sábado, 2 de junho de 2012
A PRETENSÃO DE PAUTAR AS URNAS DE 2012
Por Saul Leblon
“Qualquer brasileiro tem o direito de dizer que considera inconveniente atropelar o processo eleitoral de 2012 com o julgamento do chamado “mensalão”. Não se pode subtrair a um líder político como Lula, que combateu a ditadura, liderou greves históricas, disputou, perdeu e ganhou eleições presidenciais, tendo sido conduzido duas vezes ao cargo máximo da Nação, a prerrogativa de externar idêntico ponto de vista.
Mais que um direito, mais que uma avaliação com a qual muitos democratas concordam, é um dever de Lula contribuir para a ordenação da agenda política nacional. Outra coisa é se o ex-presidente acertou em participar de um encontro a três, sendo os outros dois quem são, Gilmar Mendes e Nelson Jobim.
A resposta a essa questão pertinente não avaliza a indisfarçável sofreguidão dos que querem pautar a democracia brasileira, impondo, como prioridade, fazer o julgamento do chamado 'mensalão' incidir na campanha de 2012.
Reduzir as eleições municipais em 5.560 municípios a um plebiscito em torno desse episódio controvertido contempla forças que não se consideram habilitadas para enfrentar o debate municipal com propostas e, mais que propostas, com o legado de suas escolhas estratégicas pesado e medido pelo veredito da história recente.
A manifestação democrática de Lula nesse sentido, se houve, incomoda muito; mas é legítima.
Derivar daí um enredo fantasioso, desmentido por testemunho insuspeito, de chantagem e ofertas de capangagem política é uma narrativa que, ademais de caluniosa, excreta o suor frio do desespero. Embora provoque desconcerto pela audácia, no fundo há coerência na tentativa de pautar a democracia brasileira.
A trajetória de certos personagens e veículos que se notabilizaram como a corneta mais estridente do conservadorismo nativo atingiu um beco sem saída. A dobra da história não lhes é favorável. A esmagadora eleição de Dilma Rousseff derrotou, pela terceira vez consecutiva, a aposta na manipulação midiática da opinião pública como receita de sucesso eleitoral. O stress dos materiais é evidente no almoxarifado conservador.
Faltam-lhe peças de reposição. Ferrugem e fuligem corroem seus discursos e agendas. No auge da crise de Cachoeira, quando seu mundo ruiu, Agripino Maia, o líder que sobrou aos demos, decidiu escafeder-se em busca de ar fresco junto a aliados no exterior: foi parar na Espanha, onde equivalentes ibéricos dos demos assumiram o governo para dobrar a aposta neoliberal, esfarelando a sociedade espanhola em desemprego e recessão
A mídia aliada se desgasta no esforço de preencher o vácuo com factóides que vão sedimentando a sua irrelevância. Sintomático nesse sentido é o declínio da outrora relevante página 2 da “Folha”, hoje preenchida com dificuldade por personagens do segundo escalão jornalístico que sofrem para empilhar palavras em comentários previsíveis e frequentemente descartáveis. O conjunto todo clama por renovação que não parece capaz de brotar das entranhas do velho aparato agônico.
À consagradora avaliação dos dois governos Lula - que deixou a presidência com 80% de aprovação - não sucedeu o vaticinado fracasso de Dilma. Ao contrário. A presidenta, que caminha para o seu ano e meio de gestão, desfruta de credibilidade e de prestígio igual ou superior aos de seus antecessores em igual período. Dilma consolida, dilata e radicaliza conquistas trazidas do ciclo que ajudou a erigir: politizou corajosamente a agenda dos juros acossando o território sagrado da lógica rentista; afrontou dogmas da ditadura ao instituir uma Comissão da Verdade que, nascida frágil, rompe a esférica blindagem de uma agenda tabu e pode surpreender.
No plano internacional, esfarela-se o leque de referências econômicas que sustentaram a hegemonia do mercadismo tupiniquim. O tripé surrado feito de “privatizações”, “Estado mínimo” e “supremacia das finanças desreguladas sobre a economia e a sociedade” reduziu povos à condição de nações zumbis; destruiu o Estado do Bem-Estar Social. Arrasta o mundo há quatro anos para espiral descendente igual ou pior que aquela produzida pela grande depressão dos anos 30. Quem, hoje, em pleno controle de suas faculdades mentais apresentar-se-ia ao eleitor com a proposta de impingir ao Brasil um projeto anacrônico de “laissez-faire” como o que esmaga nações europeias, entregues a versões locais do programa demotucano?
A bandeira da moralidade, ademais, foi-lhes definitivamente subtraída pelo estouro da roleta tentacular da quadrilha Cachoeira.
Restou, assim, requentar o pão amanhecido do 'mensalão', tarefa frágil a qual se dedicam os centuriões dos interesses derrotados nas urnas e na história nos últimos anos. Gilmar Mendes perfila entre eles. É uma constatação biográfica assumida, não um dedo acusador. Na ausência dos titulares da linha de frente, assoberbados por processos criminais e derrotas eleitorais humilhantes, o ex-presidente do STF assumiu o vácuo para protagonizar o enredo do desespero, generosamente ecoado por “Veja” e seus satélites.
A agressiva manipulação dos fatos a partir do encontro ocorrido no escritório do ex-ministro Jobim evidencia o peso e a medida que os factóides passaram a ocupar na arquitetura de sal de um aparato retalhado pelos ventos da história. Pautar a democracia através do jogral midiático é um requisito para legitimar o derradeiro suspiro dessa lógica: fazer do ‘mensalão' uma borracha histórica, capaz de eclipsar derrotas e desnudamentos, para postergar o funeral sem lágrimas da hegemonia conservadora no país.”
FONTE: escrito por Saul Leblon no site “Carta Maior” (http://cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=6&post_id=994). [Imagem do Google adicionada por este blog ‘democracia&política’].
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