Por Renato Simões
“A luta pelo passe livre para estudantes no sistema de transportes
públicos do país e contra aumentos de tarifas é histórica no país e sempre
contou com ampla participação e apoio de petistas.
O que faz da atual onda de manifestações por todo o
país uma excepcionalidade é um conjunto de características conjugadas que a
tornam um elemento importante da presente conjuntura dos movimentos sociais no
Brasil e um tema digno de estudo e aprofundamento.
Apontaria quatro ou cinco dessas características
dignas de nota.
Em primeiro lugar, trata-se de manifestações em que
as formas tradicionais de organização política da juventude - entidades estudantis, sindicatos, partidos -
não possuem uma hegemonia e um comando
(pré-)estabelecido sobre as manifestações. Em oportunidades anteriores, esses
movimentos tinham uma direção mais definida, reconhecida e até certo ponto
previsível. Em outras, as perspectivas autonomistas e/ou movimentistas eram menos
influentes que hoje.
Em segundo lugar, chama a atenção as relações mais
horizontalizadas e descentralizadas estabelecidas no processo de convocação e
realização das manifestações, com fortíssimo uso das redes sociais como elementos de debate político e mobilização
social.
A autonomia
das várias organizações e agrupamentos, quase que colunas do mesmo
movimento, foi verificada em vários momentos das manifestações, como
alternativa à repressão policial em alguns momentos, como protagonista de
iniciativas isoladas em outros.
A composição
social da massa de jovens envolvidas nas manifestações é profundamente
heterogênea, ultrapassando a base tradicional do movimento estudantil e
abrindo-se à participação de múltiplas formas de expressão da juventude, da
juventude da periferia das grandes cidades e estudantes das escolas públicas e
particulares de renda mais elevada.
Outro elemento a destacar é que as formas radicalizadas de luta das
manifestações - a ação direta, a
desobediência civil, a firmeza permanente e outras do arsenal tradicional das
esquerdas e dos movimentos sociais - são exercidas, por um lado, sob
direção das parcelas organizadas em movimentos estudantis e partidos, e, por
outro, com o vigor da primeira experiência, para a amplíssima maioria dos
participantes, de luta social. Episódios isolados de violência, motivados por
pequenos grupos de militantes políticos, infiltrados de direita ou excessos de
novatos, não são novidade em movimentos de massa e muito menos podem definir
sua natureza.
O comportamento
da mídia mantém o tripé de sempre - o
oportunismo de explorar politicamente o movimento de massas como oposição aos
governos do PT, a estigmatização e criminalização dos movimentos sociais e suas
lideranças e a legitimação dos atos de violência policial - mas agrega uma
novidade essencial. Justamente verificando a falta de identidade política e a
ampla participação de jovens cujo senso comum é a rejeição à política, aos partidos e aos políticos em geral, a mídia
privada passa a disputar os rumos do movimento de massas. E o faz de modo a
amplificar as críticas ao governo
central, à gestão Haddad e ao PT, para o que somam tanto o discurso dos
partidos de oposição de esquerda quanto o senso comum da direita, ao mesmo
tempo em que apresenta de forma seletiva lideranças e bandeiras do movimento.
Para esses segmentos da mídia, transformar a insatisfação genérica dos
manifestantes em oposição orgânica e ideológica ao projeto petista e nossos
governos passou a ser uma estratégia perseguida nos últimos dias, tanto na
cobertura dos eventos internacionais em solidariedade aos manifestantes quanto
dos atos pelo país.
Mas há ainda um último ingrediente a destacar, que
nos diz diretamente respeito. A reação
conservadora no meio petista a essas manifestações foi algo sem
precedentes, a começar das autoridades de vários escalões de governo, passando
por parlamentares e dirigentes partidários. Vários petistas fizeram eco à linha
inicial de estigmatização, desqualificação e criminalização das manifestações e
suas lideranças, não só constrangendo a militância petista envolvida
diretamente nas manifestações e nos movimentos sociais, como facilitando o
trabalho antipetista que, nestas ocasiões, confunde e unifica as posições de
esquerda e de direita assacadas contra nós.
Nas ruas, e solidários a eles, milhares de
simpatizantes do PT, eleitores de Dilma e Haddad se perguntaram durante dias
como não manifestávamos solidariedade aos jovens, onde estavam os defensores de
direitos humanos contra a violência policial, como reproduzíamos clichês
conservadores que sempre foram usados contra nós.
Penso que uma reação sadia se instalou no PT a
partir dessa perplexidade coletiva, e permite não só uma autocrítica coletiva
como a necessária correção dessa atitude. As bandeiras do PT não deixaram de
ser erguidas, em pequeno número e timidamente, por jovens e manifestantes que
acreditam que a nossa presença nos movimentos sociais e na luta popular é parte
essencial de nosso passado, de nosso presente e do nosso futuro, pois corresponde
a uma estratégia histórica de construção socialista que corresponde à nossa
própria essência.
A emergência desses movimentos e a irrupção na cena
política nacional e internacional devem ser vistas como fatos positivos a
desafiar nossa reflexão e ação partidária. Disputar rumos desses movimentos,
politizar nossas relações com a juventude, ampliar o diálogo
político-ideológico com os beneficiários das conquistas sociais de nossos
governos e identificar nossas falhas e limitações são atitudes fundamentais que
se esperam do PT neste momento.
Foi-nos fornecida uma oportunidade de enfrentar
temas como a vida nas cidades, os limites de nossas políticas urbanas, nossas
propostas para revolucionar o transporte coletivo na maior cidade e nos grandes
centros metropolitanos do Brasil, seu financiamento e controle social. Temas
para os quais estamos preparados, e para os quais os movimentos sociais sempre
foram nossos parceiros e companheiros.
O protagonismo da juventude brasileira no processo
de transformação social é obstaculizado por décadas de dominação ideológica, de
pregação neoliberal nas telas das TVs e nos bancos escolares, de repressão às
camadas populares e de negação de direitos sociais que começam a ser alcançados
por meio das políticas econômicas e sociais do nosso governo e pela sua própria
luta. Como deixar de reconhecer como salutar que se ponha em movimento e de
chamar esse segmento a um maior processo de debate?
Cabe ao PT entender esse processo, dialogar
positivamente com ele e disputar seus rumos - como, aliás, deve-se fazer com os nossos governos. Essa juventude
que está nas ruas já é parte importante do presente e futuro da luta social no
Brasil.”
FONTE: escrito por Renato Simões, “Secretário Nacional de Movimentos Sociais” do PT.
Transcrito no portal do PT (http://www.pt.org.br/noticias/view/artigo_passe_livremente_por_renato_simoes). [Imagem do Google adicionada por este blog
‘democracia&política’].
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