sábado, 21 de maio de 2011
Leonardo Boff: “OS RISCOS DA ARROGÂNCIA DO IMPÉRIO”
“Conto-me entre os que se entusiasmaram com a eleição de Barack Obama para presidente dos EUA, especialmente vindo depois de G. Bush Jr, presidente belicoso, fundamentalista e de pouquíssimas luzes.
Este [Bush] acreditava da iminência do Armaggedon bíblico e seguia à risca a ideologia do ‘Destino Manifesto’, um texto inventado pela vontade imperial norte-americana para justificar a guerra contra o México, segundo o qual os EUA seriam o novo povo escolhido por Deus para levar ao mundo os direitos humanos, a liberdade e a democracia.
Essa excepcionalidade se traduziu numa histórica arrogância que fazia os EUA se arrogarem o direito de levar ao mundo inteiro, pela política ou pelas armas, o seu estilo de vida e sua visão do mundo.
Esperava que o novo presidente [Obama] não fosse mais refém dessa nefasta e forjada eleição divina, pois anunciava em seu programa o multilateralismo e a não hegemonia. Mas, tinha lá minhas desconfianças, pois atrás do ‘Yes, we can’ (“sim, nós podemos”) podia se esconder a velha arrogância.
Face à crise econômico-financeira, apregoava que os EUA mostrou em sua história que podia tudo e que iria superar a atual situação. Agora, por ocasião do assassinato de Osama bin Laden ordenada por ele (num Estado de direito que separa os poderes, tem o Executivo o poder de mandar matar, ou não cabe isso ao Judiciário, que manda prender, julgar e punir?), caiu a máscara. Não teve como esconder a arrogância atávica.
O presidente, de extração humilde, afrodescendente, nascido fora do continente, primeiramente muçulmano e depois convertido evangélico, disse claramente: ”O que aconteceu domingo envia uma mensagem a todo o mundo: quando dizemos que nunca vamos esquecer, estamos falando sério”.
Em outras palavras: “Terroristas do mundo inteiro, nós vamos assassinar vocês”. Aqui está revelada, sem meias palavras, toda a arrogância e a atitude imperial de se sobrepor a toda ética.
Isso me faz lembrar uma frase de um teólogo que serviu por 12 anos como assessor da ex-Inquisição em Roma e que veio me prestar solidariedade por ocasião do processo doutrinário que lá sofri.
Confessou-me: ”Aprenda da minha experiência: a ex-Inquisição não esquece nada, não perdoa nada e cobra tudo; prepare-se”. Efetivamente, assim foi o que senti. Pior ocorreu com um teólogo moralista, queridíssimo em toda a cristandade, o alemão, Bernhard Häring, com câncer na garganta a ponto de quase não poder falar. Mesmo assim, foi submetido a rigoroso interrogatório na sala escura daquela instância de terror psicológico por causa de algumas afirmações sobre sexualidade.
Ao sair confessou: “o interrogatório foi pior do que aquele que sofri com a SS nazista durante a guerra”. O que significa: pouco importa a etiqueta, católico ou nazista, todo sistema autoritário e totalitário obedece à mesma lógica: cobra tudo, não esquece e não perdoa.
Assim prometeu Barack Osama e se propõe levar avante o Estado terrorista, criado pelo seu antecessor, mantendo o ‘Ato Patriótico’ que autoriza a suspensão de certos direitos e a prisão preventiva de suspeitos sem sequer avisar aos familiares, o que configura sequestro.
Não sem razão, escreveu Johan Galtung, norueguês, o homem da cultura da paz, criador de duas instituições de pesquisa da paz e inventor do método ‘Transcend’ na mediação dos conflitos (uma espécie de política do ganha-ganha): tais atos aproximam os EUA do Estado fascista.
O fato é que estamos diante de um Império. Ele é consequência lógica e necessária do presumido excepcionalismo. É um império singular, não baseado na ocupação territorial ou em colônias, mas nas 800 bases militares distribuídas pelo mundo todo, a maioria desnecessária para a segurança americana. Elas estão lá para meter medo e garantir a hegemonia no mundo.
Nada disso foi desmontado pelo novo Imperador; nem fechou Guantánamo como prometeu e, ainda mais, enviou trinta mil soldados ao Afeganistão para uma guerra de antemão perdida.
Podemos discordar da tese básica de Abraham P. Huntington em seu discutido livro ‘O choque de civilizações’. Mas nele há observações, dignas de nota, como esta: “a crença na superioridade da cultura ocidental é falsa, imoral e perigosa” (p.395).
Mais ainda: ”a intervenção ocidental provavelmente constitui a mais perigosa fonte de instabilidade e de possível conflito global num mundo multicivilizacional” (p.397). Pois as condições para semelhante tragédia estão sendo criadas pelos EUA e pelos seus súcubos europeus.
Uma coisa é o povo norte-americano, bom, engenhoso, trabalhador e até ingênuo, que admiramos, outra é o Governo imperial, que não respeita tratados internacionais que vão contra seus interesses e é capaz de todo tipo de violência.
Mas não há impérios eternos. Chegará o momento em que ele será um número a mais no cemitério dos impérios mortos.”
FONTE: escrito por Leonardo Boff, teólogo e filósofo. Publicado no jornal “O Globo” e transcrito no blog do Noblat (http://oglobo.globo.com/pais/noblat/post.asp?cod_post=380619&ch=n)
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