Por Maíra Magro, do
jornal “Valor Econômico”
“O diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), Wilson Roberto Trezza,
diz que a agência produziu mais de 110 relatórios sobre a Copa das
Confederações e já havia detectado a possibilidade de manifestações no país
meses antes dos jogos. Para cuidar dos grandes eventos, a ABIN criou Centros de Inteligência Regional em cada
cidade sede, comandados por um Centro de
Inteligência Nacional em Brasília. Segundo Trezza, todos os relatórios
foram repassados aos governos estaduais e ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da
República.
O tamanho dos protestos, porém, não foi
dimensionado com antecedência, nem o grau de violência. "Inteligência não é adivinhação, nem
exercício de futurologia", justifica o chefe da ABIN. Ele diz não
saber se a presidente foi pessoalmente prevenida dos protestos, pois a agência
só se reporta diretamente GSI, por meio de seu ministro-chefe, o general José
Elito Siqueira. "Não despacho com a
presidenta."
Valor: A ABIN antecipou que haveria manifestações?
Wilson Roberto Trezza: Por ocasião das avaliações de risco, já havíamos
detectado, há meses, a possibilidade de manifestações. Tempos atrás, nós
alertávamos que haveria a possibilidade de manifestações desse grupo "Copa pra Quem?". Em todos os
lugares do mundo onde se realizou um grande evento, aconteceram manifestações,
não é privilégio do Brasil.
Valor: Outros grupos já tinham sido identificados?
Trezza: Que poderiam participar de manifestações, sim. Mas
essa grande manifestação surgiu, principalmente, de um crescimento
absolutamente inexplicável e inesperado do “Movimento Passe Livre”. Se você me
perguntasse, no primeiro dia, em que 200 pessoas se reuniram, se eu seria capaz
de dizer que, uma semana depois, teríamos 300 mil pessoas na Candelária [no Centro
do Rio de Janeiro], ninguém seria capaz de dizer. Inteligência não é
adivinhação, nem exercício de futurologia, é uma atividade técnica. Você
trabalha com base em dados disponíveis.
Valor: O risco de manifestações nessa proporção e
com atos de violência e vandalismo chegou a ser comunicado ao governo federal?
Trezza: Não chegou a ser comunicado ou estimado com meses
ou anos de antecedência, mas à medida que começou a acontecer o primeiro
evento, a inteligência começou a perceber o potencial de crescimento.
Valor: Alguma informação foi passada à Presidência
da República?
Trezza: Nós temos inteligência para uso tático e
operacional, e temos a inteligência estratégica, de Estado. Esta interessa ao
grande processo decisório. No nível estratégico, elaboramos relatórios de
inteligência. Os dados são encaminhados ao Gabinete
de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, a quem somos
subordinados.
Valor: Como o GSI trata esses dados?
Trezza: O GSI difunde os dados para as áreas que têm
responsabilidade sobre esses assuntos. Determinado assunto pode ser de
interesse de um ou outro ministério, da Casa Civil, da Presidência da
República... Vai depender da avaliação do GSI.
Valor: Como essas manifestações representam um
risco político, não seriam objeto de interesse da Presidência?
Trezza: Eu posso encaminhar o relatório de inteligência
para o ministro-chefe do GSI e ele entender que não precisa, necessariamente,
entregar o relatório, ou ele pode reportar o fato à presidenta da República.
Agora, se me perguntar quais dos cento e poucos relatórios que produzimos foram
encaminhados, ou se sentaram pra conversar, não sei dizer.
Valor: O senhor não sabe se a presidente estava a
par dessa situação de dimensões inesperadas?
Trezza: Ainda que a presidenta não recebesse nosso
relatório, se quatro ou cinco ministros envolvidos na questão receberem, isso
será objeto de deliberação. Essas informações foram trocadas com todas as
estruturas envolvidas com os grandes eventos.
Valor: Como é essa estrutura?
Trezza: Hoje, temos três grandes estruturas envolvidas com
os grandes eventos: a Secretaria
Extraordinária de Segurança para Grandes Eventos, do Ministério da Justiça,
que cuida de todos os aspectos voltados para a segurança pública, além das
áreas estaduais e federais de segurança. Eles criaram Centros Integrais de Comando e Controle, um nacional e centros
regionais para cada cidade sede. A Defesa criou Centros de Comando de Defesa de Área, nas cidades sede, em que
participam Exército, Marinha e Aeronáutica. Nós criamos um modelo semelhante,
um Centro de Inteligência Nacional,
na ABIN, em Brasília, em que estão todos os representantes do Sistema Brasileiro de Inteligência,
composto por 35 órgãos representantes de 15 ministérios, e também temos a
presença de órgãos da segurança e da defesa. E criamos, em cada cidade sede, um
Centro de Inteligência Regional, para
o qual convidamos, inclusive, o município, como a área de trânsito, a guarda
municipal...
Valor: A Copa das Confederações transformou-se em
vitrine para os protestos. O que a ABIN já produziu em relação à Copa das
Confederações?
Trezza: Já produzimos mais de 110 documentos. A
inteligência é sempre a primeira que começa a funcionar. Instalamos nossos
centros no dia 15 de maio deste ano. A partir de 10 de junho, começamos a
trabalhar 24 horas por dia. Durante o evento, fazemos avaliação de risco
"a quente".
Valor: Como foram usados esses relatórios?
Trezza: A ABIN difundiu todos os relatórios para todas as
áreas de segurança e defesa. Uma das competências em relação à Copa das
Confederações é elaborarmos uma avaliação de risco. De 2011 para cá, fizemos
uma média de oito para cada cidade-sede. As avaliações de risco que fizemos um
ano atrás, seis meses atrás, foram encaminhadas, e em alguns casos eu estive
pessoalmente com o ministro-chefe do GSI, e entregamos nas mãos dos
governadores de Estado. A ABIN tem uma superintendência em cada Estado e os
órgãos dos Estados foram convidados a trabalhar conosco.
Valor: Que tipo de risco foi identificado?
Trezza: Temos dificuldade, por exemplo, com vias de
acesso, em eventual necessidade de evacuação do estádio. De maneira geral, os
estádios no Brasil não foram concebidos para os grandes eventos, alguns ficam
no centro da cidade. O que fazemos é prever todas as situações que poderiam
configurar risco ou dificuldade, e sugerimos soluções para mitigar ou eliminar
o risco. Levantamos potenciais vulnerabilidades das infraestruturas
estratégicas, na rede hoteleira, nos trajetos percorridos pelas delegações, nos
centros de treinamento, nos estádios.
Valor: Havia alguma previsão da possibilidade de
vaia à presidente Dilma na abertura da Copa das Confederações, em Brasília?
Trezza: Havia. Isso aconteceu no Panamericano, já virou
praxe. Mas eu acho que as pessoas estão dando uma importância muito grande para
a vaia. Eu estava no estádio; o público vaiou até a seleção brasileira.
Qualquer pessoa que estivesse responsável pela abertura do evento,
possivelmente, seria vaiada.
Valor: Essa previsão foi comunicada diretamente à presidente?
Trezza: Eu não despacho com a presidente da República.
Valor: O senhor comunicou ao GSI?
Trezza: Sim, nós conversamos sobre esses assuntos durante
reuniões, todo dia temos reuniões. Certamente, deve ter chegado.
Valor: Há relatos de que a presidente estaria
descontente com os órgãos de inteligência e de segurança.
Trezza: Eu li isso nos jornais e, logicamente, tentei me
inteirar. Nunca me reportaram isso e ninguém nunca confirmou.
Valor: Não há desgaste?
Trezza: Quero acreditar que não. Nunca fui comunicado de
qualquer tipo de desgaste.
Valor: O fato de o GSI não ter sido chamado para
discutir respostas do governo às manifestações foi interpretado como sinal de
descrédito, de que a inteligência do governo não funcionou.
Trezza: O que eu percebo é que a presidenta não quer
envolver o gabinete pessoal nessas questões. O GSI faz a segurança pessoal, não
se envolve na segurança das manifestações ao redor dos estádios.
Independentemente dessa decisão tomada em nível político, o GSI é um gabinete
técnico, ele não deveria, necessariamente, estar lá. É uma decisão da
presidenta, só ela poderia dizer, mas interpreto dessa maneira.
Valor: Como a ABIN monitora as manifestações?
Trezza: Temos profissionais colhendo dados por uma série
de formas. Saindo à rua, através do que acontece nas redes sociais, pelo
sistema [de inteligência], ou informantes. Também, recebemos denúncias, até
anônimas.
Valor: A ABIN criou um grupo para monitorar as
redes sociais por causa das manifestações?
Trezza: Que nós tivemos que montar às pressas um grupo
para monitorar redes sociais? Não tem nada disso.
Valor: Tem um grupo de monitoramento permanente?
Trezza: Não temos uma área específica na ABIN que passa o
dia inteiro na frente do computador fazendo isso. Em cada área de inteligência,
se o profissional tiver a necessidade de consultar informações nas redes
sociais, ele vai lá e faz essa observação, volta e continua seu trabalho.
Valor: E-mails e comunicações privadas são
monitoradas?
Trezza: A rede social se tornou hoje um espaço público de
divulgação. Se olhar o que está sendo veiculado na rede é monitoramento, digo
que nós fazemos. É diferente de entrar no seu e-mail, Facebook; isso nós não fazemos.
Valor: As manifestações continuarão ocorrendo?
Trezza: Pelos dados que temos hoje, continuarão. Mas
amanhã, dependendo das medidas adotadas pelo Congresso e pelo Executivo, isso
pode não ser mais verdadeiro. Temos previsões de grandes paralisações do início
de julho até o dia 10 a 13.
Valor: O pacto anunciado pela presidente ajuda?
Trezza: Quando a presidente recebeu, em tese, os representantes
dos movimentos, você percebeu que, já no dia seguinte, as manifestações não
foram tão intensas. Mas o que não cai de intensidade, porque não depende de
atender ou não os anseios da sociedade, é aquele grupo que comparece para fazer
vandalismo, cometer atos de ilegalidade.
Valor: Há infiltração de grupos criminosos
organizados nesses protestos?
Trezza: Existem alguns informes, nos quais o grau de
certeza não é absoluto, de que facções também querem se aproveitar desses
movimentos para desenvolver suas ações... No Rio, a própria área de segurança e
defesa percebe que a criminalidade organizada e milícias se aproveitaram desses
movimentos para desenvolver algumas atividades, atos de vandalismo, saques...
Em São Paulo, também. Mas, se me perguntar se isso se confirmou, não posso
garantir. Nosso papel é alertar sobre a possibilidade.
Valor: Qual a estrutura e o orçamento da ABIN hoje?
Trezza: O efetivo é uma informação estratégica. O
orçamento beira R$ 600 milhões por ano, está publicado no "Diário Oficial
da União". Retirando despesas com pessoal, sobram pouco mais de R$ 50
milhões. Se você dividir por 12 meses, 26 superintendências e mais as pessoas
no exterior, vê a mágica que temos que fazer.
Valor: A estrutura é insuficiente?
Trezza: Precisaríamos de estrutura melhor. Já trabalhei em
várias áreas de governo e na iniciativa privada, e todo mundo luta para ter
mais efetivo. Agora, o Brasil é o único país no mundo onde o recrutamento para
a inteligência é feito por concurso público.
Valor: É um problema?
Trezza: Acho que realizamos o sonho de qualquer serviço de
inteligência, o de infiltrar alguém no serviço do outro, mesmo os amigos. Como
aqui trabalhamos com concurso público, basta você recrutar alguém aí fora com
boa formação acadêmica e pedir que faça o concurso da ABIN.
Valor: Então há agentes estrangeiros infiltrados na
ABIN?
Trezza: Não estou dizendo isso. Temos uma área de
contraespionagem. Toda vez que fazemos um concurso público, temos que fazer um
acompanhamento, e no nosso edital está prevista uma investigação social antes de
a pessoa entrar. Já tivemos indícios de tentativa de aproximação de serviços de
inteligência de outros países a candidatos ao concurso da ABIN, mas
identificamos com antecedência e não se concretizou.
Valor: A nomeação de outros funcionários do governo
federal passa pela ABIN?
Trezza: As nomeações para cargos públicos, a partir do
DAS-4, passam por aqui. A Casa Civil submete os nomes e fazemos [a checagem].
Mas ela não é obrigada a mandar.
Valor: Que tipo de investigação é feita,
exatamente?
Trezza: Levantamos dados disponíveis sobre a pessoa, como
a existência de processos administrativos ou judiciais, além de informações do Sistema Brasileiro de Inteligência.
Valor: Nos Estados Unidos, fazem um "background
check" em que entrevistam até vizinhos...
Trezza: Se necessário, podemos fazer entrevistas. Mas a ABIN
não barra nenhuma nomeação, somente coleta os dados.
Valor: A ABIN tem quantas subunidades no país?
Trezza: Já chegamos a ter 12 e hoje estamos com cinco, em
municípios considerados estratégicos: Tabatinga
(AM), na Amazônia; Foz do Iguaçu
(PR), por causa da tríplice fronteira; Campinas
(SP), porque é um polo de desenvolvimento de indústria, tecnologia. Temos ainda
uma em São Gabriel da Cachoeira (AM),
uma região de fronteira; e outra em Marabá
(PA), criada na época de grandes problemas com o garimpo. Há preocupações com o
tráfico de entorpecentes, de armamentos, a entrada de estrangeiros,
desmatamento, garimpo em terra indígena ou em outras áreas, contrabando de
pedras...
Valor: E a hidrelétrica de Belo Monte?
Trezza: Todas as obras do PAC são de interesse do Estado
brasileiro, e se pudermos contribuir com informações sobre algo que ameace a
concretização dessas obras, produzimos relatórios de inteligência.
Valor: Os que protestam contra essas obras são
monitorados, como os índios?
Trezza: Nós não fazemos monitoramento de pessoas, a não
ser que esteja fazendo algo ilegal. Se eu tiver que dizer que você participou
ou está promovendo uma manifestação contra a construção da hidrelétrica de
Tapajós, eu vou dizer. Agora, para isso, não preciso acompanhar sua vida,
monitorar seu telefone, sua internet, fazer alguém se passar por outra pessoa
para se aproximar de você. Às vezes, a informação é importante até para saber
com quem se comunicar, quem chamar para um diálogo.
Valor: A ABIN tem equipamentos para grampos
telefônicos, como o Guardião?
Trezza: Não. Por lei, somos proibidos de fazer
interceptação de comunicações e escuta ambiental. Tenho equipamento de
varredura, inclusive para a própria defesa.
Valor: Como foi a operação da ABIN no porto de
Suape, em Pernambuco, que teria identificado que um movimento sindical ligado
ao governador Eduardo Campos (PSB) poderia fazer uma greve geral?
Trezza: É uma coisa absolutamente fantasiosa. Quem está te
falando é o diretor-geral da ABIN e isso não aconteceu.
Valor: Quatro agentes da ABIN foram presos?
Trezza: Os quatro agentes nem estiveram no porto no dia 11
de abril. Tanto o GSI quanto a ABIN emitiram notas públicas a respeito do fato.
Nós temos uma postura e um valor. A atividade de inteligência, por definição,
tem que ser apolítica e apartidária. Nós não temos a inteligência do PT, como
não tínhamos a do PSDB; nós temos a inteligência de Estado, que está à
disposição dos sucessivos governos. Fazemos questão absoluta de não ter
envolvimento político.
Valor: Mas esses agentes foram ao porto de Suape
alguma vez?
Trezza: Sim, já foram. Mas eles nunca estiveram no porto
os quatro de uma só vez.
Valor: O que eles foram fazer?
Trezza: Infraestrutura estratégica é um dos motivos de
acompanhamento estratégico da inteligência.”
FONTE: reportagem de Maíra Magro, do jornal “Valor”.
Transcrita no portal da FAB (http://www.fab.mil.br/portal/capa/index.php?page=notimp)
. [Imagem do Google adicionada por este
blog ‘democracia&política’].
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