sábado, 17 de janeiro de 2009

ANÁLISE: O FIM DO NEO-CONSERVADORISMO?

Li ontem no portal UOL o seguinte artigo de Jonathan Clarke, publicado pela agência inglesa de notícias BBC. O autor é co-autor do livro “America Alone: The Neo-Conservatives and the Global Order” (América Sozinha: Os Neo-Conservadores e a Ordem Global), ao lado de Stefan Halper:

“Com o governo Bush prestes a entrar para a História, uma questão amplamente discutida é se a filosofia neo-conservadora que marcou suas grandes decisões de política externa também vai sair de cena.

Tudo indica que a resposta deve ser "sim".

Mas o epitáfio do neo-conservadorismo já foi escrito antes - e prematuramente, como acabamos descobrindo - nos anos 80. Ele aparentemente estava destinado à extinção no fim do governo Reagan, mas uma segunda geração de neo-conservadores, ou "neo-cons", emergiu em meados dos anos 90.

Era a época da impressionante supremacia militar americana pós-Guerra Fria, que os neo-cons batizaram como "momento unipolar", e que serviu como a incubadora das idéias do neo-conservadorismo moderno.

AMBIÇÃO

As principais características do neo-conservadorismo são: - uma tendência a ver o mundo dividido entre o bem e o mal.- pouca tolerância com a diplomacia- prontidão para uso da força militar- ênfase na ação unilateral dos Estados Unidos- desprezo a organizações multilaterais- foco no Oriente Médio Entre os nomes de neo-cons proeminentes que acabaram por ter um papel importante do governo Bush estavam Paul Wolfowitz, Douglas Feith, Elliott Abrams, David Addington e Richard Perle, que ocuparam cargos no Departamento de Defesa e na Casa Branca.

Muitos dos neo-cons são judeus, mas não se pode dizer que o neo-conservadorismo é um fenômeno exclusivamente judeu.

Os neo-cons encontraram voz na think tank American Enterprise Institute, com sede em Washington. Ali eles publicaram uma série de análises e estudos defendendo uma política externa mais rigorosa, cujo ponto principal era a rejeição às negociações convencionais no processo de paz entre israelenses e palestinos.

Eles também cultivavam a ambição de uma transformação democrática promovida pelos Estados Unidos em todo o Oriente Médio.

A primeira fase foi a retirada de Saddam Hussein do poder - o que, segundo eles, serviria como uma espécie de "exemplo" para a região.

No início do governo Bush, no entanto, as perspectivas para os neo-cons pareciam obscuras.

Muitos conseguiram cargos importantes, mas o próprio Bush havia prometido manter uma política externa "humilde" - o oposto do conceito neo-conservador.

Nem o então secretário de Estado, Colin Powell, nem o secretário de Defesa na época, Donald Rumsfeld, eram neo-conservadores.

Mas o grupo encontrou um aliado no vice-presidente, Dick Cheney. Apesar de não ser um neo-con, ele foi signatário do Projeto para um Novo Século Americano, que se tornou o fórum favorito da ideologia neo-conservadora.

OPORTUNIDADE

A oportunidade dos neo-conservadores veio com os ataques de 11 de Setembro de 2001.

Mais do que ninguém, eles tinham uma estratégia muito bem preparada que casava com a necessidade de se dar uma resposta decisiva e incisiva.

De uma hora para outra, as idéias neo-conservadoras de transformação democrática começaram a parecer como uma política razoável. Suas propostas de atacar o Iraque logo tomaram o centro das atenções.

Claramente, os neo-conservadores não eram os únicos - nem os principais - atores na escalada para a guerra ao Iraque.

Mas foram suas idéias que garantiram que a resposta americana ao 11 de Setembro não se restringiu ao Afeganistão.

Eles foram, sem dúvida, os padrinhos intelectuais da guerra no Iraque.

As primeiras semanas do conflito representaram o auge dos neo-cons. No campo de batalha, tudo parecia estar indo como eles queriam; politicamente, seu protegido Ahmed Chalabi (polêmico chefe do principal partido de oposição a Saddam Hussein, mais tarde acusado de fraude no Iraque) parecia no rumo para ascender ao poder.

Mas conforme a invasão se tornou uma ocupação, e a insurgência iraquiana se intensificou, as idéias neo-conservadoras de transformação democrática do Oriente Médio mostraram que eram o que sempre foram: uma fantasia fantástica.

Quando a elite e a opinião pública passaram a condenar a guerra, os neo-conservadores começaram a deixar o governo.

MUDANÇA

Em muitos aspectos, a eleição de 2008 representou uma rejeição direta ao estilo neo-conservador de fazer política externa, baseado na extrapolação unilateralista e militar dos limites.

À primeira vista, o governo de Barack Obama parece ser o oposto completo do neo-conservadorismo.

Seus instintos são multilateralistas, já que ele se disse comprometido em ratificar o Protocolo de Kyoto e acordos internacionais como a Convenção de Genebra.

Obama dá uma grande prioridade à diplomacia, estando aberto para negociar diretamente com países há muito ignorados, como o Irã e Cuba. O secretário de Defesa Robert Gates, que vai permanecer no cargo, já deixou claro que vê uma intervenção militar como o último recurso.

Além disso, a crise econômica e as custosas empreitadas no Iraque e no Afeganistão arranharam a proeminência do poderio americano.

Hoje, é difícil afirmar que os Estados Unidos gozam de uma vantagem unipolar.

Por isso, a aposta mais segura é de que nós podemos dizer "adeus" aos neo-cons, e deixar que seu papel seja julgado pela História.

Eles próprios argumentam que fazem parte do mainstream da história americana. Mas é mais provável que passem a ser vistos como uma aberração.

Entretanto, duas coisas podem mudar esse cenário: primeiro, o outro lado da moeda do neo-conservadorismo, o que pode ser chamado de "neo-humanitarismo". É a idéia de que o poderio militar americano poderia ser usado para intervir em crises como o genocídio em Ruanda ou a situação em Darfur.

Alguns dos futuros membros do governo Obama, como Susan Rice, na ONU, vão defender este ponto-de-vista.

Tudo indica que o governo Obama vai ser cauteloso, mas se não for, o envio unilateral de tropas americanas pode voltar à agenda global.

Em segundo lugar, o governo Obama vai enfrentar assuntos pendentes com o Irã.

Os neo-conservadores argumentam que o país é central na definição da política externa dos Estados Unidos e que, já que Teerã optou por não abandonar seu programa nuclear, os EUA terão que usar a força. Mais uma vez, os primeiros sinais são de que o time de Obama, a força militar não está no topo da agenda e uma nova forma de relação pode estar sendo considerada. Caso isso mude - possivelmente pela intransigência de Teerã - os neo-conservadores estarão novamente na ativa e irão se gabar por terem sobrevivido mais um obituário prematuro.”

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