Li ontem no portal UOL o seguinte artigo de Jonathan Clarke, publicado pela agência inglesa de notícias BBC. O autor é co-autor do livro “America Alone: The Neo-Conservatives and the Global Order” (América Sozinha: Os Neo-Conservadores e a Ordem Global), ao lado de Stefan Halper:
“Com o governo Bush prestes a entrar para a História, uma questão amplamente discutida é se a filosofia neo-conservadora que marcou suas grandes decisões de política externa também vai sair de cena.
Tudo indica que a resposta deve ser "sim".
Mas o epitáfio do neo-conservadorismo já foi escrito antes - e prematuramente, como acabamos descobrindo - nos anos 80. Ele aparentemente estava destinado à extinção no fim do governo Reagan, mas uma segunda geração de neo-conservadores, ou "neo-cons", emergiu em meados dos anos 90.
Era a época da impressionante supremacia militar americana pós-Guerra Fria, que os neo-cons batizaram como "momento unipolar", e que serviu como a incubadora das idéias do neo-conservadorismo moderno.
AMBIÇÃO
As principais características do neo-conservadorismo são: - uma tendência a ver o mundo dividido entre o bem e o mal.- pouca tolerância com a diplomacia- prontidão para uso da força militar- ênfase na ação unilateral dos Estados Unidos- desprezo a organizações multilaterais- foco no Oriente Médio Entre os nomes de neo-cons proeminentes que acabaram por ter um papel importante do governo Bush estavam Paul Wolfowitz, Douglas Feith, Elliott Abrams, David Addington e Richard Perle, que ocuparam cargos no Departamento de Defesa e na Casa Branca.
Muitos dos neo-cons são judeus, mas não se pode dizer que o neo-conservadorismo é um fenômeno exclusivamente judeu.
Os neo-cons encontraram voz na think tank American Enterprise Institute, com sede em Washington. Ali eles publicaram uma série de análises e estudos defendendo uma política externa mais rigorosa, cujo ponto principal era a rejeição às negociações convencionais no processo de paz entre israelenses e palestinos.
Eles também cultivavam a ambição de uma transformação democrática promovida pelos Estados Unidos em todo o Oriente Médio.
A primeira fase foi a retirada de Saddam Hussein do poder - o que, segundo eles, serviria como uma espécie de "exemplo" para a região.
No início do governo Bush, no entanto, as perspectivas para os neo-cons pareciam obscuras.
Muitos conseguiram cargos importantes, mas o próprio Bush havia prometido manter uma política externa "humilde" - o oposto do conceito neo-conservador.
Nem o então secretário de Estado, Colin Powell, nem o secretário de Defesa na época, Donald Rumsfeld, eram neo-conservadores.
Mas o grupo encontrou um aliado no vice-presidente, Dick Cheney. Apesar de não ser um neo-con, ele foi signatário do Projeto para um Novo Século Americano, que se tornou o fórum favorito da ideologia neo-conservadora.
OPORTUNIDADE
A oportunidade dos neo-conservadores veio com os ataques de 11 de Setembro de 2001.
Mais do que ninguém, eles tinham uma estratégia muito bem preparada que casava com a necessidade de se dar uma resposta decisiva e incisiva.
De uma hora para outra, as idéias neo-conservadoras de transformação democrática começaram a parecer como uma política razoável. Suas propostas de atacar o Iraque logo tomaram o centro das atenções.
Claramente, os neo-conservadores não eram os únicos - nem os principais - atores na escalada para a guerra ao Iraque.
Mas foram suas idéias que garantiram que a resposta americana ao 11 de Setembro não se restringiu ao Afeganistão.
Eles foram, sem dúvida, os padrinhos intelectuais da guerra no Iraque.
As primeiras semanas do conflito representaram o auge dos neo-cons. No campo de batalha, tudo parecia estar indo como eles queriam; politicamente, seu protegido Ahmed Chalabi (polêmico chefe do principal partido de oposição a Saddam Hussein, mais tarde acusado de fraude no Iraque) parecia no rumo para ascender ao poder.
Mas conforme a invasão se tornou uma ocupação, e a insurgência iraquiana se intensificou, as idéias neo-conservadoras de transformação democrática do Oriente Médio mostraram que eram o que sempre foram: uma fantasia fantástica.
Quando a elite e a opinião pública passaram a condenar a guerra, os neo-conservadores começaram a deixar o governo.
MUDANÇA
Em muitos aspectos, a eleição de 2008 representou uma rejeição direta ao estilo neo-conservador de fazer política externa, baseado na extrapolação unilateralista e militar dos limites.
À primeira vista, o governo de Barack Obama parece ser o oposto completo do neo-conservadorismo.
Seus instintos são multilateralistas, já que ele se disse comprometido em ratificar o Protocolo de Kyoto e acordos internacionais como a Convenção de Genebra.
Obama dá uma grande prioridade à diplomacia, estando aberto para negociar diretamente com países há muito ignorados, como o Irã e Cuba. O secretário de Defesa Robert Gates, que vai permanecer no cargo, já deixou claro que vê uma intervenção militar como o último recurso.
Além disso, a crise econômica e as custosas empreitadas no Iraque e no Afeganistão arranharam a proeminência do poderio americano.
Hoje, é difícil afirmar que os Estados Unidos gozam de uma vantagem unipolar.
Por isso, a aposta mais segura é de que nós podemos dizer "adeus" aos neo-cons, e deixar que seu papel seja julgado pela História.
Eles próprios argumentam que fazem parte do mainstream da história americana. Mas é mais provável que passem a ser vistos como uma aberração.
Entretanto, duas coisas podem mudar esse cenário: primeiro, o outro lado da moeda do neo-conservadorismo, o que pode ser chamado de "neo-humanitarismo". É a idéia de que o poderio militar americano poderia ser usado para intervir em crises como o genocídio em Ruanda ou a situação em Darfur.
Alguns dos futuros membros do governo Obama, como Susan Rice, na ONU, vão defender este ponto-de-vista.
Tudo indica que o governo Obama vai ser cauteloso, mas se não for, o envio unilateral de tropas americanas pode voltar à agenda global.
Em segundo lugar, o governo Obama vai enfrentar assuntos pendentes com o Irã.
Os neo-conservadores argumentam que o país é central na definição da política externa dos Estados Unidos e que, já que Teerã optou por não abandonar seu programa nuclear, os EUA terão que usar a força. Mais uma vez, os primeiros sinais são de que o time de Obama, a força militar não está no topo da agenda e uma nova forma de relação pode estar sendo considerada. Caso isso mude - possivelmente pela intransigência de Teerã - os neo-conservadores estarão novamente na ativa e irão se gabar por terem sobrevivido mais um obituário prematuro.”
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário