segunda-feira, 9 de maio de 2011

ASSASSINATOS EM NOME DO ESTADO: "RECAÍDA IMPERIAL"


Editorial da Folha de São Paulo

Os EUA precisam esclarecer circunstâncias da morte de Bin Laden e reafirmar o compromisso de respeito às normas internacionais

Em meio à sucessão de versões incompletas e até contraditórias, acumulam-se dúvidas sobre a legalidade e a legitimidade da operação em que foi morto Osama bin Laden, mentor dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001.

Os questionamentos convergem para dois pontos. Houve violação da soberania do Paquistão quando helicópteros americanos invadiram seu espaço aéreo? Bin Laden foi executado, quando poderia ter sido capturado e julgado?

A resposta ao primeiro ponto pode ter mais nuances do que sugerem os protestos verbais de autoridades paquistanesas. Há indícios de algum acordo entre os dois países sobre incursões americanas, ainda que, no caso de Bin Laden, sem autorização específica.

Desde 2001, o Paquistão recebeu US$ 22 bilhões de Washington para colaborar contra o terror. Aviões não tripulados americanos têm bombardeado posições terroristas no país. Documentos obtidos pelo WikiLeaks mostram que Islamabad forneceu a localização de parte dessas bases -portanto já permitiu acesso a seu território.

Quanto à segunda questão, as informações disponíveis sugerem que o objetivo da operação era eliminar Bin Laden, e não prendê-lo. Somente um cúmplice do terrorista teria disparado contra as forças especiais. Bin Laden teria sido morto diante da filha e de uma mulher. Tinha pistola e fuzil ao alcance, mas não os usou.

A decisão de jogar o corpo no mar -não prevista na Convenção de Genebra- reforça a interpretação. Na versão americana, o túmulo do saudita poderia tornar-se ponto de culto terrorista, mas a ausência de um corpo contribui para a convicção de muitos de que o governo Obama quer ocultar detalhes comprometedores da ação [e do que realmente causou o 11 de setembro. O assassinato foi "queima de arquivo"?].

É preciso ressalvar que cabe manter uma atitude pragmática na avaliação do episódio. Bin Laden não era um inimigo convencional, mas [até hoje apenas suposto] mentor do ataque mais letal já registrado em território americano, com 3.000 mortos.

Barack Obama tentou conferir tom de vitória moral ao `raide`, ao dizer que se fez justiça. Justiça, no entanto, é algo que se realiza em tribunais, sob o império da lei -como não se cansam de pregar os americanos, ainda que nem sempre o pratiquem.


Países poderosos sempre se reservaram a prerrogativa de não cumprir normas caso julguem que seus interesses ou segurança estejam em risco. A guerra ao terror transformou a exceção em regra ao proclamar o direito à intervenção preventiva. A frouxidão quanto a princípios de direito internacional é atestada pelo episódio recente da morte [assassinato] de um filho [e três netos] do ditador líbio Muammar Gaddafi por forças da OTAN [por motivos torpes, controlar o petróleo e evitar o "dinar ouro"], que [impunemente] extrapolaram o mandato da ONU de apenas proteger a população civil.

Os EUA, portanto, precisam não apenas esclarecer as circunstâncias da morte de Bin Laden, mas assegurar ao mundo que essa recaída imperial não implica abjurar a profissão de fé no multilateralismo e no respeito às normas internacionais feita por Obama.”

FONTE: editorial da Folha de São Paulo (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0805201101.htm) [imagem do google e trechos entre colchetes adicionados por este blog].

2 comentários:

Fluxo disse...

Da obra "Hitler", de Joachim Fest, cito duas passagens que elucidam o comportamento de todos os que têm em suas mãos o cometimento de atos que mudam o curso da História:"...a história mundial não palmilha o solo 'em que reside a moralidade...'" e a 'extraordinária desobrigação de se conformar às leis morais costumeiras'".

Unknown disse...

Fluxo,
Infelizmente, a história mundial continua a corroborar Fest.
Maria Tereza