Por Rodrigo Vianna
“A velocidade é assustadora e ao mesmo tempo
fascinante. As “Rebeliões de Junho” – um dia
talvez elas sejam chamadas assim – mudam de significado dia após dia. O que
apenas reforça a tese de que o ganhador não está definido – de saída. A história se escreve
agora nas ruas, mais do que nas redes ou nos gabinetes. E isso me faz lembrar o
que dizia um velho professor marxista, com quem eu tinha até várias
discordâncias: “os líderes políticos fazem muitos discursos, os intelectuais
escrevem demais, mas a História se escreve mesmo é na ponta das baionetas” (Edgard Carone).
No Brasil de junho de 2013, não chegamos às
baionetas. Mas a história se escreve com a sola dos sapatos de quem vai às
passeatas. E com a inteligência de quem consegue ler rapidamente os movimentos
que se alternam. Vejamos. As manifestações, de início, ganharam as grandes
cidades brasileiras com uma pauta de “esquerda” muito específica: transporte mais barato. A direita ficou
atônita? Jabores e Geraldos pareciam perdidos e, na dúvida, saíram batendo (a PM paulista atuou de forma inacreditável
na quinta, dia 13 de junho). Parte do petismo também se confundiu: quem são esses meninos provocadores?
Sinal de esclerose dos velhos atores…
Em seguida, os conservadores mais inteligentes perceberam
a janela de oportunidade: a rua podia
colocar Dilma e o PT em xeque. E isso se fez. Na quinta (dia 20), a
esquerda foi chutada da Avenida Paulista, numa manifestação que deveria ser do
MPL para comemorar a redução das tarifas. Mas o MPL perdera a tal hegemonia.
A “Globo” havia encampado as manifestações – como “grande festa cívica”. “Abaixo
os partidos” era o lema. E queria dizer, basicamente: “abaixo o PT”, e “abaixo a esquerda”. Parecia anunciar a vitória inexorável da
direita.
Não. Movimentos sociais se articularam, sindicatos
e partidos aprontaram o contra-ataque. E a maioria silenciosa já
desconfiava de certa minoria que tentava botar fogo no país. Na sexta (21
de junho), o MPL ameaçou sair das ruas. Depois voltou atrás. Idas e vindas. Mervais
e outros que tais também estavam confusos.
Na segunda (24), era Dilma que recuperava a
iniciativa. Foi só há dois dias, mas parece há muito tempo! A presidenta “escutou o clamor das ruas” e, em vez de
se sentir acuada, trucou: ok, vamos à
Reforma Política. Escolheu a Constituinte, que foi logo contestada por uma
direita apavorada com o destemor da presidenta.
Chegamos a 25 de junho. Dilma recua: deixemos Constituinte pra lá. Derrotada?
Não. A bomba segue no colo dos peemedebistas que controlam o Congresso e nas
mãos da oposição que agora teme as ruas: está certo, não há acerto para uma
Constituinte, mas Plebiscito se fará – disse o governo. E assim abre-se a porta para a Reforma Política. Pauta
do PT e da esquerda.
Quer dizer que os
conservadores perderam? Também não. Muito cedo para dizer.
No Brasil, agosto (com Janio e Vargas) costuma ser
“o mais cruel dos meses”. Mas junho,
a partir de 2013, passa a ser o mais longo… Cinco dias parecem uma
eternidade.
Quem vai definir a pauta da Reforma que se desenhará?
O povo, num Plebiscito. Quais os pontos
defendidos por PT, Dilma e boa parte do campo lulista? Financiamento público de campanha e voto em lista para o Legislativo
(o que fortalece os partidos; e fortalece,
sobretudo, o PT).
Mas quem disse que a pauta do PT vai ganhar no
Plebiscito?
Uma coisa é o povão ter escolhido Lula e Dilma
(2006 e 2010), mesmo sob intenso bombardeio da velha mídia. Outra coisa é
aprovar uma Reforma que pode ser “carimbada” como “petista”.
Esperem para ver. Em 2 ou 3 dias, JN da Globo,
comentaristas, colunistas, radialistas… a tropa midiática estará
contra-atacando:
- “financiamento
público é entregar dinheiro do povo pros políticos” (como se financiamento
privado de campanha não fosse uma fonte de corrupção tremenda, a transformar
mandatos em centros avançados de defesa de interesses privados – vimos bem na
MP dos Portos);
- “voto em
lista é cassar o direito do povo de escolher seu representante, é abrir caminho
pra ditadura dos partidos, ou seja, ditadura do PT, chavismo etc e tal”.
2006 e 2010 mostraram que a pedra que bate no
centro do lago (ali está a velha classe
média “formadora de opinião”) não faz mais a onda chegar às margens (onde está o povão beneficiado pelos anos de
lulismo). Isso garantiu vitórias de Lula e Dilma. Mas e o PT?
A Reforma Política, se for carimbada como “reforma
do PT”, estará derrotada. Precisa ser a reforma do povão. Ampla, democrática.
A velha mídia, que Lula e Dilma evitaram
confrontar, terá força para pautar a Reforma Politica? Talvez sim. Os dois
pontos que o PT e aliados devem encampar estão na contramão da campanha
fortíssima que – a partir da velha mídia
– espraiou-se pelas redes sociais e pelas ruas, transformando os “políticos” em
fonte de todo o mal durante as rebeliões de junho. Poder financeiro?
Corruptores do sistema político? Isso não existe.
A despolitização dos últimos 10 anos torna difícil
ganhar esse jogo. Claro que a massa trabalhadora ainda confia em Lula e Dilma.
Mas os filhos da massa trabalhadora (jovens
da tal Classe C), somados à velha classe média antitrabalhista e
antiEstado, podem adotar a pauta pós-moderna e conservadora: voto distrital (“um deputado pertinho de você” – vejam que slogan fácil), candidatos avulsos sem partido (Joaquim
Barbosa e outros aventureiros estão preparados para avançar no vácuo) e financiamento privado (afinal, o que
vale é o esforço de cada um, viva a iniciativa privada!).
Dilma virou o jogo, provisoriamente. Mas a batalha
será longa. Não adianta Dilma dizer que “basta
trocar de canal”. O canal é um só: “abaixo
os políticos”, “abaixo os partidos”, “viva a força do gigante que acordou”.
Se essa pauta prosperar, o Plebiscito terá virado a favor da direita.
Como desfazer essa pauta? Com Política e disposição
para enfrentamento. Dilma e Lula precisam acreditar: o tempo dos acertos de gabinete acabou. O arranjo lulista acabou.
Nesse campo, é mais fácil o PMDB se acertar com a “Globo”, com o PSDB e o DEM
para aprovar o voto distrital.
O arranjo lulista acabou, mas a Era Lula (goste ou
não Serra) não está encerrada. A esquerda e o que sobrou de um PT combativo
podem ganhar a batalha se entenderem que a história hoje se escreve na rua. Sem
voluntarismo, sem arrogância.
Os tempos são outros. São tempos das “rebeliões de
junho”. Um dia, elas estarão nos livros de história. Por enquanto, são história
a se fazer.”
FONTE: escrito pelo jornalista Rodrigo Vianna em seu blog “Escrivinhador”
(http://www.rodrigovianna.com.br/palavra-minha/rebelioes-de-junho-o-mais-longo-dos-meses.html#more-20235). [Imagem do Google adicionada por este blog
‘democracia&política’].
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