terça-feira, 10 de maio de 2011

O OCIDENTE PERDEU


Por Cláudio Lembo

Bin Laden ocupou todos os espaços nos noticiários dos últimos dias. Nada suplantou a invasão de sua moradia por tropas especiais dos Estados Unidos.

A operação realizada com traços de ficção cinematográfica tornou-se capaz de captar a atenção da mais alienada das pessoas. Tudo se mostrou rocambolesco. Repleto de drama e suspense.

Bin Laden, chefe terrorista, [segundo seus acusadores norte-americanos] causou inúmeros sofrimentos a milhares e milhares de pessoas. Provocou tragédias desmesuradas. Inúmeros os atos de terrorismo [suposta e previamente] creditados a sua liderança e a seus adeptos.

Esses atos [a ele supostamente atribuidos] teriam como ponto de partida o assassinato do presidente Sadat do Egito e sequência com a chacina das forças de paz em Beirute. Atentados contra embaixadas norte-americanas. Avançou com o dramático episódio do 11 de setembro em Nova York.

Esmerou-se no genocídio de Madri, quando exterminou simples passageiros do metropolitano na estação de Atocha. Esses acontecimentos não se esgotaram. Em Londres, cinquenta e duas pessoas foram mortas em um ataque suicida.

Há uma semana, no Marrocos, um café, local de encontro de turistas, foi para os ares, ferindo e matando dezenas de pessoas inocentes. São muitos, pois, os atentados [supostamente] atribuídos ao comando de Bin Laden.

Era um terrorista procurado por toda a parte e seu fim, em razão de sua própria vida [e das suposições de seu envolvimento], só poderia ser violento. Assim aconteceu. A invasão de sua moradia e a morte de seus convivas expressa este final esperado.

Um dia Bin Laden seria encontrado. As conseqüências “de seus atos”, porém, não se esgotaram com sua morte. Não cessam os males que sua figura e “seu modo de agir” causaram ao Ocidente.

Todos os episódios envolvendo sua morte e alguns que a antecederam provocaram caos e ruína nos mais respeitados valores e princípios plasmados por séculos de História.

Na longa e conflituosa caminhada para plasmar institutos sólidos e dignos, milhares de pessoas ofereceram suas vidas e elaboraram, muitas vezes cercados de medo, pensamentos qualificados e superiores.

Esses pensamentos permitiram tornar cada pessoa centro de todas as atenções. Preservá-la e respeitar sua integridade física exigiu muitas lutas. Gerou acontecimentos dramáticos.

As guerras religiosas -entre católicos e reformados- levaram a elaboração de longo arsenal de normas jurídicas destinadas à garantia de valores supremos: a vida, a integridade física e a liberdade.

Na preservação desses direitos inalienáveis, conceberam-se as garantias processuais, a saber: a nota de culpa, o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.

Aos governos -por todo o Ocidente- exigiu-se transparência em seus atos e ações. A prisão indiscriminada como ocorre em Guantánamo, vedadas pelos códigos penais de todas as sociedades.

Bin Laden [supostamente] ceifou vidas em pleno desenvolvimento com base em ódio acumulado no decorrer do colonialismo. Esse ódio gerou o terrorismo e as práticas de ação direta e imediata.

No entanto, o terrorismo de Bin Laden teve, sem que ele eventualmente desejasse, um resultado gravíssimo e de importância fundamental. Bin Laden, “com sua forma de agir”, “minou o sistema legal do Ocidente” [conclusão conveniente e justificadora de atrocidades do Estado norte-americano e de seus aliados na OTAN].

Todos os desafios de gerações, particularmente registrados na Gloriosa Revolução Inglesa, na Guerra da Independência dos Estados Unidos e na Revolução Francesa ruíram como as Torres Gêmeas.

Estes desafios na busca da edificação de um sistema de segurança e certeza tornaram-se frágeis e combalidos. O compreensível desejo de vingança -estabelecido no [ou melhor, pelo] centro do poder americano- causou uma insegurança incomum entre todos os povos.

Ninguém está livre de represália por parte do mais forte. Todos se sentem sujeitos a execráveis tribunais de exceção. [A imagem fabricada de] Bin Laden gerou o retorno à barbárie. Os seus inimigos só pensaram no imediato. Esqueceram os resultados da ação do penúltimo domingo. Geraram a insegurança e a incerteza jurídica.”

FONTE: escrito por Cláudio Lembo, advogado e professor universitário. Foi vice-governador do Estado de São Paulo de 2003 a março de 2006, quando assumiu como governador. Publicado no portal Terra Magazine, do jornalista Bob Fernandes (http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI5118290-EI8421,00-O+Ocidente+perdeu.html) [trechos entre colchetes e aspas adicionados por este blog].

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