domingo, 22 de maio de 2011

OBAMA SEGUE FAVORECENDO ISRAEL, ANALISA NASSER


Por Marcela Rocha, no Terra Magazine

“O doutor em direito internacional Salem Nasser avalia, para Terra Magazine, o discurso do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, sobre as fronteiras entre Israel e Palestina. Segundo ele, que é também professor da Fundação Getúlio Vargas e especialista em Oriente Médio, Israel segue sendo mais favorecido.

- “Em principio, essa abertura favorece Israel na medida em que este (Estado) multiplica os assentamentos, criando fatos consumados, e em que é a parte mais forte nas negociações”.

O professor dá continuidade à sua explicação sobre a manutenção do discurso pró-Israel:

- “Obama disse, igualmente, que neste momento não é preciso falar nas questões centrais, Jerusalém e refugiados, enquanto Israel, com cujos interesses não deixou de assegurar o seu compromisso, é, na verdade, quem se recusa a transigir nesses temas. Também disse que reconhecia o direito de cada Estado de poder defender-se por si só, mas que, no caso, só Israel teria esse direito, já que o Estado palestino deve ser desarmado.”

Na opinião de Nasser, "quando Obama diz que Israel é ou será o Estado judeu para o povo judeu, parece concordar com as demandas e políticas da direita israelense que tendem a tornar cidadãos inferiores - os não judeus - em sua própria terra natal e ancestral".

Em longo discurso sobre o Oriente Médio, proferido na quinta-feira (19), o presidente americano afirmou, pela primeira vez, que as fronteiras entre Israel e um futuro Estado palestino devem se basear nas traçadas em 1967, "com trocas mútuas e acertadas de forma que fronteiras seguras e reconhecidas sejam estabelecidas nos dois Estados".

Confira abaixo a íntegra da entrevista:

-Terra Magazine - Em pronunciamento, Obama afirmou que "As fronteiras de Israel e Palestina deveriam se basear naquelas de 1967, com trocas mútuas e acertadas de forma que fronteiras seguras e reconhecidas sejam estabelecidas nos dois Estados". Como o senhor qualificaria essa afirmação? Qual a relevância dela?

Salem Nasser -
Não há muito de novo nessa declaração. O princípio de dois Estados, nas fronteiras de 1967, é objeto de razoável consenso internacional e faz parte do chamado mapa do caminho, base sobre a qual operam, em princípio, os componentes do quarteto, e da chamada iniciativa árabe. Ainda que se quisesse emprestar, a essa menção mais clara ao princípio, alguma importância especial, não se pode ignorar o que mais foi dito. Obama disse que era favorável aos dois Estados e às fronteiras de 1967, mas também disse que haveria “trocas acordadas de território”. Quanto do território será objeto de troca, e quais partes, permanece uma questão aberta.

-A quem essa abertura favorece?

Em principio, essa abertura favorece Israel na medida em que este multiplica os assentamentos, criando fatos consumados, e em que é a parte mais forte nas negociações. Obama disse, igualmente, que neste momento não é preciso falar nas questões centrais, Jerusalém e refugiados, enquanto Israel, com cujos interesses não deixou de assegurar o seu compromisso, é, na verdade, quem se recusa a transigir nesses temas. Também disse que reconhecia o direito de cada Estado de poder defender-se por si só, mas que, no caso, só Israel teria esse direito, já que o Estado palestino deve ser desarmado. Quando diz que Israel é ou será o Estado judeu para o povo judeu, parece concordar com as demandas e políticas da direita israelense que tendem a tornar cidadãos inferiores -os não judeus- em sua própria terra natal e ancestral.

O que há de novo no discurso, então?

No conteúdo, portanto, não há nada de novo e nenhuma razão para grande otimismo. Não há dúvida, no entanto, que o discurso quis sinalizar algo de novo, um novo ânimo, um novo ímpeto e uma nova energia no chamado caminho da paz. Há reconhecimento de que a questão palestina é a questão central da região e aquela que mais marca a visão que têm e o julgamento que fazem dos Estados Unidos dos mundos árabe e muçulmano. Mas há, também, a clara limitação da vontade ou da capacidade para agir decisivamente contra o que é percebido como interesses de Israel. Faz-se uma declaração genérica contra a ocupação e contra os assentamentos, mas joga-se a responsabilidade imediata pelo que virá sobre as costas dos palestinos, cujo suado acordo nacional é visto como ameaça.

O compromisso com Israel e suas políticas continua inteiro e, portanto, continua inteiro o impasse americano, porque os Estados Unidos não conseguem impor a paz que gostariam, aquela que corresponde aos ditames israelenses.

-Acredita que ele tenha feito isso para tentar minimizar as consequências da morte de Bin Laden no mundo islâmico?

Penso que a declaração sobre os dois Estados de acordo com as fronteiras de 1967, assim como todo o resto do discurso, tenta responder aos acontecimentos no mundo árabe-muçulmano e à nova realidade, ainda em construção, que ali se instalará. A morte de Bin Laden é apenas um detalhe, quase sem importância, nesse contexto.

Os Estados Unidos são um jogador global, no sentido de que é uma potência tão grande e tão importante que tem interesse no que acontece em qualquer lugar do globo. Porque o país percebe a si mesmo desse modo, tenta influenciar os eventos no mundo e fazê-los corresponder a seu assim chamado interesse nacional. De todos os lugares do mundo em que os Estados Unidos têm interesses e em que agem para fazê-los avançar, o Oriente Médio, ou melhor, o mundo árabe-muçulmano não é o menos importante. Ali, como diz Obama em seu discurso, os Estados Unidos têm interesses econômicos e estratégicos. E ali, como também reconhece, coisas começaram a se mexer e a mudar, independentemente da vontade americana e, em grande medida, contra essa vontade.

-A que veio o discurso?

O discurso é uma resposta às mudanças, uma resposta que, para ser crível, precisa apagar qualquer sinal de hipocrisia. E nisso, com as palavras, Obama é muito hábil. Busca vencer as resistências e angariar credibilidade com o reconhecimento de erros passados (o suporte às ditaduras, por exemplo), afirmando valores inquestionáveis, reconhecendo que algumas mudanças contrariam os interesses mais imediatos de seu país e colocando-se, por assim dizer, do lado certo da história, afirmando o compromisso, de agora em diante, com a democracia e a liberdade. O fato é, de todo modo, que os Estados Unidos, como qualquer país, continuarão a perseguir seus interesses.

O que o discurso faz é dizer que os Estados Unidos continuarão a tentar influenciar, senão determinar, a agenda da região. Diz também que, para fazer isto bem, precisam recuperar a sua imagem e articular uma linguagem mais sincronizada com a realidade sobre o terreno. Mas, nas entrelinhas, a língua não muda muito.

No que respeita especificamente à questão palestina, para além do efeito de contágio que as revoltas populares podem ter sobre os territórios ocupados e sobre os palestinos em países vizinhos, Obama também tem em mente as movimentações para a declaração de um Estado palestino na ONU, em setembro. Ele inclusive menciona isto, de modo não explícito, em seu discurso. A isto também, o seu pronunciamento é uma tentativa, fraca, de antecipação e resposta.

-O presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, convocou, na quinta-feira, "uma reunião urgente" da direção palestina após o discurso sobre o Oriente Médio do presidente americano Barack Obama. O líder palestino também agradeceu a Obama pela "atenção" que mostrou para "o direito dos povos à autodeterminação", entre eles o palestino, que "espera e procura a salvação da ocupação israelense". Como o senhor avalia essas primeiras sinalizações da autoridade Palestina para os EUA?

Mahmoud Abbas, assim como todos os demais atores interessados, reagirão, naturalmente, levando em conta o fato de que o discurso do presidente americano é um fato político relevante e foi pensado para ser assim. Todos tentarão ler, por trás das palavras, o sentido real do discurso de Obama, ou seja, o que ele realmente quis dizer com isso, e o que o discurso anuncia como intenção e como possível ação futura. Também, todos precisam pensar nas respostas que darão a este fato importante. Mahmoud Abbas diz, num primeiro momento, aquilo que aponta para um reconhecimento, contido no discurso de Obama, dos direitos do povo palestino.

Em seguida, e daí a reunião urgente, terá que lidar com a condenação clara de Obama ao acordo nacional que reúne Fatah e Hamas. Também levará em conta o que o discurso, e o comportamento americano que seguirá, significarão para a declaração anunciada do Estado palestino.

-Essa posição apresentada por Obama hoje já era defendida pelo Brasil. O senhor acredita que isso dá mais credibilidade ao Brasil junto à comunidade internacional?

Defender essa posição não incrementa a credibilidade de ninguém, já que é a posição de consenso. O que me parece diferenciar o Brasil é a consistência com que tem defendido a posição em discurso, mas também em ação. Os Estados Unidos e a Europa, ao contrário, não fazem corresponder suas ações, ou, mais propriamente, omissões, no campo prático, ao que declaram em seus discursos. No pronunciamento de Obama, no entanto, o que parece jogar luz sobre o papel crescente do Brasil é a menção expressa ao país como um lugar em que progressos extraordinários acontecem.”

FONTE: reportagem de Marcela Rocha publicada no portal “Terra Magazine”, do jornalista Bob Fernandes (http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI5140419-EI6580,00.html) [imagem do Google adicionada por este blog].

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