PARA AONDE VAI A ONDA DAS MANIFESTAÇÕES?
Por Pablo Villaça, no “Diário de Bordo”
“Hoje, participei da manifestação que ocorreu em
Belo Horizonte e sinto-me à vontade para dizer algo: Geraldo Alckmin conseguiu o que queria e entrou para a História do
Brasil. Não como sonhava entrar, mas seu nome já está garantido ao menos
como nota de rodapé nos livros didáticos.
Explico: até
a noite de quinta-feira, 13 de junho, o movimento que ocorria pontualmente ao
redor do Brasil em protesto ao aumento das passagens de ônibus era algo
relativamente difuso, sem muito potencial para crescimento. Havia duas
opções de desfecho: as passagens seriam
reduzidas (como ocorreu em Porto Alegre) e tudo voltaria ao normal ou eventualmente a negativa das empresas e do
governo deixaria claro que nada poderia ser feito quanto à questão. No
entanto, a partir do instante em que Alckmin agiu como Alckmin (e Serra) e
ordenou que a PM reprimisse a manifestação popular com força desproporcional,
catalisou um processo que talvez levasse um tempo infinitamente maior para se
cristalizar. Ninguém gosta de um ‘bully’ – e o governo tucano,
como já havia se mostrado em tantas outras ocasiões (com professores da rede pública, estudantes da USP, habitantes do
Pinheirinhos e até mesmo com a Polícia Civil), não hesita em se entregar
ao ‘bullying ‘sempre que questionado.
Desta vez, porém, Alckmin errou feio seu cálculo e
criou um monstro que se espalhou por todo o país. A partir de quinta-feira, a
questão definitivamente já não girava mais em torno de 20 centavos ou mesmo do
transporte público livre; era uma questão de cidadania. E, como tal, deixou
também de ser algo contra o governo tucano ou a prefeitura petista, passando a
ser um grito de revolta generalizado, um berro de “chega!”.
Mas “chega” o quê?
E foi essa pergunta que vi tantos jovens se fazendo
durante o manifesto em BH – mesmo que não
percebessem o questionamento. Assim, voltei para casa feliz por testemunhar
o despertar de uma juventude repleta de potencial, mas também inquieto por
perceber claramente que ela não tem ainda uma ideia muito clara do que está
fazendo ou de como prosseguir.
O que resulta numa combinação muito, muito
perigosa.
(Aqui, peço
licença para um breve ‘flashback’ pessoal para estabelecer por que me julgo
detentor de certa experiência para discutir a questão: em 1992, depois de
fundar e presidir por dois anos o grêmio do colégio no qual estudava – ‘Promove
Savassi’ -, fui eleito em assembleia estudantil como líder do movimento
secundarista no ‘Fora Collor’. Como tal, participei da organização das
manifestações em Belo Horizonte, discursei em carro de som na Praça da Liberdade
e na Praça Sete e fui o rosto de meus colegas sempre que uma entrevista à
imprensa era necessária – e certamente há fitas embaraçosas nas emissoras
mineiras que trazem meu rosto moleque tentando parecer sério enquanto discute
os motivos que tornavam necessária a saída do Presidente. Na época, fui um dos
estrategistas do movimento em Minas, ajudando a decidir datas, locais e focos
de protesto – e mais tarde presidiria o DA da faculdade até abandonar o
movimento estudantil ao perceber que precisava me focar nos estudos. Não sou,
portanto, um mero palpiteiro, creio eu. Fim do ‘flashback’.)
Ao caminhar entre a multidão de milhares de pessoas
no sábado, percebi duas coisas muito óbvias: uma imensa empolgação e uma preocupante falta de foco.
Os protestos foram contra a PEC 37 (a favor do PGR Gurgel?), segundo repetia a Globo na noite de 2ª feira
A primeira é fácil compreender: há anos a juventude não ia às ruas – e,
como toda geração, eventualmente era inevitável que ela se questionasse acerca
de sua própria revolução. A geração anterior teve o “Fora Collor!”; antes
dessa, houve a luta contra a Ditadura. O que a geração pós-anos 90 tinha para
protestar, porém? Quando e como poderia extravasar o impulso rebelde que faz
parte do DNA jovem e que é algo tão belo e fundamental para o avanço da
Humanidade?
Os últimos dias trouxeram essa oportunidade – e não é à toa que um jovem amigo pelo qual
tenho imenso carinho me enviou uma mensagem por telefone na qual dizia, em
parte, “estar em êxtase” após a passeata. Como não estaria? Lembro-me de
meus dias de líder estudantil e ainda sinto o calor nostálgico da sensação de
dever cumprido: como tantos antes de mim, eu estava deixando minha marca na
História.
É um sentimento lindo, único, precioso. E sinto-me
privilegiado por ter testemunhado o brilho que esse [sentimento] trouxe aos
olhos de tantos jovens hoje em Belo Horizonte. Eu olhava ao meu redor e via esse
êxtase em todos os rostos lisos que me cercavam – e sentia a vontade de
abraçá-los com força e dizer: “Eu sei. É
lindo, não é?”.
Sim, é lindo.
Mas eu também me sentia inquieto ao observar que,
ao lado da euforia, havia uma clara dispersão de objetivos. Assim, puxei papo
com vários jovens e observei atentamente os cartazes que carregavam.
“Pela
humanização das prostitutas!”
“O corpo é
meu! Legalizem o aborto!”
“Fora,
Lacerda!”
“Viva o
casamento gay!”
“Passe Livre
já!”
“Passagem a
2,80 é assalto!”
“Pelo fim da
PM no Brasil!”
“Cadê a Dilma
da guerrilha?”
“Fuck you, PSTU!”
“Aécio NEVER!”
“Não à Copa
no Brasil!”
E por aí afora. Era um festival desconjuntado de
causas, ideologias e revoltas. Os cartazes tratavam dos sintomas, não da doença
– e ao berrarem os sintomas pelas ruas de
BH em vez de identificarem a patologia que os provocavam, aqueles jovens
pareciam felizes, sim, mas também um pouco perdidos.
Passei a caminhar silencioso pela multidão. Sentia
a energia gostosa, positiva, da ação juvenil, mas mergulhava cada vez mais em
uma reflexão preocupada sobre o que via. Seria apenas um sinal dos tempos? Uma
revolução do tempo das redes sociais, nas quais você pode “curtir” uma
mensagem, uma causa, a cada segundo? Havia, sim, um componente de ‘hiperlink’ até
nos bordões cantados pela massa: um
refrão sobre os ônibus levava a outro sobre a PM que levava a outro sobre a
Copa que levava a outro sobre Lacerda que levava a outro sobre…
… sobre o quê?
Ao chegar em casa, manifestei esta dúvida no
Twitter e alguns jovens imediatamente responderam: “Ninguém nos representa!” e “Sim,
estamos contra tudo!”.
Mas “estar
contra tudo” não é ideologia.
E sem ideologia não há movimento que se sustente.
Ou, no mínimo, que se sustente de maneira consistente – o que abre espaço para a manipulação.
Foi isso, enfim, que me angustiou profundamente.
Vivemos em tempos perigosos: a direita religiosa se
torna cada vez mais influente e as grandes empresas da mídia já perceberam que
o PSDB não é uma oposição viável – e,
assim, decidiram ser elas mesmas a Oposição. Não é à toa que, contradizendo
todos os índices econômicos divulgados por órgãos independentes, a “Globo”, a “Foxlha”,
a “Veja” e o “Estadão” vêm pintando um quadro de instabilidade crescente: inflação alta, dólar alto, PIB decrescente e
por aí afora, pintando um país em crise que, sejamos honestos, não corresponde
ao que vemos todos os dias nas ruas.
Enquanto isso, o aliado histórico dos movimentos
populares, o PT, parece ter se esquecido de suas origens: tímido em sua resposta à brutalidade da PM, Haddad apenas embaraçou-se
ao relativizar os excessos da polícia – e sua proposta de se reunir com as
lideranças do ‘movimento Passe Livre’ vem tardio, já que essas já não
representam mais as massas na rua. Enquanto isso, Dilma é vaiada num estádio
lotado por representar o poder – mesmo
que ela, há pouco tempo, tenha oferecido subsídios justamente para diminuir as
passagens de ônibus que, ironicamente, serviram como estopim da revolta.
Ora, se o PT não é visto mais como representante
popular pelos manifestantes (e nem tem
projeto que o aproxime da juventude) e o PSDB é claramente a mão pesada da
repressão, para onde os jovens podem se voltar? Além disso, como não têm uma
causa específica a defender, esses empolgados rapazes e moças criam um problema
impossível, já que não há solução viável que os acalme. Como resultado, surge
apenas um clima imponderável de insatisfação política generalizada – um clima complexo, intenso, raivoso e insolúvel.
É desse tipo de contexto que nascem os golpes.
E essa não seria uma solução que desagradaria os
barões da mídia – lembrem-se das
manchetes do “O Globo” pós-golpe em 64.
Claro que essa não é a única resolução possível
para o quadro que se desenha. Uma revolução sem foco é uma revolução em busca
de um líder, de um emblema, de uma figura messiânica. E não há, hoje, uma
estrutura política mais equipada para preencher este vácuo que a direita
religiosa.
A guinada reacionário-fascista, portanto, é uma possibilidade
nada absurda para esse movimento que nasce tão bem intencionado.
Isso, aliás, é que me deixa tão preocupado: os jovens que vi hoje na rua eram… lindos.
Lindos. Felizes em seu papel democrático, acreditavam estar desempenhando
uma função histórica fundamental. E estão. Mas se não surgir um foco para essa
embrionária revolução, o perigo para que ela se desvirtue e seja cooptada pelo
que temos de mais reacionário, conservador, atrasado e estúpido é real e
imediato.
E veríamos, então, a destruição dos resultados
trazidos por dez anos de um projeto político voltado de forma inédita para o
crescimento social dos miseráveis. Ninguém duvida que, do ponto de vista
social, o Brasil de 2013 seja infinitamente melhor que o de 2003. Mas se essa
massa juvenil maravilhosa não encontrar o foco necessário, corremos um grande
risco de regressarmos a 1993 [que levou aos trágicos anos FHC/PSDB].
Foi isso, afinal, que me deixou tão triste após uma
tarde de alegria ao lado daqueles admiráveis jovens.”
FONTE: escrito por Pablo Villaça, no “Diário de Bordo”.
Transcrito no blog “Escrivinhador” (http://www.rodrigovianna.com.br/outras-palavras/para-onde-vai-a-onda-das-manifestacoes.html#more-19862). [Imagens do Google e trecho entre colchetes adicionados por este blog ‘democracia&política’].
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