segunda-feira, 9 de maio de 2011

Moniz Bandeira: "EXECUÇÃO DE BIN LADEN TENDE A TORNÁ-LO UM MÁRTIR"


Por Claudio Leal, no Terra Magazine

“A operação norte-americana em Abbottabad, no Paquistão, pode fortalecer o terrorismo islâmico e converter Osama bin Laden em um "mártir da Guerra Santa", na avaliação do historiador e doutor em ciência política, Luiz Alberto Moniz Bandeira, 75 anos, em entrevista por e-mail a Terra Magazine.

Autor de mais de 20 livros, entre os quais "O governo João Goulart" e "Formação do Império Americano (Da guerra contra a Espanha à guerra no Iraque)", no qual explica a formação da rede al-Q'aida e o surgimento de seu principal líder, financiado pela CIA para combater as forças da União Soviética no Afeganistão.

"Essa operação em Abbottabad, violando as normas do Direito Internacional, pode produzir consequências incalculáveis nos países muçulmanos que ainda estão em meio a fortes turbulências, e fortalecer mais e mais o terrorismo dos fundamentalistas islâmicos", analisa Moniz Bandeira, professor titular de história da política exterior do Brasil (aposentado) na UnB.

Crítico da "guerra ao terror", iniciada por George W. Bush e continuada por Barack Obama, o historiador afirma que "o terrorismo não é causa". "É efeito, consequência de uma situação que só pode ser resolvida politicamente, removendo os fatores que o geram nos países islâmicos", pondera, evocando a permanência das tropas americanas "onde estão os principais lugares sagrados do islamismo", o que configura "sacrilégio para os muçulmanos".

A execução de Bin Laden, acrescenta Moniz Bandeira, "ainda mais desarmado, tende a torná-lo um símbolo e herói, o mártir, um shahīd, que, na literatura do Islã significa mártir da Guerra Santa, que se dedicou à causa de Alah, mesmo à custa de sacrificar a própria vida".

O terrorista foi assassinado por uma unidade da marinha americana, a ST6 (a equipe seis dos Seals), responsável por espionagem e operações secretas em países estrangeiros. Depois de dez anos do ataque às Torres Gêmeas do World Trade Center, comandado pela rede al-Q'aida, em Nova Iorque, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, anunciou a execução no domingo, 1º de maio, e recorreu a um discurso patriótico. Obama decidiu não divulgar imagens do cadáver.

Moniz Bandeira relativiza a conquista política. "Esse feito afigura uma vitória no imaginário da América profunda. Não constitui, no entanto, um golpe decisivo no terrorismo islâmico", diz o professor.

Nesta entrevista, ele também comenta a intervenção militar na Líbia e o impasse na Síria. "O presidente Obama tratou de passar o comando das operações (na Líbia) à OTAN, para que os países da Europa assumissem todos seus custos. Mas os aviões dos Estados Unidos continuam os bombardeios e os mercenários das empresas militares Halliburton e Blackwater, contratadas pelo Pentágono, estão a treinar os rebeldes e a participar da guerra civil. O resultado da intervenção militar ainda é incerto. Pode levar à divisão da Líbia".

A pedido de Moniz Bandeira, a ortografia em árabe -al-Q'aida e Usama bin-Ladin, por exemplo- foi mantida nas respostas.

Terra Magazine - A morte de Osama bin Laden fez ressurgir o discurso patriótico nos Estados Unidos e ampliou, imediatamente, o receio de novas ações terroristas. Quais os efeitos políticos mais claros dessa vindita?

Moniz Bandeira -
O ataque às Torres Gêmeas do World Trade Center e ao Pentágono, em 11 de setembro de 2001, configurou um ato de guerra, de uma guerra assimétrica, que não está prevista na normativa internacional. Quem cometeu o ataque foi não nenhum outro Estado nacional, como no caso de Pearl Harbor. Não se podia identificar o inimigo para retaliar, militarmente. Ele não tem esquadras nem força aérea e sua organização militar não era e não é conhecida, nem seus recursos econômicos e o sistema de informação. Os Estados Unidos, contudo, [por conveniência?] apontaram Usama Bin Ladin, chefe de al-Q'ainda, como responsável e, desde 8 de outubro, juntamente com a Grã-Bretanha, passaram a bombardear o Afeganistão, onde ele, aparentemente, se refugiava. E, adensando a construção da nova demonologia, para substituir a União Soviética e o comunismo, o governo do presidente George W. Bush e a media internacional, durante anos, apresentaram bin-Ladin como se fosse a nova superpotência, que ameaçava a segurança do país e do Ocidente.

Daí que, com a execução de bin-Ladin, pelos comandos especiais dos Estados Unidos, o discurso patriótico ressurgiu, celebrando a vitória contra o inimigo. Mas essa operação em Abbottabad, no Paquistão, violando as normas do Direito Internacional, pode produzir consequências incalculáveis nos países muçulmanos que ainda estão em meio a fortes turbulências, e fortalecer mais e mais o terrorismo dos fundamentalistas islâmicos. E esse inimigo é difuso, está disperso e recorre ao terrorismo, à custa de suicídio, porquanto não dispõe de mísseis e outras armas para atacar os Estados Unidos.

A operação no Paquistão fortalece o presidente Barack Obama, que andava combalido em pesquisas de opinião pública?

A execução de bin-Ladin tende a fortalecer o governo de Barack Obama e sua candidatura à reeleição em 2012. Ele conseguiu, em dois anos de meio, um objetivo que o presidente George W Bush não alcançou durante os oito anos do seu mandato. Esse feito afigura uma vitória no imaginário da América profunda. Não constitui, no entanto, um golpe decisivo no terrorismo islâmico. Ela reflete a profunda contradição nas relações políticas dos Estados Unidos com os povos árabes e o movimento islâmico em geral. Em 1849, Sérgio Teixeira de Macedo, chefe da Legação do Brasil em Washington, comentou: "Não acredito que haja um só país civilizado onde a idéia de provocações e de guerras seja tão popular como nos Estados Unidos". Mas a guerra contra o terrorismo, declarada por George W. Bush e continuada por Barack Obama, não pode ser vencida pelas armas. O terrorismo não é causa. É efeito, consequência de uma situação, que só pode ser resolvida politicamente, removendo os fatores que o geram nos países islâmicos.

A eliminação de Osama bin Laden desequilibra, de alguma forma, redes terroristas contrárias aos Estados Unidos? Dez anos depois do ataque às Torres Gêmeas, a importância operacional do líder de al-Q'aida está sendo superestimada?

Usama bin-Ladin simboliza as forças oposicionistas, subterrâneas no mundo islâmico, sobretudo na Arábia Saudita, onde o povo está impregnado pelo fundamentalismo e não aceita a aliança da monarquia, de fato, uma ditadura, com os Estados Unidos. A permanência das tropas americanas no seu território, onde estão os principais lugares sagrados do islamismo, configura sacrilégio para os muçulmanos. Essas forças oposicionistas estão espalhadas por todo o Oriente Médio até o Ubequistão, no Caúcaso. É necessário recordar que o ataque ao World Trade Center e ao Pentágono não foi executado por afeganes. Foi perpetrado por árabes sauditas e de outras nacionalidades, o que evidencia a existência de uma rede multinacional, conectando diversos grupos radicais dos movimentos islâmicos, espalhados pelos mais diversos países do mundo.

No Oriente Médio e na Ásia Central, esses movimentos islâmicos locais, alguns dos quais apelam frequentemente para o terrorismo, ampliaram-se, inicialmente, como campanha nacionalista. Depois, em oposição à maioria dos regimes autocráticos, existentes no Egito, Argélia, Arábia Saudita e Tunísia, entre outros estados, assumiram uma dimensão política, em que a tomada do poder se configurou mais importante do que a afirmação da fé no Islã. Não o conseguiram e, desesperadas, partiram para atacar diretamente o inimigo, "o grande Satã", isto é, os Estados Unidos, que sustentam regimes corruptos, despóticos e impopulares em quase todos países muçulmanos, e se tornaram o único responsável pelo drama da Palestina. Era previsível, portanto, que a guerra no Afeganistão e, depois, no Iraque podia deflagrar um levante generalizado nos países árabes, desestabilizando toda a região, além de encorajar outros atos terroristas e favorecer a escalada da violência. A desestabilização dos regimes demorou, mas aconteceu. E agora nem a Arábia Saudita nem o Paquistão estão a salvo.

Al-Qa'ida está reagrupada na área tribal do Uaziristão Sul, no Paquistão, desde 2003. Depois que os Estados Unidos destruíram o governo dos Talibãs, o ressentimento contra as forças estrangeiras de ocupação recrudesceu, profunda e generalizadamente, alimentado e sustentado pelas mesquitas e madrasahs, escolas religiosas onde somente se lê o Corão e das quais saíram e saem guerrilheiros mujahidin para promover a Jihad, a Guerra Santa contra os infiéis. Assim, os Talibãs puderam aumentar suas forças e, com apoio da população, intensificar as operações de guerra a partir de 2007-08. E a execução de bin Ladin, ainda mais desarmado, tende a torná-lo um símbolo e herói, o mártir, um shahīd, que, na literatura do Islã, significa mártir da Guerra Santa, que se dedicou à causa de Alah, mesmo à custa de sacrificar a própria vida.

O anúncio da morte de Bin Laden, feito pelo presidente Obama, apresentou uma retórica mais dura, em alguns pontos próxima ao do seu antecessor, George W. Bush. Nos primeiros anos do governo Obama, o senhor identificou mudanças (ainda que sutis) na política externa americana?

No início do seu mandato, o presidente Obama tomou algumas iniciativas, tímidas, com respeito a Cuba. Mas sempre declarei que não se podia ter ilusão quanto à política internacional. Ele não tinha condições domésticas de mudar substancialmente as diretrizes traçadas pelo presidente George W. Bush. De certa forma, ele as radicalizou, desmoralizando até o Prêmio Nobel da Paz que recebeu. Intensificou a guerra no Afeganistão, no Paquistão e nem respeitou o Congresso dos Estados Unidos quando entrou na guerra para derrubar o governo de Muammar al-Gaddafi, nem a resolução do Conselho de Segurança, que apenas determinou a proteção dos civis e não o apoio aos rebeldes por meio de bombardeios.

A execução de bin-Ladin certamente partiu de uma Executive Order, emitida pelo presidente Barack Obama. Sua orientação, conforme se sabe, é não fazer prisioneiros, a fim de evitar problemas, que manchem a imagem dos Estados, como ocorre com o campo de concentração de Guantánamo. Quando anunciou o assassinato de Obama, disse claramente que esse feito fazia lembrar "that America can do whatever we set our mind to", isto é, que os Estados Unidos podem fazer o que decidem. Os comandos especiais que realizaram a operação em Abbottabad lá chegaram com o objetivo de matar bin-Ladin e não fazê-lo prisioneiro. Ele foi capturado vivo e, depois, executado em frente da família, conforme testemunhou sua filha de doze anos. O governo dos Estados Unidos chama "elimination" o assassinato de líderes inimigos ou inconvenientes aos seus desígnios.

Essa eliminação é designada com o efeumismo de "targeted killing", cujo procedimento se baseia no princípio: "find, fix and finish". Essa norma -State-backed assassination- constitui, na realidade, um assassinato extra-judicial (extrajudicial killing) fora da zona de guerra e sempre foi considerado procedimento ilegal e imoral. Atualmente é levado a cabo por meio de aviões não-tripulados -drones- que disparam mísseis contra alvo determinado, teleguiados desde os Estados Unidos pela CIA. O presidente Obama, no seu primeiro ano de governo (2009), ordenou mais ataques com drones contra alvos supostamente terroristas, do que o presidente Bush durante oito anos, nos seus dois mandatos. De 99 ataques com aviões não-tripulados, realizados no Paquistão, desde 2004, 89 ocorreram depois de janeiro de 2008. Só em 2009 foram realizados 50 ataques com drones, contra 31 em 2008. Com o objetivo de eliminar bin-Ladin foi empregado um comando de forças especiais, de modo a possibilitar coleta de documentos porventura lá existentes. E, na guerra da Líbia, foi um desses aviões não-tripulados que disparou o míssil contra a residência de Muammar al-Gaddafi, com o objetivo de matá-lo.

Como o senhor avalia as intervenções militares da OTAN na Líbia? Quais são os desdobramentos econômicos das pressões pela derrubada de Kadafi?

No caso da Líbia, minha interpretação coincide com a do professor Paulo Farias, meu amigo e um dos mais importantes africanólogos da Inglaterra, na atualidade. A França tomou a iniciativa de impulsar a intervenção militar, apoiada pela Inglaterra e Estados Unidos, tentando controlar o país, que é muito próximo da Europa, e evitar que se torne uma nova Somália, um país sem Estado, caótico, e aumente a onda de refugiados. E aí também entra a questão do petróleo, pois o caos na Líbia, transformado em um país sem Estado, produziria forte impacto sobre o preço do petróleo.

A França, Inglaterra e Estados Unidos querem manter sob controle os principais campos de produção, localizados, na maioria, em Bengazhi e Trobuk, na Cerenaica, principalmente perto da cidade Ras Lanuf, bem como refinarias e terminais de escoamento, até recentemente a cargo da Arabian Gulf Oil Company (Agoco), subsidiária da National Oil Corporation (NOC), pertencente ao Estado. Os rebeldes criaram já a Libyan Oil Company, para substituir essa companhia estatal, que detém o monopólio da produção e comercialização do petróleo.

O presidente Obama tratou de passar o comando das operações à OTAN, para que os países da Europa assumissem todos seus custos. Mas os aviões dos Estados Unidos continuam os bombardeios e os mercenários das empresas militares Halliburton e Blackwater, contratadas pelo Pentágono, estão a treinar os rebeldes e a participar da guerra civil. O resultado da intervenção militar ainda é incerto. Pode levar à divisão da Líbia. Se fosse decretada pela ONU a separação da província de Benghazi, com a restauração da Sennusida, ela seria submissa aos interesses do Ocidente. Os fatores que determinaram a intervenção dos Estados Unidos, França e Inglaterra na Líbia são vários e entrelaçam-se. Um deles parece ser o esforço de legitimar a doutrina da soberania limitada e o direito de intervenção militar por motivos humanitários.

O que determina o receio das potências em intervir na Síria, onde houve também protestos e massacres a opositores?

A Síria tem um papel fundamental na questão da Palestina e na estabilidade do Oriente Médio. E os Estados Unidos não intervém, com receio de que, se cair o regime de Bachar el-Assad, as conseqüências possam ser ainda mais perigosas, com a formação de um governo ainda mais hostil a Israel, e possa desencadear uma guerra na região, já bastante complicada. O presidente Obama, em 2010, enviou um embaixador a Damasco com o objetivo de acomodar os interesses da Síria com os interesses dos Estados Unidos. E também aos governos de quatro outros países -Israel, Turquia, Líbano e Arábia Saudita- não convém a derrubada do governo de Bachar el-Assad, que poderia desestabilizar todo o xadrez na região.

Ainda é cedo para avaliar os efeitos da "Primavera Árabe", que ainda aguarda inúmeros desdobramentos, mas quais são as mudanças perceptíveis para a política externa da União Europeia e dos Estados Unidos na região?

Não creio em nenhuma "Primavera Árabe". A região é muito complicada e ainda pode ter desdobramentos nos demais países árabes. Ademais do Egito e da Síria, o país, também de suma importância para o Ocidente, é a Arábia Saudita, que é o maior exportador de petróleo do mundo, com reservas da ordem de 264,3 bilhões de barris. É uma monarquia absoluta, uma ditadura, que conta com o apoio dos Estados Unidos, e aí a situação parece, também por enquanto, sob controle. Porém a Arábia Saudita já enviou mil soldados para intervir em Bahrein, que está convulsionado.

Apesar de Bahrein ser um pequeno país, com aproximadamente menos de 760.000 habitantes, ocupa importante posição estratégica. Lá estão sediadas diversas empresas multinacionais com negócios no Golfo Pérsico e uma grande base da 5ª frota da Marinha dos Estados Unidos. Porém, cerca de 70% da população é xiita e o rei Hamad al-Khalifa, na realidade um ditador, é sunita. Se a monarquia cai e emerge um governo xiita, Bahrein aliar-se-á, possivelmente, ao Irã e a situação se complica ainda mais, porquanto a situação no Iraque, onde a intervenção militar dos Estados Unidos levou os xiitas ao poder, ainda não se estabilizou, os atentados ocorrem quase todos o dias e a guerra de fato não terminou.”

FONTE: reportagem de Claudio Leal publicada no portal no Terra Magazine, do jornalista Bob Fernandes (http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI5111332-EI6580,00.html).

Um comentário:

Unknown disse...

Emerson,
Em meu nome e, certamente, dos demais leitores do blog, muito obrigada pelas boas sugestões.
Maria Tereza