terça-feira, 24 de março de 2009

ESTRATÉGIA NACIONAL DE DEFESA

O jornal Correio Braziliense ontem publicou o seguinte artigo de Anselmo S. Paschoa, físico nuclear e professor:

“Ao assistir à cerimônia de assinatura da Estratégia Nacional de Defesa (END) no Palácio do Planalto, em Brasília, em 18 de dezembro de 2008, lembrei-me do livro de James R. Locher III – cujo título em inglês é Victory on the Potomac: The Goldwater-Nichols Act Unifies the Pentagon — sobre a reformulação do Estado Maior Conjunto (Joint Chiefs of Staff (JCS). Os conceitos e diretrizes que aparecem na nossa nova estratégia de defesa e a lembrança do texto de Locher me induziram a estas reflexões. O processo evolutivo do conceito de defesa no Brasil parece ter-se beneficiado de fatores bem mais amenos do que aqueles que conduziram às modificações no Estado Maior Conjunto dos Estados Unidos. Lá, as modificações só foram possíveis após a derrota no conflito do Vietnã. Aqui, os estudos que permitiram a formulação da proposta da END não foram motivados por qualquer morte em combate.

O ordenamento das palavras do título Estratégia Nacional de Defesa implica inversão sutil em relação a um título mais intuitivo que seria Estratégia de Defesa Nacional.

A inversão parece indicar que o comitê ministerial que formulou a END preferiu sobrepor o nacional à defesa. Entre as diretrizes da END, mencionarei apenas três, cujos números que aparecem no documento original estão entre parêntesis:

1 — Fortalecer três setores de importância estratégica: o espacial, o cibernético e o nuclear (diretriz no 6). 2 — Estruturar o potencial estratégico em torno de capacidades (diretriz no 16). 3 — Preparar efetivos para o cumprimento de missões de garantia da lei e ordem, nos termos da Constituição Federal (diretriz no 17).

É importante observar que, na diretriz no 6, os setores espacial, cibernético e nuclear são considerados estratégicos e essenciais para a defesa nacional. A Estratégia Nacional de Defesa reconhece e reafirma que o Brasil se autoimpôs o uso da energia nuclear apenas para fins pacíficos, mediante clausula constitucional e de tratados internacionais. Esa autoimposição não exclui, contudo, a continuação do programa de construção de submarino de propulsão nuclear e a nacionalização do ciclo completo do combustível nuclear.

Nesse aspecto, muito já foi feito, mas muito mais ainda está por fazer. A transformação de yellow cake em UF, que é o composto gasoso de urânio usado nos procedimentos de enriquecimento por meio de ultracentrifugação, constitui um dos poucos itens do ciclo do combustível nuclear ainda não disponível no Brasil em escala industrial. O Brasil não é o único país que, apesar de ter competência e capacidade para desenvolver armas nucleares, não o faz voluntariamente. Canadá, Itália, Suécia e Suíça são apenas alguns exemplos de países que se autoimpuseram restrições naquilo que tange à construção de armas nucleares. Nenhum dos países mencionados abriu mão de pesquisas de ponta.

A Estratégia Nacional de Defesa acerta quando afirma que restringir o uso da energia nuclear para fins pacíficos não implica abrir mão de pesquisa para o desenvolvimento do setor nuclear. É necessário, tanto para o desenvolvimento da nação, quanto para a sua defesa, acompanhar de perto os conhecimentos científicos de ponta. Trata-se de necessidade que não se restringe ao setor nuclear, mas se estende a outros setores, como saúde, cibernética, comunicações, inclusive via satélite e, praticamente, todos os ramos da ciência que estão em processo de desenvolvimento neste início do século 21.

Não trata a Estratégia Nacional de Defesa, em qualquer nível de especificidade, de conceitos tais como análises de riscos e avaliação de vulnerabilidades (Arav) — usadas, atualmente, para diminuir efeitos deletérios de fenômenos naturais, como terremotos e enchentes; ameaças postuladas (AP) — que constam na diretriz do Departamento de Defesa dos Estados Unidos para a proteção de suas armas e instalações nucleares; ou ameaças de base de projeto (AmBP) — desenvolvidas na década de 1970 e hoje adotadas amplamente pela Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea) nos sistemas de proteção física dos reatores nucleares.

Nossa estratégia reconhece o alto grau de indeterminação e imprevisibilidade das ameaças ao país e afirma que as Hipóteses de Emprego das Forças Armadas se constituem na base da elaboração e atualização dos planos estratégicos e operacionais para a defesa da nação. É, portanto, razoável acreditar que os conceitos Arav, AP e AmBP estejam implícitos nas Hipóteses de Emprego. Caso não estejam, existe excelente oportunidade para que se trave debate construtivo, sobre tais conceitos, no âmbito do Conselho de Defesa Nacional (CDN).

A intensificação das atividades de inteligência é um sinal de que as “Hipóteses de Emprego” englobam os conceitos acima mencionados e podem ser ordenadas em função da probabilidade de ocorrência e da severidade das consequências de um ataque ou ameaça. Outro aspecto que merece cuidadoso exame no âmbito das ações estratégicas mencionadas na Estratégia Nacional de Defesa é a aplicação, no setor de defesa, dos conhecimentos científicos e tecnológicos em plena evolução neste início do século 21.”

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