Do jornal GGN
“O ar aparenta um certo cansaço. Mas os olhos brilham e
Dilma Rousseff é capaz de discorrer por duas horas sem perder o pique sobre seu
tema preferido: o Brasil.
Garante que, no segundo semestre, o país testemunhará o
deslanche das concessões e parcerias público-privadas. Entusiasma-se ao falar
da construção naval, da lei dos portos e de como a reserva do “campo de Libra”
impactará o país.
Criaram-se lendas de que Dilma irrita-se com críticas, a
ponto de romper com o crítico. Não é o que transpareceu na conversa de duas
horas, na quinta-feira no Palácio do Planalto. Mostrou sua visão de país e
informou ter alertado alguns ministros mais suscetíveis sobre a importância de
se dar atenção às críticas fundamentadas.
Um dos interlocutores de Dilma garante que a imagem da
“gerentona” não faz justiça a ela. Segundo ele, poucos presidentes na história
tiveram a visão estratégica de futuro de Dilma. “Ela sempre pensa no país daqui
a 10, 15 anos”, explica o interlocutor. “Não se inebria com resultados
imediatos”.
Tem pressa. Entende que presidentes passam, o país fica. E
quer deixar o máximo possível de sementes plantadas. Talvez explique o fato de
empurrar conflitos com a barriga, ceder em muitos pontos, não parar sequer para
colocar o Ministério em ordem, por não ter tempo a perder para colocar em pé um
trabalho que – segundo sua mesma expectativa – só começará a frutificar daqui a
dez, quinze anos.
E é o que talvez explique a condescendência imprudente com
seu Ministério.
Na hora da operação, esbarra na fragilidade de alguns
Ministros e no acomodamento de outros. Aí, é obrigada a perder parte relevante
do tempo corrigindo problemas operacionais. O álibi “Dilma truculenta” é
invocada por muitos Ministros para justificar sua própria mediocridade e
apatia.
A entrevista revela uma presidente com plena clareza sobre
os caminhos estratégicos do país. Mas, para consolidar sua obra, falta a freada
de arrumação, uma mudança maiúscula no Ministério, uma reestruturação no modo
de gerenciar os Ministros – agrupando núcleos de Ministérios em torno de
algumas figuras-chave, que possam ser a Dilma da Dilma -, uma reformulação na
articulação política. E determinar aos seus Ministros que corram riscos,
busquem iniciativas, demitindo os que se dizem com medo de cara feia.
Ao ouvir o nome do “jornal GGN”, pergunta a relação com o “Grupo
Gente Nova” (GGN), organização de lideranças jovens cristãs, que vicejou em
Minas nos anos 60. O berço do GGN foi Belo Horizonte e, através das freirinhas
do Sion, Dilma e outros jovens faziam trabalho social em bairros pobres,
discutiam política e o “Concílio Vaticano 2” de João 23. O GGN transbordou para
Poços de Caldas, também através de freirinhas - na caso, as dominicanas.
Dilma recorda desses tempos, compara com o que sua neta
encontrará pela frente. E dá o mote para o início da entrevista.
O NOVO PAÍS
GGN – Que país a senhora pretende que nossa geração entregue
para a de nossos netos?
Dilma
- Está vindo por aí uma nova geração totalmente diferente, que encontrará um
país totalmente diferente do que nossa geração recebeu. Nós vamos transformar o
Brasil em um país rico, de classe média. Pessoalmente, acho que essa herança
ficará não apenas eliminando a pobreza, mas conseguindo uma educação de
altíssima qualidade. Só a educação permite um ganho permanente, irreversível.
Por isso, defendo os royalties para educação.
GGN – Qual a próximo ciclo da economia?
Dilma
– A etapa do combate à miséria absoluta está prestes a terminar. Hoje em dia,
existe o “Bolsa Família”, o “Minha Casa Minha Vida”, o apoio ao
microempreendedor, o “Luz Para Todos”. Essa foi a primeira grande leva de
transformações e só tem dez anos. Os frutos ainda nem começaram a aparecer. A
segunda grande leva será a busca da competitividade.
GGN – E as frentes da próxima batalha?
Dilma
– A principal é a Educação, que serve ao lado social e à competitividade. Há um
amplo investimento no PROUNI (Programa
Universidade para Todos), no FIES (Financiamento
Estudantil), na ampliação das escolas técnicas, de universidades e novos
campis. E na interiorização da educação. Levar a educação para o interior muda
padrão de vida de toda uma região.
Os analistas ainda não se deram conta da extensão do
trabalho em educação. Financiamos R$ 1,5 bilhões para o SENAI ampliar a
formação de mão de obra. A PRONATEC (Programa
Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego) da CNI (Confederação Nacional da Indústria) irá
formar 8 milhões de trabalhadores até 2014. O MEC (Ministério da Educação) está entrando com recursos para formação de
técnico para nível médio.
A parte relevante é o treinamento de mão de obra com vários
escalões, até chegar à Tereza Campello (do Ministério do Desenvolvimento
Social). Há várias turmas de filhos do “Bolsa Família” se formando. Já chegam a
um milhão de alunos.
Essa mesma parceria do SENAI estamos fazendo com o SENAR (da
Agricultura) e com o SENAC (do Comércio). O SENAI e o SENAR são os parceiros
mais ativos.
O mais interessante é a quantidade de mulheres que saem do “Bolsa
Família” e se tornam operárias especializadas. Na cerimônia de formação dos
alunos do “Bolsa Família”, a oradora da turma era uma moça que se tornou
eletricista.
OS MARCOS REGULATÓRIOS
GGN – E a outra frente?
Dilma
- A segunda frente são os novos marcos regulatórios. No período Lula, houve o
marco do setor elétrico. Depois, o pré-sal. Como se sabia onde havia petróleo,
com risco menor de prospecção, mudou-se a exploração para o sistema de “partilha”,
para o país beneficiar-se o máximo possível da nova riqueza.
GGN – E a Lei dos Portos?
Dilma
– O marco regulatório dos portos é fundamental. No lançamento, afirmei que
seria a segunda abertura dos portos. A primeira, de Dom João VI, foi para o
comércio com as nações amigas. A segunda, agora, é a abertura para o
investimento privado. Há a necessidade de um padrão de eficiência compatível
com a sofisticação industrial, agrícola e a extração de minérios.
No caso dos portos, ampliar os terminais de uso privado,
deixar quem quiser exportar através de container, sem reserva de mercado, e
ampliar a capacidade de comunicação do país com o exterior.
Na sequência, o desafio será priorizar a cabotagem
(navegação da costa).
Um de nossos principais atos foi o de desobstruir a
infraestrutura. Todo mundo tem o direito de passar. Para não penalizar quem faz
a infra, quem quiser passar paga o mesmo que o concessionária cobra de si
próprio.
A expansão dos portos abrirá um novo mundo, permitindo a
integração com ferrovias, com o transporte aquaviário.
Hoje em dia, temos condições de planejar estrutura
ferroviária, porque os portos são importantes, porque rodovias estão sendo
duplicadas. Eisenhower, quando assumiu o governo norte-americano, duplicou
todas as estradas. Chefiou as Forças Aliadas na Segunda Guerra. Planejou
atravessar a França para chegar e Berlim em determinado prazo. O planejamento
foi em cima da experiência antiga com as estradas francesas, estreitas. Quando
entrou nas autobans, a chegada em Berlim foi abreviada. Aí ele entendeu a
importância das autoestradas. Levou 15 anos para duplicar as estradas
norte-americanas. Nós duplicamos os principais eixos.
O SALTO AGRÍCOLA
GGN – Resolve-se, com isso, o problema do transporte das
safras?
Dilma
- Ninguém notou muito, mas lançamos recentemente uma política fundamental, a de
armazenagem. Precisamos de 65 milhões de toneladas de capacidade instalada de
armazéns. No último Plano de Safras, foram destinados R$ 136 bilhões para a
agricultura comercial e R$ 21 bilhões para a familiar. Foram colocados R$ 5,5
bilhões, a 3% ao ano de juros e prazos de 15 anos, para a ampliação da rede de
armazéns.
Ao mesmo tempo, será recriada uma estrutura de assistência
técnica e extensão rural.
A EMBRAPA é uma instituição voltada para a pesquisa. A nova
organização será voltada para a assistência técnica, como agência de difusão de
tecnologia. Será enxuta e seu papel consistirá em articular consultorias
privadas para atuar em duas áreas prioritárias: agricultura de precisão e produção de hortifrutigranjeiros em áreas
protegidas (estufas), além de pesquisas
em biotecnologia, nas áreas de DNA, pecuária leiteira.
O CAMPO DE LIBRA
GGN – E a licitação do “campo de Libra”?
Dilma
- Ainda não caiu a ficha geral sobre a próxima licitação do pré-sal, em 22 de
outubro. Será licitado apenas um campo, o de Libra. Dentro da política da ANP
(Agência Nacional de Petróleo), a Petrobras foi contratada para furar um poço.
Fez a prospecção e constatou, inicialmente, uma capacidade potencial de 5
bilhões de barris equivalente de petróleo. Depois, pegaram os mapas de sísmica
em 3D e enviaram para análises em Londres. Os últimos dados apontam para uma
capacidade de 8 a 12 bilhões de bpe. É algo em torno de 2/3 do total das
reservas brasileiras descobertas em toda sua história.
As análises iniciais indicam um preço bastante competitivo,
na faixa de 40 dólares o barril. O gás de xisto dos Estados Unidos, tão falado,
não sairá por menos de 80 dólares.
GGN
– Recentemente, fizemos em Porto Alegre um seminário sobre a indústria naval e
houve relatos entusiasmados sobre os avanços no setor.
Dilma
– Você não sabe a satisfação que é quando se percebe que um objetivo foi
alcançado. Lembro-me que, em 2003, o presidente Lula me chamou e disse que o
Brasil já tinha sido um dos maiores produtores de navio nos anos 70. E que queria
que voltasse a ser. Fui com a Graça Foster, titular de uma das secretarias do
Ministério, até um estaleiro abandonado.
Era um areal imenso, a perder de vista, sem nada em cima. As
pessoas caçoavam, diziam que seria impossível o Brasil construir navios, que
estava muito acima da nossa capacidade. Ora, construir navios é a capacidade de
transportar chapas e de soldar. Como, impossível?
Hoje, quando volto aos mesmos lugares, vemos guindastes
gigantescos, o estado da arte, equipamentos sofisticados. E com o “campo de
Libra”, vai ser um salto ainda maior. Haverá demanda gigantesca por
equipamentos, de 14 a 17 plataformas, exigindo acelerar substancialmente a
indústria naval.
GGN – Porque concessões e investimentos demoram tanto a
deslanchar?
Dilma
- O país paga um preço de 20 anos com austeridade fiscal e baixa projeção
econômica e de investimento. Ninguém passa imune por isso.
As consequências foram a hipertrofia das estruturas de
fiscalização em detrimento da execução. O funcionalismo fiscal tornou-se
importante; o de execução perdeu status e incentivo. Esse fenômeno espalhou-se
pelo setor privado, com os engenheiros de produção cedendo lugar aos
engenheiros voltados para a área financeira e de gestão. Desapareceram as
grandes empresas de consultoria de engenharia.
O planejamento de longo prazo retornou ao país em 2007, com
o primeiro PAC (Plano de Aceleração do Crescimento). Ninguém mais fazia
projetos, nem a União, nem os estados nem a iniciativa privada estavam
preparados para enfrentar o desafio.
De lá para cá, houve expressiva mudança qualitativa. Hoje em
dia, União, estados e iniciativa privada estão mais aparelhados, as empresas de
projetos são bem melhores, com impacto no ritmo das obras. Houve modificações
nos sistemas de contratação, reduzindo o tempo, melhoria na capacidade de
planejar.
GGN – Quando as concessões deslancharão?
Dilma
- Na segunda metade do ano, haverá um festival de licitações. Serão licitados
7.500 km de rodovias, aeroportos, ferrovias, o poço de Libra, gás em terra,
armazéns, linhas de transmissão e geração e o TAV (Trem de Alta Velocidade). Os
empresários internacionais já acordaram para isso.”
FONTE: entrevista conduzida pelo jornal GGN (http://www.jornalggn.com.br/blog/dilma-exclusivo-estamos-preparando-o-pais-para-os-proximos-vinte-anos).
Transcrita no portal de Luis Nassif (http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/haddad-exclusivo-o-mpl-e-a-militancia-digital).
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