quarta-feira, 11 de maio de 2011
PERSPECTIVA SALARIAL PARA O SETOR PÚBLICO
A ENTREVISTA DO SECRETÁRIO DO TESOURO
Setor público não terá fortes ganhos salariais este ano
“Em entrevista ao jornal ‘Valor’, o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, disse que o governo não aceita conceder reajustes salariais entre 30% e 40% aos funcionários públicos, como foi feito em passado recente, pois avalia que as carreiras já estão alinhadas. "Os níveis salariais do setor público brasileiro estão equilibrados inclusive entre os poderes e entre as carreiras", afirmou, numa referência ao pleito dos juízes e servidores do Judiciário, que ameaçam greve. "Isso não significa que não haverá correção monetária".
Augustin informou que os repasses do Tesouro ao BNDES em 2012, "se houver aportes", serão inferiores aos R$ 55 bilhões previstos para este ano. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor: No primeiro trimestre, houve uma expansão menor dos gastos, que cresceram abaixo do PIB. Essa é uma trajetória para o ano inteiro ou foi um fato isolado?
Arno Augustin: Teremos uma trajetória no ano de crescimento abaixo do PIB nominal para as despesas de custeio e acima do PIB nominal para as despesas com capital (investimento). Para a despesa de pessoal, minha estimativa é que venha a crescer abaixo do PIB nominal. Queremos mudar o perfil da despesa pública no sentido de que o percentual de investimento do setor público vá aumentando. Toda a nossa estrutura de liberação orçamentária, de planejamento do gasto está voltada para isso.
Valor: As despesas de custeio cresceram acima da variação do PIB, no primeiro trimestre, e os investimentos abaixo do PIB. Isso será revertido?
Augustin: Foi um resultado muito episódico (no primeiro trimestre) em função de algumas coisas, principalmente nas áreas de saúde e educação, mas isso não é tendência. A tendência é de investimento maior e custeio menor.
Valor: Para o conjunto da despesa, qual é a projeção de crescimento?
Augustin: Creio que tende a ficar próximo à variação do PIB nominal. Não acho que haverá grande variação nem acima nem abaixo.
Valor: Se a despesa de custeio crescer abaixo do PIB, essa estratégia garante o cumprimento da meta cheia de superávit primário?
Augustin: Sim.
Valor: Vocês estão convencidos de que a meta cheia (sem o desconto dos investimentos do PAC) será cumprida?
Augustin Sem dúvida. Eu disse, entre o fim do ano passado e início deste ano, que havia sinais de que a situação fiscal era diferente. O primário dos últimos meses é muito melhor em comparação ao primeiro trimestre do ano passado. A diferença é gritante. Vamos cumprir a meta e acho que ninguém duvida disso. Os dados são bem claros.
Valor: Boa parte do ajuste do primeiro trimestre foi obtida com receita muito forte. Agora a expectativa é de acomodação do crescimento econômico. Essa desaceleração não vai impactar negativamente a receita?
Augustin: A nossa previsão de receita tem se mostrado em linha com o que está acontecendo. Não há nenhum indício de que a receita possa ficar menor que a nossa projeção, que já considerava o crescimento econômico menor em 2011 porque o governo colocou isso como objetivo. É parte da nossa estratégia ter expansão menor [do PIB], isso está planejado. Mesmo com esse menor crescimento, o ritmo de aumento da receita vai se manter ao longo do ano porque, em 2010 e em 2009 a receita esteve muito abaixo do PIB. Agora está recuperando. Quando o PIB cresce fortemente, como no ano passado, no momento subsequente a receita com o Imposto de Renda aumenta. Há uma série de elementos que fazem com que a nossa expectativa em relação ao IR [Imposto de Renda] e ao IPI [Imposto sobre Produto Industrializado] deste ano seja bem mais favorável em comparação a 2010.
Valor: Diante dessa perspectiva e considerando o resultado fiscal elevado do primeiro trimestre, o governo pode fazer um superávit acima da meta?
Augustin: Acho prematuro falar em excesso de superávit. Não gosto de criar expectativas demasiadamente otimistas. Nossa meta é o superávit cheio. Pode ser que, ao longo do ano, se coloque essa situação, como em 2008, quando fizemos superávit maior? Pode. Vamos encarar isso como uma hipótese de trabalho. Mas não estamos mirando nisso neste momento. Achamos que mirar no superávit cheio já tem aspecto contracionista. Não estamos mirando nem em mais, nem em menos.
Valor: A economia passa por acomodação com o objetivo de sair de crescimento de 7,5% para 4,5%. Isso explica a razão de fazer esse superávit elevadíssimo no primeiro trimestre?
Augustin Trabalhamos, propositadamente, com superávit mais forte no primeiro trimestre.
Valor: Por quê?
Augustin: Porque a economia exigia. Em dezembro, janeiro, fevereiro e março, enxergamos que a economia estava em ritmo acima da atividade (que o governo queria) e que era o momento do fiscal agir com mais força e fizemos isso. Concentramos mais no início do ano.
Valor: Em abril já se chega a superávit primário acumulado equivalente à metade da meta, como chegou a dizer o ministro da Fazenda, Guido Mantega?
Augustin Sim. Quero reiterar o que o ministro falou. Essa é a expectativa do Tesouro. Até abril estamos próximos da metade da meta de superávit do ano (para o governo central, a meta é de R$ 81,8 bilhões). Isso é uma opção que fizemos: trabalhar com o superávit forte principalmente no início do ano em função da necessidade da política fiscal ajudar na redução do ritmo do crescimento econômico.
Valor: O Sr. quer dizer ajudar no controle da inflação?
Augustin: Eu prefiro dizer no ritmo do crescimento econômico, porque, no caso da inflação, há várias questões a serem analisadas, inclusive a das commodities.
Valor: Então, quem aposta que o governo não fará a meta cheia de superávit vai perder?
Augustin: Vai, sem dúvida alguma. Eu acho que agora ninguém mais está apostando nisso.
Valor: O gasto com pessoal dará grande ajuda porque o funcionalismo não está tendo reajuste este ano. Mas evidentemente o governo não pretende manter essa política de arrocho.
Augustin Não há política de arrocho. Não crescer igual ao PIB nominal não tem nada a ver com arrocho, porque o PIB nominal inclui a variável de correção monetária e a variável de crescimento econômico (real). O que ocorre este ano é que os aumentos reais (para o funcionalismo) dados no passado, principalmente para reequilibrar a relação entre as carreiras - reajustes de 30% a 40% - não precisam ser dados novamente porque nós reequilibramos as carreiras. Os salários das carreiras como da Polícia Federal, da Receita Federal, do Tesouro, do Banco Central hoje estão equilibrados.
Valor: Mas os juízes ameaçam fazer greve...
Augustin A nossa opinião é que hoje há equilíbrio.
Valor: Equilíbrio inclusive entre os poderes?
Augustin Exatamente. Principalmente entre os poderes, foi exatamente esse o equilíbrio alcançado. Portanto, não é o momento de se rediscutir reajustes que gerem desequilíbrios e não estamos projetando isso para este ano. Isso não significa que não haverá correção monetária. Agora, não enxergamos a necessidade de reajustes de 30% ou 40%. Os níveis salariais do setor público brasileiro estão equilibrados inclusive entre os poderes e entre as carreiras. Hoje temos um nível de tensão bem menor.
Valor: O governo desistiu de impor limite à expansão do gasto de pessoal?
Augustin O projeto que impõe limite à despesa de pessoal nós fechamos e esperamos a aprovação (pelo Congresso).
Valor: Por que o governo não inseriu no projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2012 limite para o gasto de custeio?
Augustin Também achamos isso (limite para o gasto de custeio) uma possibilidade, mas não na LDO. Seria no projeto que limita o gasto com pessoal. Esse projeto (que está na Câmara dos Deputados) altera a Lei Complementar 101, conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal. Esse é o local adequado para se discutir o gasto de pessoal e também eventualmente a despesa de custeio. Nós somos a favor de que haja limite para as despesas de custeio administrativo.
Valor: O que significa isso?
Augustin Não achamos razoável que a lei diga que o gasto fim com educação e saúde não possa ser aumentado, ou os gastos da área social. Agora, o custeio administrativo (diárias, passagens, terceirização, reformas etc) achamos que, se houver uma limitação,... Mas essa é uma discussão no Congresso.
Valor: Mas o governo vai tomar a iniciativa de enviar um projeto propondo limite para a despesa com custeio administrativo?
Augustin Já há um projeto.
Valor: Mas nesse projeto o governo propõe limite?
Augustin O governo não fala isso, mas o governo demonstrou que acha pertinente que haja limite.
Valor: Qual seria o limite para a despesa com custeio administrativo? Um aumento real de 2,5% em relação ao ano anterior, como o do gasto com pessoal?
Augustin Isso. A mesma regra para a despesa de pessoal e de custeio administrativo. Agora, quero chamar a atenção que essa não é uma discussão especificamente do Executivo. É uma discussão também do Congresso e da sociedade, é um debate estratégico e de longo prazo. Independente do projeto, estamos fazendo isso, trabalhamos com custeio menor.
Valor: O governo tem insistido que deseja melhorar a qualidade do gasto. O que isso quer dizer?
Augustin: O PAC. Ou seja, trabalhar com investimentos maiores e trabalhar com investimentos programados plurianualmente. O Brasil hoje tem programação, desde o início desta gestão, sobre quais são os investimentos prioritários. Os ministérios estão trabalhando nisso, fazem projetos, portanto, isso proporciona maior qualidade. Outro elemento é reduzir despesas para que, no longo prazo, sejam menores.
Valor: Que tipo de despesas?
Augustin Custeio de diárias, passagens, terceirizações de uma forma geral. Entendemos que é necessário esse esforço. Há dois grandes agregados que precisam de atenção constante: auditoria e análise das contas de pessoal, para ver se tudo está sendo feito de acordo com a legislação e, também, volume de contratações de pessoal. Outro grande bloco é o abono salarial e o seguro desemprego: o desemprego vem caindo e nem por isso a despesa de abono e seguro desemprego cai, precisa de uma análise mais forte disso. Até tem uma explicação econômica, que é a rotatividade maior, mas isso explica apenas uma parte. Então, achamos que é bom trabalharmos com uma lupa mais forte sobre esse agregado.
Valor: Na política fiscal, pode-se fazer excesso de superávit para reforçar o Fundo Soberano?
Augustin Poder pode. Mas não estamos trabalhando, no momento, com excesso de meta. O Fundo Soberano existe para momentos como esse (de excesso de superávit). Se for o caso de se fazer superávit um pouco maior, se o governo entender isso, pode-se usar o Fundo Soberano.
Valor: O Fundo está totalmente preparado para prestar ajuda à política cambial? Para a compra de dólares?
Augustin Sim. Não precisa mais nada.
Valor: E quais são os parâmetros para esse uso do fundo na política cambial?
Augustin É a avaliação sobre qual é a melhor política de câmbio, que é algo que temos feito cotidianamente aqui e no Banco Central. O fundo é um instrumento importante a mais. O simples fato de existir já ajuda.
Valor: Por quê?
Augustin Porque cria no mercado a convicção de que se o governo entender que precisa agir de mais de uma maneira, poderá fazê-lo sem limites.
Valor: Sem limites porque o Tesouro pode emitir títulos para financiar essa compra. É isso?
Augustin Sim. E podemos fazer isso a qualquer momento. Então, isso reforça nosso posicionamento.
Valor: Essa decisão é de quem: do Ministério da Fazenda, do Banco Central ou da presidente Dilma Rousseff?
Augustin O conselho do fundo autorizou a operação em moeda estrangeira. Portanto, agora, é decisão do Ministério da Fazenda. Mas sempre tomamos decisões como essa em conjunto e coordenada.
Valor: A última ata do Copom levantou a possibilidade de o Tesouro reduzir os aportes ao BNDES nas operações subsidiadas, no contexto do melhor controle da demanda. Esse tipo de questão já foi discutida?
Augustin O governo já está fazendo isso. Em 2011, temos um volume de recursos previsto para o BNDES de R$ 55 bilhões, portanto, bem inferior aos R$ 80 bilhões de 2010 e aos R$ 100 bilhões de 2009. Também temos taxas [de juros] do PSI [Programa de Sustentação do Investimento] bem mais altas do que as do ano passado. Tudo isso tem o objetivo de fazer com que nossa ação nos investimentos possa resultar na diminuição direta do setor público e fazer com que os mecanismos privados de mercado possam sustentar o financiamento de longo prazo. Esse tipo de financiamento no Brasil ainda é muito difícil de ser feito sem a intervenção do BNDES. Adotamos uma série de medidas que estão maturando e isso aos poucos constituirá na maior participação do mercado, com o BNDES saindo.
Valor: Então em 2012 esses aportes serão menores que os de 2011?
Augustin Certamente. Se houver aportes, serão menores. O importante é ter estratégia, porque não podemos prescindir de que os bens de capital cresçam fortemente, senão haverá inflação porque não haverá capacidade instalada.
Valor: A gente nota certa movimentação dos Estados em rever o IGP-DI, como indexador das dívidas que foram renegociadas pela União. Essa é uma discussão que encontra receptividade no governo?
Augustin Nós não vamos mexer na Lei de Responsabilidade Fiscal e isso não está em discussão. Agora, não temos particular afeição pelo IGP [como indexador]. Ele foi à época escolhido e é um indexador que não se pode mexer. Não alteramos o IGP porque a LRF diz que não pode. Por outro lado, temos feito, dentro da LRF, alterações e temos melhorado o perfil das dívidas dos Estados. Fizemos uma negociação com o município do Rio de Janeiro, que pagava IGP mais 9% ao ano, e passou a pagar IGP mais 6%. O município pré-pagou, nos termos do contrato, a parcela extraordinária que não havia pago.
Valor: Como foi feito isso?
Augustin O município do Rio de Janeiro pegou empréstimo externo com o Banco Mundial (e pagou a parcela extraordinária), o que permitiu a ele ter taxa de juros menor. O Estado do Rio Grande do Sul fez operação pela qual, também através de empréstimo do Banco Mundial, pagou a dívida extra limite. Isso melhorou o perfil da dívida do Estado. Temos feitos discussões semelhantes com vários Estados e tudo isso está previsto na LRF. Ou seja, o fato de dizermos que não iremos mexer na lei não significa que não vamos melhorar, dentro das regras do jogo, as dívidas estaduais.
Valor: Alguns Estados e municípios estão reivindicando voltar a emitir títulos públicos no mercado.
Augustin Não há nenhuma hipótese de a Secretaria do Tesouro Nacional vir a concordar com isso. Não é permitido pela Resolução do Senado que prorrogou a proibição para novas emissões até 2020. E não há nenhum estudo nosso que aponte para essa possibilidade. Não pode e não vamos deixar. Isso (a proibição para a emissão de títulos) para nós é um dos pontos mais importantes que há.
Valor: Por quê?
Augustin Porque foi isso que gerou todo o problema do endividamento dos Estados e municípios. Imagine 27 Estados e 5 mil municípios no mercado financeiro lançando títulos todos os dias.
Valor: Isso não será permitido nem para financiar obras da Copa e da Olimpíada?
Augustin Não. Isso é argumento para reestruturarmos as dívidas, melhorar o perfil dos entes e darmos limites, e temos feito isso.
Valor: Quando o Tesouro fará uma emissão no exterior?
Augustin Será em breve.
Valor: Em real ou em dólar?
Augustin Provavelmente em real.”
FONTE: reportagem de Ribamar Oliveira e Luciana Otoni publicada no jornal “Valor Econômico” e transcrita no portal de Luis Nassif (http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/a-entrevista-do-secretario-do-tesouro#more) [imagem do Google adicionada por este blog].
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