domingo, 8 de maio de 2011

LÍBIA: NÃO É SOBRE O PETRÓLEO, É SOBRE MOEDA E EMPRÉSTIMOS!

John Perkins, economista, escritor e ativista norte-americano

“É significativo que, nos meses que precederam a resolução da ONU que permitiu que os EUA e seus aliados enviassem tropas para a Líbia, Muammar Kaddafi estivesse abertamente defendendo a criação de uma nova moeda para rivalizar com o dólar e o euro. Na verdade, ele convidou as nações muçulmanas e africanas para se juntar a uma aliança que faria desta nova moeda, o dinar de ouro, a sua principal forma de dinheiro e câmbio. O FMI estima que o Banco Central da Líbia tenha cerca de 144 toneladas de ouro em seus cofres.

O artigo é de John Perkins

O presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, disse na semana passada, que espera que a instituição tenha papel na reconstrução da Líbia quando o país emergir do atual conflito. Em painel de discussão, Zoellick lembrou o papel do banco na reconstrução de França, Japão e outras nações depois da Segunda Guerra Mundial.

Reconstrução agora significa (Costa do Marfim), significa o sul do Sudão, Libéria, Sri Lanka e espero que signifique Líbia”, disse Zoellick. Sobre a Costa do Marfim, Zoellick disse esperar que, dentro de “algumas semanas”, o banco possa apresentar “algumas centenas de milhares de dólares em apoio de emergência”.

Ouvimos um porta-voz dos EUA tentar explicar por que estamos, de repente, enfiados em novo conflito no Oriente Médio. Muitos de nós estamos questionando as justificativas oficiais. Estamos conscientes de que as verdadeiras causas de nosso envolvimento raramente são discutidas na mídia pelo nosso governo.

Enquanto muitas racionalizações descrevem recursos, especialmente petróleo, com os motivos de estarmos no país, há um número crescente de vozes dissidentes. A maior parte gira em torno da relação financeira entre a Líbia e o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, o Banco das Compensações Internacionais e corporações multinacionais.

De acordo com o FMI, o Banco Central da Líbia é 100% de propriedade estatal. O FMI estima que o banco tenha cerca de 144 toneladas de ouro em seus cofres. É significativo que, nos meses que precederam a resolução da ONU que permitiu que os EUA e seus aliados enviassem tropas para a Líbia, Muammar Kaddafi estivesse abertamente defendendo a criação de uma nova moeda para rivalizar com o dólar e o euro. Na verdade, ele convidou as nações muçulmanas e africanas para se juntar a uma aliança que faria desta nova moeda, o dinar de ouro, a sua principal forma de dinheiro e câmbio. Eles iriam vender petróleo e outros recursos para os EUA e para o resto do mundo apenas por dinares de ouro.

Os EUA, os outros países do G-8, o Banco Mundial, o FMI, o BIS e as corporações multinacionais não olham com bons olhos para líderes que ameaçam o seu domínio sobre os mercados de moeda mundial, ou que parecem estar se afastando do sistema bancário internacional que favoreça a corporatocracia. Saddam Hussein havia defendido políticas semelhantes às expressas por Kaddafi pouco antes de os EUA enviaram tropas para o Iraque.

Em minhas palestras, muitas vezes eu acho necessário lembrar ao público um ponto que parece óbvio para mim, mas é mal compreendido por muitos: que o Banco Mundial não é realmente um banco mundial, é antes um banco dos EUA. E o seu irmão mais próximo é o FMI. Na verdade, se olharmos para as comissões executivas do Banco Mundial e do FMI e os votos que cada membro do conselho tem, vê-se que os Estados Unidos controlam cerca de 16 por cento dos votos no Banco Mundial, e cerca de 17% do FMI, além de deter poder de veto sobre todas as decisões importantes.

Mais ainda, o presidente dos Estados Unidos nomeia o presidente do Banco Mundial.

Assim, podemos nos perguntar: O que acontece quando um país ameaça colocar de joelhos o sistema bancário que beneficia o corporatocracia? O que acontece com um "império", quando efetivamente já não pode ser abertamente imperialista?

Uma definição de "Império" (segundo meu livro “The Secret History of the American Empire”) afirma que império é uma nação que domina outros povos, impondo a sua própria moeda nas terras sob seu controle. O império mantém uma força militar permanente pronta a proteger a moeda e todo o sistema econômico que depende dele através da violência extrema, se necessário. Os antigos romanos faziam isso. Assim fizeram os espanhóis e os ingleses durante seus dias de construção de império. Agora, os EUA ou, mais precisamente, a corporatocracia, está fazendo e está determinada a punir qualquer pessoa que tentar detê-los. Kadafi é apenas o exemplo mais recente.

Entender a guerra contra o Kaddafi como guerra em defesa do império é mais um passo no sentido de nos ajudar a nos perguntarmos se queremos continuar neste caminho de construção de império. Ou se, ao invés disso, queremos honrar os princípios democráticos que nos foram ensinados serem parte dos alicerces do nosso país?

A história ensina que impérios não duram, eles entram em colapso ou são derrubados. Guerras seguem e outro império preenche o vazio. O passado envia uma mensagem convincente. Temos que mudar. Não podemos nos dar ao luxo de assistir a história se repetindo.

Não podemos permitir que este império entre em colapso para ser substituído por outro. Em vez disso, vamos todos nos comprometer com a criação de uma nova consciência. Deixe os movimentos populares no Oriente Médio -alimentados através de redes sociais e promovidos pelos jovens que herdarão o futuro- nos inspirar a demandar que o nosso país, nossas instituições financeiras e as empresas que dependem de nós para comprar seus produtos e serviços se comprometam a criar um mundo sustentável, justo, pacífico e próspero para todos.

Estamos em uma fronteira. É hora de cruzarmos essa fronteira, e sair do vazio escuro da brutal exploração e ganância para a luz da compaixão e cooperação.”

FONTE: artigo de John Perkins, economista, escritor e ativista norte-americano. Autor de "Confissões de um assassino econômico". Seu mais recente livro é “Enganados” (Cultrix). Artigo transcrito no site “Carta Maior” com tradução de Wilson Sobrinho (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=17762).

2 comentários:

Fluxo disse...

A Líbia,como todos sabemos, é, ou era, o país de maior índice de desenvolvimento humano na África, o famoso IDH. Ocupa, ou ocupava,o 52º lugar. São vários passos à frente no sofrido Continente Africano. O Brasil está no 72º. Apesar dos pesares, essa sociedade caminhava em direção à tão propalada ocidentalização, pois muitos de seus cidadãos estudaram, ou estudam, em universidades européias. O recentemente assassinado filho mais novo de Khadafi estudava na Alemanha.Tudo isto traz, para o interior da sociedade líbia, novas influências. O próprio Khadafi estudou em academias militares inglesas, o que determinou a queda da monarquia que governava a Líbia. O poder encanta os seres humanos e Khadafi não foi exceção, mas tinha uma outra visão. Imaginem quão difícil deve ser manter unido um país com mais de cem tribos. O processo de unificação européia levou séculos para se realizar e ainda não chegou ao ápice.Assim, o que restaria à Europa seria deixar a História seguir o seu curso. Mas, não, optaram por destruir um país, uma sociedade em evolução,que eles próprios, os europeus, irão reconstruir depois de terminado o trabalho sujo.
Não havia lido este artigo quando escrevi o comentário acima.Além do petróleo, há o ouro que mudará de mãos.

Unknown disse...

Fluxo,
Acredito nos artigos que aqui já postei, que mostram que, muito além do petróleo, o motivo mais forte da intervenÇão das grandes potências ocidentais na Líbia (assim como no Iraque e, iminente, no Irã e Síria) é a vontade já declarada desses países de romperem com o padrào dólar nas trocas internacionais. Isso seria o fim do império norte-americano.
Maria Tereza