O jornal Folha de São Paulo publicou ontem o seguinte artigo de Janio de Freitas:
ESTA NÃO É A GUERRA METICULOSA CONTRA O INIMIGO DECLARADO; É O USO MILITAR SEM O FUNDAMENTO MILITAR
“O festival israelense de ontem fez mais do que bombardear a sede da ONU em Gaza e o hospital da região. Com isso, tornou incontestável, em definitivo, que o seu ataque não tem uma tática militar, nem é verdade que se oriente por serviço de informação e que a população civil proporcione escudo aos selecionados alvos dos israelenses. É outra a certeza: o bombardeio israelense é a esmo e a granel.
Assim se explicam as bombas e a artilharia que resultam em adversidades políticas para os próprios israelenses, como os ataques à ONU, e a massa de vítimas não-combatentes com que o governo de Israel empilha já mais de mil mortos e de 5.000 feridos -nos dois monturos, um terço de crianças.
Diante desses efeitos, é fácil alegar que ativistas do Hamas protegem-se em locais comuns, e pronto. Na direção de caminhões sob bandeira da ONU e com mantimentos? Nas escolas da ONU em que mais de cem se refugiavam dos bombardeios? Bem, neste caso, o governo de Israel, com presteza e energia, acusou o noticiário de mentir: "não houve o ataque".
Comprovados 43 corpos e as ruínas que os envolviam, o ataque passou a existir, mas porque "ativistas do Hamas estavam nas escolas". Quatro dias depois, a contestação persistente da ONU obtém algo novo do governo israelense: "Foi um erro, de fato não havia presença do Hamas nas escolas, Israel fará um pedido de desculpas à ONU".
Bombardeio à universidade, ao cemitério, ambulâncias alvejadas? O ataque desatinado, e com mortes, de tanques contra um prédio ocupado por soldados do próprio Exército israelense? Até bombas jogadas do outro lado da fronteira, em solo do Egito de relações amigáveis com Israel?
Não é a guerra meticulosa contra o inimigo declarado. É o bombardeio a esmo e a granel. É o extermínio sem alvo, é o uso militar sem o fundamento militar.
A satisfação dada pelos israelenses à reação ao morticínio da população palestina traz, também, uma contribuição complementar à compreensão das ações em Gaza. Vários artigos têm louvado a "atitude humanitária" que é o aviso (ocasional) de bairros e áreas que, sujeitos a próximos bombardeios extensivos, os moradores devem abandonar.
Se a população em geral tem sido vitimada porque "o Hamas a utiliza como escudo", é claro que os ativistas fogem com os moradores. E, portanto, o bombardeio não se fará para atingir ativistas localizados por serviços de informação e tecnologia. Sua única finalidade possível é reduzir bairros e outras áreas a ruínas.
A lembrança deixada pela guerra de Israel no Líbano, em 2006, contra o Hizbollah, leva a concluir que a ação israelense atual continua o mesmo gênero daquela. A diferença está nos adversários, o Hamas muito fraco em todos os sentidos e o Hizbollah em condições de fazer com que, em Israel, a investida no Líbano seja vista como um insucesso dos militares israelenses.
Nada a ver agora, porém, com desproporção, este conceito que tantos confessam ignorar.
Mas não se perderão por isso. Basta que, bons sionistas, retomem a Bíblia e passem os olhos na lenda de Davi e Golias. É a mais bem-sucedida imagem de desproporção de forças, e inquestionável, para esses leitores, por ser uma lição hebreia. Cuidado, porém.
Nada de interpretações além do mais simples, para não chegar a coisas como a vitória do mais fraco e seus possíveis ensinamentos bíblicos. Ficar com a mortandade a esmo e a granel é mais cômodo”.
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