antigo aeroporto recebeu a primeira comitiva para construção da futura capital em 2 de outubro do mesmo ano.
O Aeroporto de Vera Cruz ficava onde hoje é a Rodoferroviária. Ele tinha pista de terra batida com 2,7 mil metros de comprimento e estação de passageiros improvisada em um barracão de pau-a-pique coberto com folhas de buriti. A mudança para um aeroporto definitivo já estava pensada como prioridade, juntamente com as obras de construção da Fazenda do Gama, onde foram erguidos o Catetinho, o Batalhão de Guarda e o segundo aeroporto provisório, que atendeu o presidente e os pioneiros na construção de Brasília.
Quando o Catetinho ficou pronto, em novembro de 1956, já havia começado o desmatamento para a construção do aeroporto definitivo. Em 2 de abril de 1957, ele recebeu o primeiro pouso da aeronave presidencial, um Viscount turbo-hélice inglês. A inauguração oficial do aeroporto comercial ocorreu em 3 de maio de 1957. (RA)
AMPLIAÇÃO VAI DOBRAR CAPACIDADE
O projeto do terminal de passageiros do aeroporto Juscelino Kubitschek foi concebido, entre 1990 e 1992, para atender 8 milhões de passageiros por ano. Depois, houve uma reforma para suportar 12 milhões de viajantes anualmente. Ele recebeu 10,4 milhões em 2008. Novas obras aumentarão a capacidade para 25 milhões de passageiros por ano. A ampliação deve ser concluída em 2011, ao custo de R$ 22,5 milhões. Até 2013, a Infraero pretende investir R$ 400 milhões no JK.
Como medida emergencial, a Infraero montará uma estrutura removível que servirá como setor de embarque em função da alta demanda de fim de ano no aeroporto. Localizada no primeiro piso, a nova área terá cerca de 1 mil metros quadrados e poderá atender, com mais conforto, os passageiros que transitam no JK.
A previsão da Infraero é que, antes das obras conclusivas de ampliação em 2013, o corpo central do aeroporto receba uma reforma completa para garantir mais conforto aos passageiros. Esta fase será concluída em 2011 e custará R$ 22,5 milhões.
ANÔNIMOS ESSENCIAIS
Quem passa pelo aeroporto está acostumado a ouvir uma voz grave transmitindo mensagens que começam com a frase “a Infraero informa”. É a mesma há 32 anos. O dono é o tímido Rui Santos, 50 anos. Ele não trabalha mais no terminal. Presta serviços na sede da Infraero, no Plano Piloto. Mas deixou os recados padrões, como a proibição de fumar no terminal, gravados no computador. Eles são repetidos em intervalos de 10 a 30 minutos.
Na ausência de Rui, funcionários do centro de operações assumem o microfone de onde partem mensagens imprevistas, como novas determinações da Infraero. Elas são lidas da torre mais baixa — na outra ficam os controladores de voo da Aeronáutica — por homens como Fortunato Pereira, 48 anos. Com 23 anos de casa e há nove no centro de operações, ele também fiscaliza o embarque e desembarque de cada aeronave.
O terminal pode receber 43 aviões ao mesmo tempo, mas só 13 de cada vez têm permissão para estacionar nas pontes, onde passageiros entram ou saem dos aviões em corredores cobertos. Os demais enfrentam sol, chuva ou ônibus apertados. A escolha não é de Fortunato ou dos outros 15 funcionários do centro de operações. Os pontos são decididos previamente pelas empresas e pela administração do aeroporto. Se o avião atrasa, pode perder a vaga coberta.
Cabe a Fortunato e os colegas tornar o mais curto possível o tempo de manobra das aeronaves no pátio. São eles quem guiam os pilotos, por rádio. Nem sempre é possível seguir a programação, pois há atrasos provocados pelas companhias ou pelo mau tempo.
“Nos horários de tráfego intenso, temos que ter controle emocional”, diz. Em circunstâncias normais, um avião leva de cinco a oito minutos do pouso até a parada no box.
FORMIGUINHAS
Em meio às gigantescas aeronaves e dezenas de carros, picapes, tratores e caminhões que trafegam pelo pátio, pessoas carregam vassouras e pás. Elas são encarregadas de limpar qualquer sujeira deixada por equipes de manutenção e abastecimento. Apesar do contato próximo com o que há de mais moderno e caro na aviação, a maioria sequer entrou em um monomotor. É gente como Adriano Pinheiro, 25 anos, morador de Águas Lindas (GO).
De segunda a sexta, ele sai de casa às 4h40, pega um ônibus na beira da BR-070 (Brasília-Pirenópolis), desembarca na Rodoviária do Plano para entrar em outro coletivo até o aeroporto, onde tem de chegar às 7h. Pela manhã, lava banheiros do terminal. À tarde, varre a pista principal. “Nunca voei num avião. Na verdade, nunca imaginei trabalhar em um aeroporto”, comenta. “Mas prefiro viajar por terra, pois assim posso curtir a paisagem”, completa.
Mesmo que quisesse, dificilmente o rapaz teria condições de comprar as caras passagens aéreas. Ele ganha R$ 460 por mês, como os colegas que se revezam entre a limpeza dos banheiros e do pátio. Adriano e os demais auxiliares de serviços gerais só não conseguem remover as sucatas deixadas à margem da segunda pista. Por força judicial, seis aviões estão há anos no local. Eles pertenciam à TransBrasil e à Vasp. Foram confiscados como garantia de pagamento de dívidas das empresas. Algumas aeronaves já não têm nem as turbinas.”
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