Do “Jornal GGN”
“Era um oceano de jovens. No
meio, os não-jovens sumiram – estavam lá como lembrança de ontem, com suas
convicções democráticas intocáveis, indignados com a violência policial da
semana anterior, com o conservadorismo político e com a pesada herança do
passado autoritário que estava por trás de cada bomba de efeito moral e cada
bala de borracha atirada pela polícia contra um jovem. Mas aquele não era o
lugar para pessoas maduras. As ruas de São Paulo foram o endereço dos jovens na
última segunda-feira – e naquele palco, o recado que deram em cada pedaço de
papel empunhado como cartaz, cada um como parte de um mosaico caótico de
miríades de reivindicações e protestos, é que o sistema político está velho.
Estava velho antes. Envelheceu ainda mais, com maior velocidade, nas últimas
semanas em que os jovens ocuparam as ruas.
As ruas tornaram-se espaço para
cada um manifestar desconfortos particulares, grandes incômodos: contra o aumento
das passagens, a educação ruim, a corrupção, a polícia de Geraldo Alckmin, a
política – “nenhum partido me representa”, diziam vários desses
cartazes-recados, tolerados pela multidão que impediu os partidos de empunharem
suas bandeiras nas manifestações. Daí, no entanto, a atribuir ao movimento a
negação da política, vai uma grande distância. O “Movimento pelo Passe Livre”
foi o estopim de uma coisa maior: quando catalisou insatisfações, expôs uma
enorme fragilidade da atual democracia.
A reclamação implícita em cada
palavra de ordem é que a democracia não incorporou os jovens no jogo político
porque está ultrapassada. Os políticos fizeram partidos na abertura política,
forjaram novas lideranças e elas se consolidaram nas estruturas de poder sem que
abrissem espaço para ingresso dos que chegavam à vida adulta. As estruturas
partidárias não renovaram ideias, bandeiras, ideologias. O sistema, que obriga
a formação de grandes coalizões e a grandes concessões em bandeiras que
envolvem temas “morais” (como aborto, união de homossexuais etc), não é
inteligível por essa faixa da população. Cada avanço social que ocorreu nos
últimos dez anos teve como correspondência – na melhor das opções – uma
estagnação na agenda de direitos de minorias, rechaçada por aliados
conservadores ou bancadas religiosas. Cada vez que um programa social como o “Bolsa
Família” produz a autonomia da família miserável em relação ao chefe político
local, o poder do coronel é reforçado pela aliança que une, na esfera federal,
o PT e os partidos de esquerda ao PDS, PMDB, PP, PR ou qualquer que seja.
O Partido dos Trabalhadores
sofreu grandes transformações desde a sua fundação, em 1979. Passou pelo
pragmatismo necessário para chegar ao poder pelo voto. Uma vez no poder, teve
que usar de pragmatismo para formar maiorias. Os últimos dez anos consolidaram
grandes conquistas sociais e econômicas que não teriam acontecido sem o apoio
militante do partido aos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma
Rousseff. Todavia, quatro anos de enquadramento definitivo das bases
partidárias à realidade eleitoral – de 1994 a 1998 – e dez anos no
governo consolidaram o domínio de uma aliança interna que se tornou amplamente
majoritária, tem o controle das decisões partidárias e é o elo de ligação da
máquina petista com o governo. As velhas lideranças também firmaram suas
posições dentro do partido e no governo por meio de mandatos eletivos - e
hoje, conseguem esses mandatos, salvo honrosas exceções, com a mais prosaica
política eleitoral. O sistema político tradicional engoliu a única
estrutura partidária que, em sua origem, foi criada como partido de massas. Não
existe possibilidade de ingresso e ascensão dentro da máquina para os novos.
Os pequenos partidos que se
formaram como dissidências do PT à esquerda, como o PSTU e o PSOL, mantêm-se
com pouquíssimo apelo a uma massa jovem que está à procura de portas de entrada
para a militância política. As organizações são feitas ainda à imagem e
semelhança de velhos partidos de esquerda. A linguagem deles não corresponde a
de uma geração que quer fazer política, mas não leu Marx, nem Lênin, nem
entende a razão de precisar de um manual de política para ser contra o aumento
do ônibus e a favor da descriminalização do aborto; contra os projetos
homofóbicos da bancada evangélica e a favor do casamento entre pessoas do mesmo
sexo; contra os políticos, mas a favor da democracia. O maior partido de
oposição, o PSDB, trilhou um caminho do elitismo quase sem volta, quando
entendeu como único caminho para a disputa pelo poder nas urnas a via da
direita. Sempre esteve longe de ser um partido de massas - e cada vez mais
se distancia léguas dessa possibilidade.
Nenhum dos partidos em
funcionamento se antecipou à onda de participação dessa geração das redes
sociais, de jovens que se comunicam muito fácil entre si, mas têm dificuldade
de ser escutados pelos outros.
Os partidos, nem do governo, nem
da oposição, não devem ter medo desses jovens. Devem apenas escutar o que eles dizem.”
FONTE: por Maria Inês Nassif, no “Jornal
GGN” (http://jornalggn.com.br/blog/nao-tenham-medo-dos-jovens-apenas-os-escutem). Transcrito no
portal de Luis Nassif (http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/nao-tenham-medo-dos-jovens-por-maria-ines-nassif). [Imagem do Google adicionada por este blog
‘democracia&política’].
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