Ignacio Ramonet
Do jornal espanhol "Más Público":
“A política de austeridade e de precarização do emprego capitaneada por Angela Merkel levou a um desespero social que alimenta as tendências mais radicais. Ou a Europa reage agora ou será tarde, diz Ignacio Ramonet, diretor do “Le Monde Diplomatique” em espanhol. Ramonet crê que reagirá.
"Na França, temos cerca de 28% do eleitorado votando numa extrema-direita que recusa a Europa e o euro. O respeito das normas está levando a uma situação insustentável. Victor Hugo dizia que não há nada mais poderoso que uma ideia para a qual chegou o momento", diz Ramonet.
Más Público: “Reorientar a Europa para o desemprego, o futuro e o crescimento”. As palavras de Hollande, recentemente eleito presidente da França, falam de mudança de rumo que parecia impossível. Há vida para além dos mercados?
Ignacio Ramonet: A proposta de Hollande chega num bom momento. Se tivesse dito há um ano que não apoiava o pacto fiscal (promovido por Merkel), não teria funcionado. Hollande não fala do crescimento que Draghi (presidente do BCE) defende, baseado na “precarização do emprego para ganhar competitividade” e nas curas pela austeridade. Hollande defende o crescimento com estímulo por parte da União Europeia. É o momento, porque há países submetidos a duras reformas extraordinárias com os governos a viver nos limites dessas políticas.
Os próprios mercados veem que só austeridade não serve. Por isso, houve tanto apoio, ativo ou passivo, a Hollande. Prova disso é o caso do Governo espanhol, que desejava a vitória do socialista porque lhe dará oxigênio para pagar a dívida em mais anos sem asfixiar a economia.
Más Público: Como se financia o crescimento?
Ignacio Ramonet: Os Estados estão endividados e não podem endividar-se mais. Mas a UE como tal, não. Pode endividar-se e emprestar aos Estados ou financiar obras que criem emprego.
Más Público: A banca está falida. Se lhe injetam dinheiro a 1% a partir do BCE e com ele compra dívida de países com rentabilidade maior, paga-se com impostos. É sustentável?
Ignacio Ramonet: A diferença entre o 1% que a banca paga pelo dinheiro e os 6% que recebe pela dívida da Espanha, por exemplo, leva a uma situação na qual não se poderá pagar essa dívida, que se converterá na principal questão do orçamento.
Creio que há, cada vez mais, consenso para que o BCE empreste diretamente aos Estados. Os Estatutos do banco central não lhe permitem, e nisso apoiam-se os alemães, mas encontramo-nos numa situação de exceção e há que impor uma decisão política. Os Estatutos são pura burocracia.
Más Público: Por que vão ceder, se negaram até agora?
Ignacio Ramonet: Porque já há sociedades que estão se sublevando. Na Grécia, disparou o voto extremo. Na França, temos cerca de 28% do eleitorado votando numa extrema direita que recusa a Europa [União Europeia] e o euro. O respeito das normas está levando à uma situação insustentável. Victor Hugo dizia que não há nada mais poderoso que uma ideia para a qual chegou o momento.
Más Público: Está a Alemanha nesse momento?
Ignacio Ramonet: A Alemanha prevê crescer este ano a 1% e começa a temer que, se as economias europeias não compram os seus produtos, a sua situação vai piorar. Os sindicatos lançaram ofensiva para pedir aumento de salários. O trabalho alemão, que já é o mais caro da Europa, será ainda mais caro e terá mais dificuldade em vender os seus produtos. Os próprios dirigentes vão juntar-se à petição de crescimento.
Más Público: Draghi advertiu que o país que reduzir a austeridade será imediatamente castigado pelo mercado. Hollande aguentará?
Ignacio Ramonet: Eu penso que assistiremos a uma mobilização popular na França para que Hollande não repita os erros dos sociais-democratas da Grécia, Portugal e Espanha. O problema já não é só econômico, mas sim político. Se não sairmos do atoleiro dos mercados, vamos ter uma Europa de extrema-direita daqui a cinco anos.
Más Público: Também há movimentos de mudança como o 15-M.
Ignacio Ramonet: O que vimos no ano passado como o 15-M (indignados da Espanha) foi muito emocionante. Toda uma geração a protestar com concepção muito exigente e pura da política e da democracia. É lamentável que essa gigantesca energia, por desconfiança para com a política, não tenha encontrado um modo de permanecer como movimento reconhecível, com organização e liderança. Na minha opinião, o sentimento de asco para com a política de muitos jovens conduziu-os a um erro tático, por não se organizarem como formação, e a outro estratégico, porque não têm ferramenta, nem direta nem indireta, de conquista de poder.
Más Público: Que solução vê para o desemprego juvenil?
Ignacio Ramonet: Está a perder-se uma geração inteira, apesar de ser a melhor formada da história dos nossos países. É tremendo desperdício humano e é urgente encontrar soluções com imaginação, lançar planos de reindustrialização e de relocalização, um grande plano Marshall de emprego para a juventude. A Europa está socialmente destruída, como o esteve materialmente após a II Guerra Mundial.
Más Público: Perde-se a geração melhor formada e força-se a que a próxima já não o seja. Por quê?
Ignacio Ramonet: Todos os movimentos neoliberais cortaram na educação. É a renúncia a um dos fundamentos da democracia, a igualdade de oportunidades, e isso é insuportável. A classe média está se desclassificando, um fenômeno que não conhecíamos. Deixa-se de pertencer a uma classe à qual se chegou com gerações de esforços.
Más Público: Quanto vai custar recuperar esse caminho?
Ignacio Ramonet: Há que refletir porque, pouco a pouco e de forma silenciosa, foram-nos encerrando numa estrutura política em que as decisões são muito limitadas, na qual uma mudança de governo não muda grande coisa porque se aplicam regras que não se podem modificar. Assistimos à redução da democracia e à preponderância do poder financeiro sobre o político. O “Mecanismo Europeu de Estabilidade”, que é uma prisão jurídica, está para ser ratificado sem debate.
Más Público: Não foi mudado nada do sistema financeiro.
Ignacio Ramonet: Se não controlarmos os mercados, não sairemos disto. Há que regulamentá-los, dissociar a banca de poupança da especulativa, impor impostos sobre os rendimentos de capital como existem sobre o trabalho e dotar-se de um sistema que permita aos políticos pôr limites ao mercado. Ou acontece isso ou passaremos a uma nova estrutura política desconhecida até agora.”
FONTE: entrevista do jornal espanhol “Más Público” com Ignacio Ramonet Míguez (nascido em Redondela, Espanha, em 5 de maio de 1943). O entrevistado é jornalista e sociólogo. Cresceu em Tânger. Estudou engenharia em Bordéus, Rabat e Paris. Ex-aluno de Roland Barthes; é doutor em Semiologia pela École des hautes études en sciences sociales de Paris. Professor de Teoria da Comunicação da Universidade Denis Diderot (Paris VII) e professor associado das Universidades de São Petersburgo e Carlos III, em Madri; lecionou também nas universidades de Buenos Aires, Valência, Cuba, Porto Rico, Santo Domingo. É doutor honoris causa da Universidade de Santiago de Compostela, na Galiza, Espanha. É diretor do “Le Monde Diplomatique” em espanhol. Reportagem traduzida por Carlos Santos para “Esquerda.net”. Transcrita no portal ‘Vermelho’ (http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=184361&id_secao=9). [Imagem do Google adicionada por este blog ‘democracia&política’].
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