Li hoje no blog do jornalista Luis Nassif:
“Há algum tempo, algo estranho vem acontecendo com a Folha de São Paulo.
Considerado um jornal relativamente plural nos anos 80, e modelo de jornalismo para muitas escolas de preparação de futuros profissionais da mídia, hoje a Folha consegue ser um dos veículos mais criticados do país.
O ponto central da crítica, principalmente, na blogosfera, é que ela está se assemelhando cada vez mais à revista Veja, que se consolidou como o melhor exemplo brasileiro do processo de murdoquização (ou tabloidização, como queiram) que afetou inúmeros mercados de imprensa mundo afora.
O que leva a crer que a Folha, hoje, vem se transformando numa “versão diária” da revista Veja é o fato de que:
1. O jornal apela para incriminações sem provas suficientes, como no caso dos pilotos da TAM, no acidente de julho de 2007.
2. O jornal sustenta argumentos de classe, como no caso do Bar Bodega (1996), quando meninos da periferia foram apresentados como criminosos, o que depois ficou provado ser falso - se a Folha estivesse preocupada em fazer a diferença na cobertura, como propagava em seu marketing, não teria cometido os mesmos erros dos outros veículos.
3. O jornal se tornou um veículo de idéias eminentemente provenientes da direita conservadora, abandonando a posição de direita progressista, tradicionalmente ocupada pelo veículo, o que assustou e afastou o resto dos leitores de centro-esquerda que ainda mantinha. O melhor exemplo é o caso “Ditabranda”.
4. O jornal não esconde mais a partidarização de sua cobertura, visto que não é preciso mais dar satisfações a outras matizes ideológicas.
5. E o mais grave: o jornal vem se limitando em muitos casos a servir de repercussor primário das manchetes semanais da Veja, como no caso Daniel Dantas.
Como na velha história do ovo e da galinha, não sabemos ainda se a Folha perdeu seus leitores de esquerda para a rede, e por isso teve que se contentar com o espectro de direita, ou foi a guinada conservadora que lhe custou aqueles leitores - o que leva-nos a perceber como estranhos no ninho alguns dos seus colunistas remanescentes da época em que a marca era pluralidade.
Arrisco acreditar que foi a avalanche histórica do neoliberalismo, visto tanto em seu determinismo econômico, quanto em seus efeitos histórico-sociais, que veio reforçar o DNA reacionário, até então contido pela direção do jornal, por questões de estratégia de mercado.
Por efeitos históricos-sociais do neoliberalismo, compreendemos: a redução dos bens culturais à lógica de mercado, com a consequente mercadização e financeirização dos valores jornalísticos; criminalização das classes populares e dos movimentos sociais; intolerância ideológica; e aversão acentuada ao Estado como mediador das relações simbólicas da sociedade.
ILUSÕES PERDIDAS
O que é trágico para a imprensa brasileira, é que este movimento se dá de forma sintomática justamente num jornal que chegou a ser visto como um bom aliado no processo de democratização da política nacional.
Em 1985, a Folha era lida por um público que parecia estar vivendo o início de um momento áureo do jornalismo, em que poderíamos ter no mínimo – se não a pluralidade das opções européias – pelo menos o equilíbrio dos melhores veículos americanos.
Vinte anos depois, ilusões perdidas, a Folha desperta horror e espanto neste mesmo público: virou uma Veja, que por sua vez virou um tablóide à Murdoch.
Não podemos esquecer, para bem avaliar este movimento da Folha de São Paulo, que a imprensa brasileira tem um histórico de cobertura partidarizada. Isso nunca foi diferente.
Basta lembrar da campanha de 1949, literalmente contra Getúlio Vargas, e a continuidade dos ataques diários ao presidente eleito até o suicídio – o que levou, num acesso de fúria, populares do Rio a tentar invadir a sede de O Globo.
Não é a Folha que é partidarizada, mas toda a grande imprensa nacional.
Da mesma forma, é evidente que sempre faltou ao Brasil uma pluralidade ideológica maior na nossa imprensa diária – tomada aqui, portanto, como distinta de “pluralidade partidária” – como bem já observara Clovis Rossi (!), em texto dos anos 80.
Ao contrário dos países europeus, principalmente, a França, não temos opções de leitura, com grandes jornais de centro-esquerda, centro-direita etc – embora possamos acreditar que um jornal voltado para posições menos conservadoras, mas que também não fosse um panfleto esquerdista, pudesse realmente ter um ótimo espaço de repercussão junto a um público mais exigente.
E, se nunca tivemos, talvez nunca tenhamos: qualquer iniciativa neste momento, na imprensa gráfica, é sempre temerosa, visto o avanço sistemático da preferência dos novos leitores pelos produtos da rede. Isto se torna ainda mais complicado quando se trata de imprensa diária.
MAS SOBREVIVE UM ENIGMA
Com isso, a perda definitiva dos leitores de matiz de esquerda para os blogs jornalísticos – perda que dificilmente será sanada, pela desconfiança que já causou e os prejuízos de credibilidade; e a dificuldade de saber qual será a predileção do jovem leitor, hoje na faixa dos 20 anos, em uma ou duas décadas, são fatores que vêm forçando a Folha a ficar onde está.
Parece, portanto, que tudo é explicável.
Mas o que incomoda, neste momento, e aí está o grande enigma que desafia a compreensão do Caso Folha pela media criticism, é: o que estes fatores combinados de mercado, ideologia e partidarização, têm a ver com os deslizes éticos do jornal?
Como evidentemente a ética não é patrimônio ideológico – e como vemos, diariamente, nem partidário – e não se confunde com “nichos de mercado”, ficamos nos perguntando o que, em última instância, levou a Folha a cometer opções tão arriscadas?
Pois que ler a Folha, atualmente, transformou-se em muitos casos ler as suítes da Veja, com direito a contra-factuais (popularmente, os factóides) com brindes diários de ficção jornalística.
Isto sem precisar pagar mais R$14,90.”
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