Por Fernando Brito
“Ontem [quarta-feira], resisti à
tentação de dar este título a um dos posts que escrevi.
Mas se existe alguma coisa que
aprendi na vida sobre escrever é prestar atenção ao que nos brota
espontaneamente da cabeça, sem muitas elaborações.
À noite, depois de checar e rechecar
informações, cumpri o penoso dever de informar que não haverá Constituinte
exclusiva para fazer a reforma política. As razões jurídicas podem ser boas; as
políticas foram péssimas e, potencialmente, desastrosas.
Péssimo, primeiro, porque coloca em
risco e limita a necessidade nacional de remover as distorções que, junto com
as deformações da mídia, têm sido o maior obstáculo aos avanços de uma política
de desenvolvimento e de justiça social em nosso país.
Em ambos os campos, mantivemos todas
as práticas tradicionais – e
conservadoras – de relacionamento.
De um lado, recusamos a polêmica com
a mídia convencional que – embora deva
ser respeitada – deve estar longe de constituir o canal único de
comunicação entre Governo e povo. Se jornal nenhum ou apenas a tevê bastam para
que ambos se comuniquem, muito menos ainda uma mídia oligopolizada e hostil – ao ponto de uma afirmar que é ela própria a
única oposição no Brasil – cumprirá esse papel.
Marqueteiros e assessores de
imprensa – e quem fala já trabalhou nos
dois papéis – são auxiliares circunstanciais, extremamente úteis na forma
de dizer, mas não substituem, nos líderes, convicções e conteúdos. Menos ainda
a luta política que se trava a médio e longo prazo para mudar o Brasil.
Mudar o Brasil não se fará com
espasmos de comunicação direta, com consequentes mobilizações esporádicas,
ambos restritos aos períodos de campanhas eleitorais.
Exige que o governante, o líder,
esteja -com todas as formas a seu alcance
– falando com a população e, ao lado dela, travando a polêmica sobre cada
política pública e cada embate político que sua adoção exige.
De outro lado, deixamos nos manietar
pela necessidade – e é necessidade –
da formação de ampla base parlamentar, como se isso bastasse para conduzir as
mudanças no parlamento. Não é, porque, imensa, a base é amorfa, flácida,
renitente, chantagista e sólida como uma geléia.
Nela, perdemos nossa identidade e
levamos ao desânimo e à exaustão os que permanecem firmes, que passam a ser
vistos como radicais e dissolventes. Dizemos à vanguarda: juntem-se ao atraso e não aborreçam!
A pretensão à unanimidade, para não
reproduzir a frase célebre de Nélson Rodrigues, é uma armadilha perigosa.
Para sermos aceitos por todos é
preciso sermos nada e não sermos o que somos: transformadores.
Pior ainda, é precária, porque
entregamos aos nossos adversários o “poder” de nos legitimar – paradoxalmente, porque isso veio justamente
do confronto vencido com eles – e eles, cedo ou tarde, nos tirarão a
legitimidade.
A história é pródiga em exemplos.
Jango recuperou seus poderes
presidenciais em janeiro de 1963, num plebiscito onde teve 92% dos votos. Menos
de 15 meses depois, foi derrubado por mídia, militares e classe média, diante
de um povo atônito, desmobilizado – ou
tarde demais mobilizado – por não compreender porque o programa reformista
não se definia no Congresso, depois de ter tirado desse e entregue ao
Presidente, o poder conferido pelo voto – e
por tantos votos.
Lula, consagrado em 2002, tratado como
unanimidade nos primeiros anos – em boa
parte graças à política de compromisso expressa na tal “Carta aos Brasileiros”
- balançou em 2005 com a CPI dos Correios e o escândalo no qual a mídia
endeusou uma figura da estirpe de Roberto Jefferson. Salvou-o, nas eleições de
2006, o discurso nacionalista tão recusado antes como “arcaico”, que permitiu
despertar no povo o horror à entrega do país, que jazia inexpresso por anos de
políticas neoliberais.
O que consagrou Lula e conduziu
Dilma ao Governo, senão o significado intrínseco a ambas as figuras, o operário
e a combatente, como capazes de efetivar mudanças, a maior delas a elevação dos
salários e a inclusão de imensas camadas do povo brasileiro no mundo do
consumo, que é o direito moderno da cidadania?
Mas, a seguir, aceitamos
placidamente o discurso de nossos adversários e, talvez agora, nossos algozes.
Deixamos, na busca da unanimidade, a
“faxina” ser o centro de nossa imagem, quando a honradez de nossos propósitos é
que se constitui no cerne de nosso sentido. A governante menos tolerante e
impiedosa com a corrupção que este país já teve é, por conta da necessidade de
a todos agradar, lançada no vórtice de uma generalizada falta de ética e
compromisso popular de políticos e governantes da “base aliada”, onde até mesmo
os que não são assim sentem a necessidade de abrandar-se e “não chacoalhar” o status quo.
Mas isso é reflexão, e reflexão só
tem sentido quando norteia a ação. Somos militantes, não personagens do reino
da quinta-essência de Rabelais, que nos dediquemos a coisas diletantes como
medir o salto das pulgas.
Para podermos prosseguir neste
grande e generoso projeto de mudanças na vida brasileira, para seguirmos
mudando o Brasil, precisamos mudar, também.
Não podemos esquecer que dissemos ao
povo que não tínhamos medo da felicidade, assim como não podemos ter medo das
ruas, embora esteja mais do que evidente a presença de pessoas e conteúdos de direita
e de provocação.
É preciso corresponder ao que
despertamos.
Não basta, no plebiscito, nos
debatermos por questões técnicas – embora
com conteúdo político fortíssimo – como a de voto distrital ou
financiamento de campanhas.
É preciso uma “cara” para o que
significamos.
Essa cara é o enxugamento da
hipertrofia de nosso poder Legislativo, gerada justamente pela ditadura que,
por essa via, dilui e corrompe a representação política.
A rigor, o regime autoritário
“distritalizou” o voto proporcional e fez crescer o paroquialismo e o
fisiologismo do “vou trazer verbas para
nossa cidade”, como sendo essa a missão do parlamentar e não a
representação de ideias e conviçcões. Até nos partidos, internamente, isso
gerou “feudos” e distorções.
A população entende isso claramente
e não foi outra coisa que tornou célebre, a ponto de inspirar música, os “300 picaretas” de que Lula falou, em
1993:
“Há no congresso uma minoria que se
preocupa e trabalha pelo país, mas há uma maioria de uns trezentos picaretas
que defendem apenas seus próprios interesses”.
A reação do Congresso foi violenta e
conseguiram mesmo censurar a execução da música nas rádios. Mas não
conseguiram, nem antes nem agora, tirar das ruas o sentimento de que Lula tinha
razão.
Lula tinha razão e só ele pode
personificar, diante do povo brasileiro, o sentido prático de uma reforma
política. Um congresso mais enxuto e de ideias, que não se perca em mordomias,
paroquialismo e fisiologismo e cumpra sua missão de expressar o desejo de
mudança da população em todos os dias, e não apenas, como agora, conduzido sob
vara pelas ruas.
Só ele pode fazer o que Dilma não
pode, até pela sua condição de Chefe de Estado, fazer.
Ou lutaremos, como ele propôs, como
leões, ou sairemos como coelhos assustados e atônitos.
Perdidos no tecnicismo ou em
constitucionalismos vagos, a mídia conservadora vai pautar o debate e impor as
soluções que lhe garantam, mais até do que agora, o controle do poder
Legislativo.
E, de uma e de outro, continuaremos
refém, por mais que o povo brasileiro nos dê, pelo voto, a sua confiança.
Porque, num instante, essas duas
forças conservadoras nos retirarão desta posição, se não travarmos luta nesses
campos e acharmos que governar é gerir bem, apenas.
Não é, é preciso travar a luta
política.
A qualquer preço, como é o exemplo
mais dramático o Getúlio de 54, que exorcizou o golpe, por 10 anos.
Ou seremos devorados, massacrados,
aniquilados por anos, como fomos em 1964.
A escolha é entre lutar ou morrer,
ninguém se iluda.”
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