quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

STF NÃO DEVE LEGISLAR. JUÍZES NÃO SÃO ELEITOS PELO POVO


Barbosa, presidente do STF, manteve uma liminar do Tribunal de Justiça que suspende o aumento do IPTU

O portal “Conversa Afiada” reproduz artigo de Paulo Moreira Leite, extraído do site da revista “IstoÉ”:

O LADO POLITICO DA JUDICALIZAÇÃO

LIMINAR CONTRA IPTU FOI TERCEIRA INTERVENÇÃO CONTRA PRERROGATIVA DE FERNANDO HADDAD

“No esforço para convencer os brasileiros de que o Poder Judiciário tem o direito de tomar decisões que o artigo 1º da Constituição reserva [exclusivamente] aos representantes eleitos pelo povo, nossos comentaristas e observadores tentam passar uma "justificativa nobre".

Dizem que a “judicialização” é um produto da omissão de nossos legisladores. A ideia é conhecida: “já que nossos legisladores não cumprem suas obrigações, a Justiça acaba sendo obrigada a intervir, bondosamente, até contra vontade, em defesa do cidadão”.

Procurando dar um aspecto épico ao comportamento do STF, o ministro Luiz Roberto Barroso disse, recentemente, que, em determinados casos, o tribunal “empurra a história.”

A menos que estejamos diante de uma concepção determinista da história, não custa lembrar que a evolução da humanidade pode ser empurrada para um destino positivo, mas também pode ser conduzida para trevas e abismos. Em 1964, a história andou para trás, com uma mãozinha do STF, que se acomodou ao poder militar.

É curioso notar que se fala da omissão de nossos legisladores dias depois de o país assistir a uma intervenção brutal da Justiça no debate sobre o aumento do IPTU em São Paulo.

Joaquim Barbosa, presidente do STF, manteve uma liminar do Tribunal de Justiça que suspende o aumento do IPTU.

Você pode dizer o que quiser desse IPTU. Pode xingar e pode elogiar. Pode achar que ele daria a Fernando Haddad os recursos de que ele necessita para encaminhar seu programa de gestão e que isso é ruim. Também pode achar que o novo IPTU vai revoltar a classe média e atrapalhar a votação da Dilma Rousseff em São Paulo.

Só não se pode afirmar que a Câmara de Vereadores foi omissa. A Câmara recebeu a proposta, debateu e aprovou. Se alguma coisa se fez, foi andar rápido nessa matéria.

Suspender o aumento foi um ataque frontal a uma decisão inteiramente legítima.

O conteúdo social dessa decisão é uma caricatura da desigualdade brasileira.

Seria uma piada pronta, não fosse uma tragédia.

Na média, cada proprietário de imóvel teria um acréscimo de 50 centavos por dia no IPTU. Sabe aquela moedinha prateada que tanta gente procura no bolso para dar para aquela criança que estica o braço para dentro da janela quando o sinal está fechado? Era isso, e apenas isso, salvo para aquelas pessoas que olham o mundo pelo olhar míope do “impostômetro” – numa atitude que os mais antigos chamariam de egoísmo de quem perdeu até a alma.

Os moradores de bairros e residências pobres, equivalentes a 14% do total, ficariam isentos.

Considerando que o projeto nasceu na gestão de Fernando Haddad, eleito como 55% dos votos em 2012, não é difícil deduzir quem estava ao lado de quem neste debate.

Principal liderança política da campanha contra o aumento, o presidente da FIESP, Paulo Skaf, foi o mesmo que, em 2007, teve papel fundamental no levantamento de recursos [mídia, senadores demotucanos etc] que permitiram a extinção da CPMF pelo senado, desfalcando a saúde pública de 20 bilhões de reais/ano. Havia até um elemento questionável nessa decisão, já que a Constituição afirma que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado. Cabe ao Estado, portanto, encontrar meios para cumprir suas obrigações, o que só se pode fazer através de impostos e subsídios.

Mas o Senado, dominado por oposição interessada em quebrar as pernas do governo Lula, conseguiu ajuda de Skaf para tirar dinheiro da saúde pública.

Foi desastroso do ponto de vista popular. Mas não foi “omisso,” correto? Pelo contrário: foi “explícito,” foi “ativo”, foi “claro.”

Em proveito de quem meus caros?

Ao assumir atribuições fora de sua competência, o Judiciário disputa poder junto a representantes eleitos, favorece soluções autoritárias, às costas do eleitor, que pode até aplaudir uma medida aqui, desgostar de outra mais adiante, apedrejar uma terceira – sem compreender que está sendo destituído da palavra final sobre o destino da nação.

Veja o que aconteceu com os royalties do petróleo. O Congresso resolveu, por ampla maioria, que eles deveriam ser divididos de forma mais equitativa entre os estados brasileiros. Essa medida não agradou a uma fatia dos eleitores dos Estados que iriam perder receitas e foi combatida duramente pela “TV Globo”.

Até hoje, uma decisão soberana do Congresso brasileiro encontra-se parada no STF. Omissão de quem?

O mesmo Tribunal de Justiça que privou a prefeitura paulistana de um recurso extra de R$ 800 milhões definiu um programa de creches detalhado, prazos que devem ser cumpridos, metas e assim por diante. Alguém já se perguntou o que nossos juízes pretendem fazer com Fernando Haddad – autoridade eleita pelos paulistanos para zelar pelos interesses da cidade – caso o programa de creches do TJ-SP não for cumprido?

Em outro episódio, Haddad levou em frente um projeto de campanha e suspendeu o “Controlar”. O programa voltou, por decisão judicial.

Prefeito da maior cidade do país, Haddad deve explicações a Justiça ou aos eleitores?

Esse é o ponto.

Como a maioria da população, tenho opinião bastante crítica sobre nossos legisladores. Muitos são menos preocupados com as necessidades do povo do que deveriam. Chegam a tomar atitudes que muitas pessoas encaram com um insulto e uma desmoralização. Nada disso justifica, no entanto, qualquer esforço para diminuir e enfraquecer seus poderes. Cabe debater regras eleitorais, procurar outros candidatos e assim por diante. A menos, claro, que você não tenha percebido, ainda, que a democracia é o pior regime do mundo — com exceção de todos os outros.

E aqui chegamos à questão essencial.

Ao agir [partidária e] politicamente, a Justiça é obrigada, de uma forma ou de outra, a afastar-se de seu princípio essencial, da isenção, da balança, do equilíbrio, para tomar partido, escolher um lado.

Em editorial onde admite o problema, a “Folha de S. Paulo” chega a pedir “equilíbrio” ao Judiciário. Referindo-se ao programa de creches do Tribunal de Justiça, o jornal adverte:

Se terminar usurpando competências do Executivo e ambicionar, em substituição ao governo, conduzir a política educacional, a decisão será desastrosa.

Em democracias consolidadas, tribunais se pautam pelo equilíbrio entre ativismo e autocontenção. Na jovem democracia brasileira, a busca por essa fórmula está em curso e dependerá, em boa medida, do sucesso (ou fracasso) de experiências como a do TJ-SP e da sobriedade dos ministros do Supremo Tribunal Federal
.”

Vamos combinar que o simples fato de um jornal [da direita] pedir “equilíbrio” ao Judiciário 
[da direita] mostra que se chegou a um preocupante estado de desequilíbrio entre os poderes. É sintomático que o jornal tenha reconhecido isso.

A verdade é que não estamos diante num debate sobre a “melhor forma” de administrar a cidade, numa espécie de seminário entre cidadãos bem intencionados, onde é preciso encontrar o “ponto certo” num universo “complexo” e outros argumentos que parecem acadêmicos.

A discussão é política e envolve interesses concretos. Também envolve os fundamentos do poder de Estado. Colocado contra a parede em três decisões grandes de sua gestão, Fernando Haddad enfrenta situação que está longe de ser única.

A judicialização ocorre em dezenas de cidades médias brasileiras, onde prefeitos são atingidos com frequência em seus mandatos e forçados a modificar ou suspender políticas que têm todo o direito de encaminhar como representantes eleitos pelo povo.”

P.S. do “Conversa Afiada”:

--Clique aqui para ler “Aqui para “Saad da Bandeirantes ameaçou Haddad”
--Aqui para ler “Inacreditável: Barbosa vota com FIE P e derrota Haddad”
--E aqui para “FHC lança Barbosa a vice de Aécio. Ôba !”

FONTE: artigo de Paulo Moreira Leite, publicado no site da revista “IstoÉ” e transcrito no portal “Conversa Afiada”  (http://www.conversaafiada.com.br/brasil/2014/01/01/pml-stf-nao-deve-legislar-juizes-nao-sao-eleitos/).[Trechos entre colchetes adicionados por este blog 'democracia&política'].

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