domingo, 15 de maio de 2011

ENTREVISTA COM O GOVERNADOR (PE) EDUARDO CAMPOS (presidente nacional do PSB)

O governador de Pernambuco não especula sobre 2014. Diz que a vez é de Dilma

É A EXPECTATIVA DE PODER QUE EXPLICA O PSD”

“ENTREVISTA : PARA CAMPOS, OPOSIÇÃO FOI INCAPAZ DE OFERECER ÀS FORÇAS REUNIDAS POR KASSAB A PERSPECTIVA DE VOLTAR AO GOVERNO
Depois de acompanhar todo o processo que resultou na criação do PSD, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, fala com tranquilidade sobre os rumos tomados pelo partido do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab. Defende a legitimidade da legenda, que vem ocupar um lugar que foi do PDS e depois, do PFL, como espaço para um conjunto de forças que precisa de perspectiva de poder.

Aos 45 anos, o governador de Pernambuco não especula sobre 2014. Diz que a vez é de Dilma. Na entrevista, concedida na tarde de quarta-feira [11] no Palácio do Campo das Princesas, sede do governo, Campos diz que a presidente resgatou os valores que emergiram da campanha de 2010 para além da polarização do PT x PSDB.

Interrompida apenas por um telefonema do ministro Édison Lobão, que trataria de uma especulação, já desmentida, de uma usina nuclear no Estado, a conversa com o Valor é a que segue:

Valor: Só se fala em obras neste país premido pelo gargalo da infraestrutura e às vésperas da Copa. O programa nacional de seu partido na TV fala na cultura do fazer. Não tem cimento demais e massa cinzenta de menos nesses investimentos?

Eduardo Campos:
O Brasil precisa, sim, seguir acumulando as condições de aproveitar a janela demográfica que nos dê, nos próximos 20 a 30 anos, a possibilidade de acumular riqueza para suportar um ciclo de crescimento com qualidade de vida para os que, daqui a pouco, entrarão na terceira idade. Isso nos impõe preocupação de política econômica e de desenvolvimento social, um olhar na educação, na inovação tecnológica, na pesquisa aplicada, que possa resultar em aumento da produtividade. O gargalo de infraestrutura já está sendo enfrentado. Demora, mas ele é conhecido, tem soluções e precisa mais de dinheiro do que de conhecimento e técnica. Mais de espaço fiscal, de modelos de financiamento alternativos, concessão, PPP e mais PAC. Mas, no centro do projeto de país está o investimento em inovação. Porque parte desse investimento em massa cinzenta vai fazer com que a gente dê qualidade ao gasto público. Essa massa de brasileiros que estão ascendendo socialmente não é a expressão da classe média que estamos acostumados a lidar. Eles continuarão a precisar do serviço público, diferentemente da classe média tradicional, que fugiu da escola, do SUS e até da segurança pública. Eles ascenderam [no governo Lula] não por obra e graça do espírito santo, não foi por favor, foi por muita luta. Sabem que precisam se capacitar senão recuam.

Valor: Antes da posse da presidente Dilma Rousseff, o senhor afirmou que ela precisaria fazer apelo à classe média…

Campos:
Ela fez. Com imprensa, política externa, direitos humanos, valores… A eleição de 2010 foi muito despolitizada. Do jeito que ela foi tocada –e aí eu não quero fazer nenhum juízo de valor, porque está no fato, vocês relataram-, o fato é que ela não legou para o pós-eleição o debate de projetos que ficaram. A disputa não legou um pensamento para ser disputado. O único pensamento que se expressou foi o da candidatura Marina, onde uns colocavam a sustentabilidade, outros os direitos humanos, outros da ocupação dos cargos públicos. Então, era o voto de quem não queria negar os avanços de Lula, mas também não queria dar uma vitória no 1º turno. A presidente, eleita, fez uma leitura rápida dos resultados, viu esses valores e aproximou-se deles, com os quais ela tem identidade histórica. Daí vem certa surpresa positiva de muita gente que sequer votou nela.

Valor: O partido da presidente está imbuído desses valores a partir do momento em que reincorpora Delúbio Soares?

Campos:
Dilma fez a leitura desses valores emergentes com grande legitimidade, dada a caminhada dela e de muitas pessoas do próprio PT. Quem a conhece sabe que esses valores reafirmados depois das eleições ela sempre os teve. Agora, uma coisa é um movimento que ela faz, outra coisa é o do partido.

Valor: O senhor reconhece que não são movimentos que caminham na mesma direção?

Campos:
São movimentos que caminham em direção contrária, mas ela tem responsabilidade sobre os movimentos que faz e sobre a Presidência. E cabe aos dirigentes do PT explicarem porque levaram Delúbio de volta.

Valor: No que sua posição sobre essa necessidade de se atingir a classe média difere do que defendeu o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso no artigo em que ele sugeriu à oposição que se voltasse para essa camada da população?

Campos:
Você tem duas formas de discutir o documento: pinçando uma frase e fazendo uma luta política ou pegando todo o texto, como eu peguei duas vezes, e vendo que ali está um esforço orgânico de um ‘intelectual’ [sic] e militante político experiente, pensando como rearranjar a oposição. Eu não vi ninguém da oposição fazer um esforço desses. E com visão estratégica correta. Há um novo Brasil, construído por todos nós, por avanços que aconteceram nos governos FHC e Lula que mexeram na desigualdade. Isso transformou a realidade e ninguém pode transformar o que vem adiante se não compreender o que houve. Quem mais precisa compreender? Quem ganhou ou quem perdeu? Quem perdeu! Caso contrário não encontra o caminho de ganhar. A Dilma, rapidamente, leu as posições que saíram das eleições e se aproximou de valores que estavam sendo questionados. A oposição demorou a fazer. Precisou o Fernando Henrique escrever o texto. Ele foi mal interpretado em uma frase e o debate não prosseguiu.

Valor: O senhor cultiva a ideia da meritocracia na gestão pública. Na educação, um dos subprodutos é a bonificação de professores. Esse tema está em crise nos EUA, de onde se originou, e em São Paulo. E em Pernambuco, qual a avaliação que se faz hoje do programa?

Campos:
Estamos seguindo. Temos o programa implantado há três anos. É período muito curto para julgamento. Não é só política de bonificação que vai fazer uma escola funcionar de forma adequada. Tem vários outros mecanismos como qualificação, conteúdos que despertem maior interesse, jogos educativos, suplementação de aula à distância. Um dia, você vai poder fazer pesquisa para saber o que ajudou mais. E até a influência da chegada de uma geração que teve oportunidade de passar por creche e foi alfabetizada no tempo certo. Nenhum projeto isoladamente consegue resolver o desafio da educação.

Valor: O senhor se filia aos que acreditam que as medidas macroprudenciais podem servir no combate à inflação ou acha que a política monetária está arriscando demais?

Campos:
Não vejo nenhuma mudança substancial na política monetária, a não ser no campo da especulação. A equipe do Banco Central é praticamente a mesma. Saiu um presidente, ficou um indicado pelo que saiu. A inflação não é brasileira, mas global. Há um contingente de preços administrados por regras, ainda do processo das privatizações [de FHC/PSDB], que fazem com que os serviços estejam subindo acima dos produtos marcados pela demanda. Estamos em uma escalada de juros há quatro meses, a inflação de demanda já projeta convergência para o centro da meta, e temos aí outro problema: na hora que o juro real sobe para ser efetivamente o mais alto do mundo, com o conceito que o Brasil ganhou lá fora, você enfrenta entrada de dólar que deprecia o câmbio e que se, por um lado, ajuda no combate à inflação, por outro ajuda a destruir a indústria. Então, você tem que fazer, a um só tempo, movimentos que equilibrem os preços relativos e que segurem a inflação sem depreciar o câmbio demais e manter o crescimento em torno dos 4%. É isso que se está tentando fazer. Se você somente elevar o juro, pode não ter resposta na inflação e ganhar outros complicadores. É como um remédio que não cura a doença e gera outra.

Valor: A presidente tem apoio histórico no Congresso. A agenda do governo no Congresso reflete essa base? A agenda não é pouco ambiciosa frente à facilidade que tem para a aprovação? Qual seria a sua agenda prioritária?

Campos:
É uma faca de dois gumes. Ela vai ter mais objetividade nessa agenda, até aprendendo com as experiências dos governos que ela sucede. Ela tem base larga, mas essa base não é para votar tudo e qualquer coisa. Se for para votar contra interesse da própria base, em alguma medida essa base vai querer interferir na formação do governo.

Valor: Quais os temas seriam sensíveis para fraturar essa base?

Campos:
Uma reforma tributária que vá alterar a estrutura e a lógica do sistema tributário, essa base não aguenta. Agora, ajustes para que ele fique mais racional, menos cumulativo, que ganhe alguma atualidade, dá. [Além disso] desonerar folha de pagamento, não permitir incentivos fiscais de ICMS nas importações, por exemplo. Agora, se for discutir se o imposto é sobre consumo ou renda, aí nem os partidos historicamente próximos da presidente aguentam fazer esse debate.

Valor: O senhor acredita que a necessidade de contemplar base tão heterogênea pode acabar inibindo o governo?

Campos:
Ela não está contemplando, pelo contrário. Ela vai precisar contemplar se ficar mandando muita coisa. Se ela mandar o que passa naquele Congresso, e o que vocês, na imprensa, vão apoiar, o que as entidades representativas da sociedade vão apoiar, pode ser coisa singela, mas dá pra ser feito, é o que é possível.

Valor: E o que é possível ser feito para não levantar essas demandas que paralisariam o governo?

Campos:
Acho que tem que cravar pensamento sobre duas reformas: tributária e política. Todo mundo fala sobre elas e nada acontece. Você deveria pautar para 2022, que é uma data símbolo para o Brasil, chegar com as reformas tributária e política feitas. Que não é somente uma reforma eleitoral: é reforma de como o Estado se organiza, se relaciona com a sociedade, como funciona o Poder Judiciário, quais os principais códigos de processo no Brasil.

Valor: O PSB apoia o voto em lista proposto pelo PT?

Campos:
Não. Acho que a lista tem que ser arrumada pelo povo. É mais democrático do que se nós dirigentes partidários fizermos o papel da sociedade. Não concordo. Agora, mandato de cinco anos, fim da reeleição, coincidência de eleições de todos os níveis no mesmo ano, são coisas que o PSB já amadureceu o debate em torno.

Valor: E o fim das coligações?

Campos:
Era um ponto para ser apreciado, mas fazer uma reforma só para o fim das coligações, aí não seria reforma. Aí é só o jogo eleitoral dos grandes partidos ou dos médios partidos.

Valor: O que se faz para tirar do Judiciário essa prerrogativa de legislar a política, a chamada judicialização da política?

Campos:
Quem tem que legislar é o Congresso. É uma responsabilidade nossa, dirigentes partidários, e dos parlamentares. Desde que começamos o processo de abertura política no Brasil, toda eleição tinha lei nova. Agora, tem uma resolução nova. Nesse aspecto, retroagimos. Precisamos ter uma lei que estruture o processo eleitoral brasileiro.

Valor: A cada tentativa de amarrar o sistema político, a própria política dá um jeito de desamarrar. A criação do PSD não é resposta da política ao instituto da fidelidade partidária?

Campos:
Fidelidade partidária é algo que vem da consciência. Eu mesmo tive todos os meus mandatos em um só partido. E não é porque está na lei. Não é uma questão de discutir de forma isolada. O fato é que houve transformações no país que vão se expressando na cena política. Essas mudanças econômicas, políticas e sociais também se expressam no quadro partidário. O PSDB não existiria se houvesse fidelidade partidária, pois todo mundo saiu do PMDB. O PT não teria surgido se não tivesse a anistia e as pessoas não pudessem sair de partidos clandestinos e se juntarem com outros, que vieram do MDB, e formar novo partido. O PSDB e o PT nasceram de oportunismo? Não. Nasceram de processo histórico e de circunstâncias que se colocaram diante de um conjunto de políticos e personalidades.

Valor: E o PSD nasce de que processo histórico?

Campos:
O PSD nasce de processo que é assemelhado ao que o PDS nasceu. Esgotou-se a ARENA como partido majoritário. Uma parte sai para o PP, com um bloco que vinha do MDB mais moderado. Aí você tinha o PDS com uma nova roupagem para disputar a eleição de 1982. O PDS se inviabiliza com o fim do regime militar. Sai uma tropa para formar o PFL, para ‘garantir a transição democrática’ [sic], apoiar o Tancredo Neves. Esse mesmo PFL viabiliza aliança com Fernando Henrique para a Presidência. Ganha o Lula e o PFL se vê na oposição pela primeira vez. E aí, vê que suas principais lideranças saíram da cena majoritária e era necessária renovação para ocupar espaço entre os formadores de opinião e ter projeto de poder. Esse projeto fica inconcluso, não se projeta pela aliança com o PSDB. Então um conjunto de forças, vendo a falta de perspectiva naquele caminho, resolve dar uma guinada, com pessoas que possam se aproximar do projeto de governo que está três vezes vitorioso e do qual participam forças que se assemelham do ponto de vista de pensamento, de caminhada e de prática política. Esse conjunto que sempre esteve participando do governo, ao cabo de oito anos fora dele resolve mudar pra ser o que eles sempre foram: base de governo.

Valor: Voltar para onde nunca gostariam de ter saído…

Campos:
Porque a oposição não foi capaz nem de gerar o espaço de poder que eles tinham e nem de apontar a perspectiva dele. Duas coisas seguram um conjunto político: o poder e a perspectiva de poder. Eles perderam três eleições e a perspectiva foi perdida. As pessoas decidiram tomar outro rumo.

Valor: O senhor acompanhou esse processo desde o início. O PSD não ficou maior que a encomenda?

Campos:
Sim, porque terminou sendo a grande janela dos insatisfeitos que só tinham um lugar pra ir: o PSD.

Valor: O PSD vai ficar maior que o PSB no Congresso. Isso não o incomoda?

Campos:
Não. Temos boa relação com o PSD e com os que estão à frente desse projeto.

Valor: Diante da crise que o PSDB está vivendo, o senhor acredita que a eleição de 2014 será novamente polarizada ou o PSDB corre o risco de estar fora dessa arena?

Campos:
Não vejo como, nesse espaço de tempo, o PSDB deixar de ter papel de relevância e expressão em 2014. Até porque o PSDB ganhou Estados importantes, teve vitória em Minas, em São Paulo, no Paraná. Inegavelmente, não vive momento bom, porque além de perder três eleições seguidas e não construir unidade interna, mais grave ainda é não encontrar o mote, o conjunto de ideias que reúna as pessoas e que possa despertar atenção no país. As grandes vitórias nas lutas políticas não foram construídas do Brasil oficial para o real, mas da rua para o mundo oficial dos partidos e do Parlamento. A própria vitória que o PSDB teve com FHC veio da rua, que sentia a estabilidade econômica mudar a vida de pessoas que tinham seus salários corroídos pela inflação, de um momento de crescimento de consumo, ou seja, veio de um fato relevante na vida do povo, que despertou a atenção para um candidato que nunca tinha disputado a Presidência e ganhou do Lula duas vezes. Então, o desafio do PSDB e da oposição, hoje, é não ficar só enfrentando governo. O que propõe a oposição para o país ser melhor? A última eleição, que foi oportunidade para isso, se discutiu mais o aborto e a fé cristã do que se a inflação poderia voltar, se o país podia crescer mais, se o SUS está subfinanciado ou mal administrado. Esse debate ficou por ser feito.

Valor: O senhor concorda que não há sinais no PSDB de que essa crise possa ser debelada até 2014? Se essa crise não se reverte até 2014, e essa força política que hoje está se aglutinando em torno do PSB e do PSD ganhar corpo, não corre o risco de vocês virem a tomar o lugar deles?

Campos:
O PSDB não devia olhar para 2014, porque o jogo para 2014 está, de certa forma, jogado. Normalmente, o governo que se sai bem, que faz o dever de casa, se reelege. Então, nada indica que a presidenta Dilma não chegue a 2014 em condições de ser reeleita. Se ela, por acaso, dissesse que não quer mais disputar eleição, ela tem ao lado alguém que diz que se dispõe, que é o presidente Lula. O PSDB deveria olhar ao longe e fazer um processo de reconstrução de relações com a sociedade que vão além da crítica. Hoje, só o embate, somente a crítica, eu não vi vencer eleição nenhuma no Brasil. A crítica é instrumento importante, mas tem que ter a proposta. Se fica no debate sobre se o presidente pode ou não editar medida provisória –tendo sido governo e editado todas as medidas provisórias. Esse debate encanta alguém que está lá na feira de Caruaru?

Valor: Como o senhor acha que será o desempenho do INDG, do Jorge Gerdau, no governo Dilma? Na Funasa, por exemplo, o PMDB vai deixar mexer?

Campos:
Vai ser como foi aqui, na segurança pública. Daqui a pouco você encontra uma turma que se encanta, que acha bom, bonito, quer saber mais. Aí você vai se juntando, animando as pessoas e quando vê, conseguiu a maioria. Quem resistir, ela [Dilma] tira.”

FONTE: reportagem de Murillo Camarotto e Maria Cristina Fernandes, publicada no jornal “Valor Econômico” e transcrita no blog “Leituras Favre” (http://blogdofavre.ig.com.br/2011/05/e-a-expectativa-de-poder-que-explica-o-psd/) [trechos entre colchetes colocados por este blog].

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