Jean-Luc Mélenchon (ex-Ministro francês, ex-Senador, Deputado da UE e fundador do Partido de Esquerda)
Por Jean-Luc Mélenchon, do “Parti de
Gauche”, França, sob o título original “Vertige du moment, des faits et des
mots”. Excerto
traduzido e comentado pelo “pessoal da Vila
Vudu” e postado no blog “Redecastorphoto”
(Entreouvido na «Vila Vudu»: Esse é
o quadro planetário em que entra o Brasil - 2013-2014 – estridentemente silenciado em TODOS os
jornais e televisões privadas brasileiras. A
violenta campanha da tucanaria da privataria associada aos veículos da
imprensa-empresa contra a reeleição da presidenta Dilma também se inscreve
nesse quadro planetário. E, nesse quadro, sim, toda a tucanaria da privataria e
seus veículos associados farão QUALQUER COISA pra eleger QUALQUER CANDIDATO
SEU, mesmo que seja candidato raspa-de-tacho, keném o panaca do Aécim,
sub-do-sub da irmã (porque não
conseguiram candidato melhor).
Faço aqui, para vocês, um relato do essencial,
depois de Estrasburgo [reunião da Comissão Europeia, nos dias 21-23/5/2013]. Trata-se,
sobretudo, do sinal de partida para o grande negócio deste novo século na
Europa: a anexação, pelos EUA, de nossas democracias europeias já fracassadas. São as primeiras negociações com
vista à constituição de um livre mercado
único, transatlântico, desregulado. Anos e anos de sinais de alerta não
serviram de nada. O espesso tapete midiático-político abafou os ruídos do bote
que dão, contra a Europa, os trusts ianques. Agora, depois de anos de discreta
preparação, a coisa começa a andar.
A partir de uma simples declaração de Obama, aprovada por Merkel, depois de
uma visita tão solene quanto apenas formal dos androides Van Rompuy e Barroso,
a máquina começa a rodar. A Comissão Europeia vai-se autoatribuir o direito de
representante para negociar. A negociação começa em julho. Hollande está entre
os ausentes premiados. Quanto a Ayrault… Sabe-se lá! E os jornais e televisões,
ditos «meios de comunicação»? QUEM?!
Divido essas notas em duas partes: uma apresenta, resumidamente, o conteúdo
do Tratado; a outra analisa o contexto das forças políticas em relação ao mesmo
tema.
Convido enfaticamente meus leitores a apropriar-se do problema. Para tanto,
comecemos por conhecer os fatos. Este [texto] postado visa a ajudar nessa
tarefa. Mas há também o livro editado por nós, que vocês encontram aí, na
coluna à esquerda [1] neste blog. Seja como for, esse negócio sobrecarregará nossa atividade
política nos próximos meses e, sem dúvida, durante anos.
Não é possível combater, sem formar opinião esclarecida sobre a questão.
É preciso, pois, começar imediatamente um trabalho de educação popular de
massa, para que muitos entendam do que, de fato, se trata. Espero que nosso partido
chegue ao poder a tempo de fazer gorar esse plano. Foi
o que aconteceu na América do Sul. A chegada ao poder de amigos nossos
conseguiu mandar para o lixo a ALCA, tratado equivalente a esse [EUA-UE], no
último momento. Seja
como for, é preciso começar a trabalhar ativa e imediatamente.
(…)
UMA VELHA CONSPIRAÇÃO MERCANTIL
O «prato de resistência» dessa sessão foi a votação de uma Resolução sobre
o mandato da Comissão Europeia na negociação que se inicia para a construção de
um grande mercado único entre os EUA e a União Europeia [UE].
Em 2009, editei uma brochura que circulou muito, sobre tudo isso. Alertei sobre os
perigos desse Grande Mercado
Transatlântico que se trama já há dez anos pelas costas dos eleitores e dos
povos. Um total silêncio nos jornais e televisões, e uma prudente omertà dos partidos que participam desde o início dessa
discussão, conseguiram ocultar completamente dez anos de discussões
preliminares.
Esse vasto projeto de liberalização
das trocas comerciais e dos investimentos está sendo agora acelerado – aceleração espetacular – sem que nenhum
eleitor europeu tenha votado coisa alguma. Não por acaso.
Nenhum partido candidato ao governo de nenhum país europeu jamais incluiu
essa discussão em suas respectivas plataformas eleitorais – nem, como se sabe, os socialistas franceses
à François Hollande.
No início do ano, denunciei que Obama estava relançando o
mesmo projeto , movimento imediatamente aprovado por Merkel. Os arcanos da União
Europeia debatem, portanto, em segredo, um mandato para eles mesmos, que
receberão dos 27 ministros do Comércio à Comissão Europeia, no próximo dia 14
de junho.
As negociações começaram este ano, no verão! A existência desse projeto
para autorizar esses negociadores e a negociação está bem demonstrada e
comprovada, com data de 13 de março, na página Web do «Conselho da União
Europeia», no documento de número 7396/13. Mas é documento secreto! Na página,
lê-se «não acessível». Dado que vários tratados dão à Comissão Europeia
competência exclusiva para legislar sobre matéria comercial, o Parlamento
Europeu não tem poder algum para limitar esse mandato. Mas, de fato, a coisa
nem existe oficialmente. Os deputados europeus estão proibidos de LER os
documentos. O Parlamento Europeu pode, no máximo, manifestar-se em geral sobre
essa negociação, via uma «resolução», exatamente como vota, quase sempre,
questões sobre as quais os deputados nada podem decidir. Assim se devem
interpretar as resoluções votadas em Strasbourg dia 23 de maio, sobre as quais
escrevi em meu blog europeu.
Graças
ao jornal “L’Humanité”, esse projeto de mandato secreto – que só foi distribuído em inglês – pôde
afinal ser conhecido, esta [última] semana. A matéria está em: “Exclusif. Humanite.fr publie les bases
de travail pour l’accord de libre-échange transatlantique”.
Nenhum veículo da imprensa-empresa dominante, até agora, deu qualquer
atenção à amplidão da negociação que se anuncia. No máximo, fala-se de um
debate aberto há dez anos, sobre o lugar do audiovisual e a exceção cultural
que há no acordo. Mas o mandato secreto que está para ser votado secretamente
na Comissão Europeia prova e comprova que todo o conjunto da economia e todos
os serviços públicos em toda a Europa estão às vésperas de enfrentar nova onda
de liberalizações [e a correspondente
privataria], caso esse acordo seja assinado.
O que faz François Hollande nessa hora? Nada! No máximo, «informa-se»
passivamente sobre o que Barack Obama
e Angela Merkel decidam. Na reunião dos dias 7-8 de fevereiro, o Conselho
Europeu declarou-se, literalmente, com o aval de Hollande, que não disse
palavra, «a favor de um acordo comercial
global entre a União Europeia e os EUA».
E desde 13 de fevereiro, sempre sem que Hollande dissesse coisa alguma, é
em Washington que o nome do novo acordo foi selado por Barack Obama com Barroso
e Van Rompuy. Por baixo da mesa!
O projeto se chamará «Acordo de
Parceria Transatlântica para o Comércio e o Investimento», do qual só se
fala sob uma sigla secreta, em globalês, «TTIP»
(Transatlantic
Trade and Investment Partnership). Obama e os dois dirigentes não
eleitos da União Europeia definiram o objetivo do acordo: «acelerar a liberalização do comércio e do investimento». Nesses
termos, a autoridade para negociar em nome de todos os países europeus será
entregue à Comissão Europeia, definitivamente, dia 14 de junho próximo, pelo
Conselho de Ministros do Comércio. «Legalizado» o negócio, e com o mandato para
negociar outorgado à Comissão Europeia,
as negociações finais poderão acontecer à margem da reunião do G8, dia 17 de
junho, como propôs o britânico David Cameron. E Hollande... mudo. Não disse uma
palavra sobre nada disso, ele, que representará a França na reunião do G8.
Tudo isso anda muito depressa. Tudo poderia passar completamente
despercebido, como sempre, e os veículos da imprensa-empresa continuariam na
tarefa de tudo esconder. Mas os amigos da cultura europeia reagiram.
Já comentei a catástrofe que esse acordo atrairá para o mundo do cinema
europeu. O pessoal reagiu com firmeza. Até agora, o cinema europeu é o único
setor que já se manifestou. As atividades do cinema europeu são efetivamente
protegidas na Europa por mecanismos de incentivo público, mas também por leis
de difusão, como as quotas obrigatórias para canções em francês, ou a obrigação
de exibir número mínimo de filmes franceses. Do ponto de vista da liberalização
do comércio, como pretende o acordo, todas essas leis de proteção ao cinema
francês são obstáculos a serem eliminados. Mas, na verdade, todos os setores de
atividade serão atingidos.
De início, houve os que usaram a batalha pela «exceção cultural» para mascarar a aceitação do resto do texto; para
usá-lo como árvore que oculta a floresta das liberalizações&privatarias. A lei secreta preparada pela
Comissão Europeia fixa, como objetivo, a constituição de um «mercado transatlântico integrado». Visa
à «liberação do comércio de bens e de
serviços e de investimentos, com especial atenção à supressão de barreiras
regulamentadoras inúteis». Exige que o acordo seja «muito ambicioso, indo além dos compromissos de liberalização da OMC».
Vocês entenderam bem? [2]
Consideremos a coisa mais de perto. Essa operação de neoliberalização geral tem vários aspectos. Começa pela «supressão total dos direitos de alfândega»
sobre produtos industriais e agrícolas. Só no item «tarifas», o acordo já é
prejudicial aos europeus. Segundo os números da Comissão Europeia, a taxa média
de direitos de alfândega é de 5,2% na União Europeia e de 3,5% nos EUA.
Significa que, se as taxas caírem a zero, os EUA levam vantagem superior a 40%,
na concorrência com a União Europeia. Essas vantagens para produtos fabricados
nos EUA será ainda maior por causa da fraqueza do dólar em relação ao euro.
Assim, só considerado o item quantitativo, o acordo será verdadeira máquina de
exportação de empresas e postos de trabalho. O que agravará o desemprego na
Europa. Até a Comissão Europeia reconhece, meio envergonhadamente, no estudo de
impacto que encomendou, que o tratado provocará «queda importante» da atividade econômica e do emprego no setor
metalúrgico. No setor metalúrgico?!
Há, em seguida, o aspecto não tarifário do acordo. Não só a produção sofrerá, mas haverá
impacto também sobre o conteúdo das leis nacionais europeias. O projeto fala de
«reduzir o peso dos custos resultantes de
diferenças na regulamentação» . Propõe «buscar novos meios para impedir
que as barreiras não tarifárias [quer dizer: as leis] limitem a
capacidade das empresas europeias e norte-americanas para inovar e competir em
melhores condições nos mercados mundiais». Barroso explicou que «80% dos ganhos que se espera obter do Acordo
virão da redução do peso das muitas leis e da burocracia». Significa que os
androides da Comissão Europeia veem nesse acordo a chance de avançar ainda
mais, em relação ao que já temos hoje, na desregulação. O que os incomoda é «o
peso» da lei.
Para liberalizar o acesso aos mercados, a União Europeia e os EUA terão de
impor suas leis em todos os setores, porque qualquer norma «protecionista» (que não seja de proteção da indústria e do agrobusiness norte-americanos) é considerada
obstáculo ao livre comércio. Ora bolas! Diferente do que dizem a Comissão
Europeia e seus papagaios de repetição liberais e sociais-democratas no
Parlamento Europeu, os EUA e a Europa não têm «normas de rigor análogo em matéria de emprego e proteção ao meio
ambiente». A verdade é que os EUA fogem hoje de todos os enquadramentos do
direito internacional em matéria ecológica, social e cultural. Não assinaram
várias convenções importantes da OIT sobre direitos do trabalho. Não aplicam o «Protocolo
de Quioto» contra o aquecimento global. Recusaram a convenção pela
biodiversidade. E recusaram também as convenções da UNESCO sobre diversidade
cultural. Todos esses documentos foram subscritos por países europeus. A regra
praticamente geral, que se aplica praticamente sempre, é que leis
norte-americanas nesses assuntos são mais frouxas que as leis europeias.
Um mercado comum com os EUA à frente, e desregulamentado, puxará cada vez
para mais baixo toda a Europa. Se se precisar de exemplo do espírito dos
conglomerados norte-americanos, um bom exemplo vem de Bangladesh. Os
conglomerados europeus acertaram-se para discutir normas que, segundo eles,
impediriam que se repetisse o horror que se viu em Bangladesh. Os conglomerados
ianques não querem nem ouvir falar em discutir coisa alguma. Regulações? Nem
pensar. Considerem-se, portanto, todos, bem avisados. (...)
E a agricultura! Aí, o horror é total. O acordo exporia os europeus a
deixar entrar o pior que é produzido pelo agronegócio norte-americano: carne com hormônios, aves lavadas com cloro,
organismos geneticamente modificados, animais alimentados com farelo animal
contaminado. E, isso, sem falar que os EUA têm o mais falho sistema de
traçabilidade do planeta. Não conhecem, sequer, «indicações geográficas protegidas». Para eles, apelações como Bourgogne ou Champagne são substantivos
genéricos, cujo uso deve ser livre. É o que basta para poderem vender vinho
«Champagne» produzido na Califórnia. E por aí vai. Vai agradar muito à ministra
da Universidade, de Hollande: fala inglês
e beberica Bordeaux do Tennessee!
E TEM TAMBEM, E CLARO, A PRIVATARIA!
Mas não acabou. O projeto de acordo traz outras más notícias. Lê-se ali que
a negociação tratará também da «política de concorrência, incluindo
dispositivos sobre concentrações, fusões e falências». E os que esperavam
que os serviços públicos seriam protegidos, lá está, bem claro, que «o
acordo abrangerá os monopólios públicos, empresas públicas e empresas de
direito específico ou exclusivo». O acordo visa, ainda, à «abertura dos
mercados públicos em todos os níveis: administrativo, nacional, regional e local». Estão tontos ?! Pois o delírio continua.
O acordo diz, claramente, que lutará contra o impacto negativo de barreiras
como «critérios de localização». É quase inacreditável. Por exemplo: será
«ilegal» criar circuitos locais, curtos, de autoabastecimento de coletividades
locais.
Como já se adivinha, o aspecto financeiro é o principal, no espírito dos
promotores do TTIP. Cobre tudo,
em matéria de investimento e finanças. Em matéria de investimentos, o acordo
visa a alcançar «o mais alto nível de liberalização existente nos acordos de
livre troca». Medidas específicas
de «proteção aos investidores» serão
negociadas, incluindo «um regime de conciliação dos contenciosos entre os
Estados e os investidores».
Por trás dessas fórmulas obscuras, trata-se de dotar os investidores de
direitos especiais e de procedimentos preferenciais supranacionais, pondo-os em
posição superior às leis e aos direitos dos Estados. É a mesma lógica que se
viu no «Acordo Multilateral sobre
Investimentos», AMI, que os EUA tentaram impor em 1998 [3] e que foi abandonado sob
pressão de mobilizações populares e porque a França o rejeitou declaradamente. [4] O acordo que Jospin espantou
para longe, volta agora pela janela. E, agora, François Hollande está de
acordo!
Mais uma boa notícia para a grande finança: o projeto favorece uma «liberalização
total dos pagamentos correntes e das movimentações de capitais». É um maná
para as praças financeiras anglo-saxônicas menos regulamentadas e mais
especulativas. Os gigantes norte-americanos do crédito hipotecário poderão,
assim, vender seus papéis podres na Europa, nas mesmas condições sob as quais
os vendem nos EUA. Que benfeitores!
Como já expliquei, acordo desse tipo com os EUA seria erro geopolítico
histórico. Ao longo dos últimos 10 anos, o Império viu todos os seus esforços
de liberalização do comércio mundial serem sistematicamente bloqueados na
Organização Mundial do Comércio, OMC, pela resistência crescente dos países do
Sul. Então, o Império lança olhos para a Europa.
A Europa produz 50% da produção mundial. Aqui, portanto, os EUA tentam
reconstituir sua dominação, que hoje cai aos pedaços na competição contra a
China. Trata-se para eles, simplesmente, de impor a lei norte-americana a todo
o mundo. [5] O projeto em construção na Comissão Europeia não
faz segredo do que está fazendo: diz que
as regras comuns a serem fixadas para Europa e EUA deverão «contribuir para o desenvolvimento de regras
mundiais». Em resumo, é acordo que amadureceu ao mesmo tempo que a
teoria do «choque de civilizações»,
teoria da qual é a tradução geopolítica.
TEMOS DE FAZER GORAR O GRANDE MERCADO TRANSATLÂNTICO
O Parlamento Europeu, até agora, decidiu que a Comissão Europeia é
representante europeia para inventar o tal «Grande
Mercado Transatlântico». Que fique bem claro: o texto elaborado pelo Parlamento Europeu não tem qualquer valor de
lei, ou normativo. É o projeto de uma resolução. Examinemos o contexto
político em que estamos, porque é fator decisivo para o que proponho adiante.
Os sociais-democratas capitularam. Não. Eles estão eufóricos,
entusiasmadíssimos. O relator acaba de declarar que conta com esse grande
mercado para «reindustrializar a Europa»!
É de dar vergonha! Na sequência, repete o discurso confuso desse tipo de
político: «traçar linhas vermelhas»,
«negociar com firmeza» e o
blá-blá-blá de sempre. Consternador. O presidente da Comissão de Comércio é
socialista. E festeja que as negociações estejam começando. Diz que não é
necessário abandonar a discussão de alguns aspectos, como o aspecto cultural do
acordo. Resumindo: para ele, está ótimo! Não fosse a intervenção do socialista
francês Henri Weber, os socialistas já estariam falando como perfeitos
sociais-democratas! O que mais me espanta é que, para eles, o acordo é
perfeito. O tal grande mercado só traria benefícios. Sequer uma suspeita, uma,
que fosse, ante a propaganda da Comissária, que garante crescimento de 2%, a
partir do momento em que inventarem o tal grande mercado. E desconfiar, aí, é
absolutamente necessário. Se somássemos todos os «crescimentos» que nos
prometem em cada acordo que assinam, a França já teria crescido duas Chinas!
Aqui, o acanalhamento dos sociais-democratas corresponde mais ou menos ao
que se vê em todos os partidos nacionais. Os socialistas franceses são
inexistentes. Já não têm influência nem sobre os próprios deputados. É
resultado que tem tudo a ver com a grande variação de posições dentro da
política europeia. Mas tem muito a ver, também, com a evidência de que estão
presos sob dupla pressão. De um lado, há os deputados alemães, que dominam o
grupo social-democrata. E cada vez mais atuam em coordenação absoluta e
permanente com deputados alemães de outros grupos políticos. De outro lado, são
pressionados pelo «Eliseu», interessado em firmar e avalisar qualquer acordo
com o governo alemão. Há inúmeros sinais desse arranjo. Não há outra explicação
possível para o voto inacreditável dos sociais-democratas contra a proposta de
que o Parlamento Europeu debatesse a ajuda alimentar para povos europeus. Todos
se lembram que a discussão foi suspensa, de fato, pelo governo alemão. No caso
da negociação transatlântica, os alemães não estão muito preocupados. Os
alemães não estão em concorrência direta contra os EUA nos setores vitais de
sua economia.
Em termos gerais, eis o que vai acontecer. A social-democracia europeia não
perderá o sono, passados os primeiros instantes de choque. Já abraçaram o
acordo. O Partido Socialista francês vai concentrar-se exclusivamente em
excluir do projeto o domínio do audiovisual.
Se conseguirem alguma coisa, apresentarão qualquer coisa como enorme vitória; e todo o resto do
projeto do Grande Mercado Atlântico
será aceito. Todas as marionetes da [rua] Solferino [sede do Partido Socialista] tocarão trombeta sobre o assunto, para
que todos engulam o tratado. A justa reivindicação de exceção cultural, será
usada como cortina de fumaça.
Para os Socialistas, pior seria se se tivesse discutido a exceção cultural
desde o início: seriam obrigados a
combater todo o projeto de acordo, o que facilitaria a nossa vida. Seja
como for, a luta dos que se opõem ao tratado UE-EUA contará com o apoio de
vozes prestigiadas do campo cultural. Eles falarão sem parar enquanto durar a
negociação. E nós também falaremos. Não há dúvidas de que, em pouco tempo, com
a discussão posta na rua, os agricultores e as associaçãoes de saúde pública
também entrarão no debate – porque todos
esses rapidamente entenderão que também estão ameaçados.
Verdade é que toda a civilização europeia como a conhecemos foi construída
sobre intervenções do Estado. E o que acontecerá quando os cidadãos, afinal,
perceberem que a questão chave de todos os debates no Parlamento Europeu e na
Comissão Europeia é sempre, e só, a Defesa e as grandes indústrias fabricantes
de armas e armamento?
O «Grande Mercado Transatlãntico» é a anexação da Europa pelos
EUA. Que bandalheira! Nada restará de algum ideal europeu, com esse grande
mercado. Nosso presente estará destruído e nosso futuro, em impasse. Que Europa
restará, se já não se puder buscar harmonizar salários, ou impostos, e nenhuma
cooperação for sequer pensável? A «livre concorrência» atropela todos esses
projetos. Se os projetos europeus insistirem em não morrer, choverão sanções
sobre eles... A prova desse funcionamento de coerção vê-se já no Canadá, já
processado em bilhões de dólares por «entraves» que o país teria criado à «livre
concorrência». Esse tratado de livre comércio transatlântico comandado pelos
EUA decretará, se aprovado, a dissolução da União Europeia, que se liquefará no
mercado único dos EUA.
Nós, os partidos de esquerda da Europa do Sul, sabemos que a palavra
radical e o programa radical não vivem, um sem o outro. É hora de todas as
táticas e estratégias de pressão, discussão e manifestações sem parar.
Nossos amigos da América do Sul conseguiram fazer gorar a ALCA, projeto
semelhante pilotado pelos EUA. Temos de ter a mesma meta, sem descanso: fazer
gorar o «Grande Mercado Transatlântico»!
NOTAS
DOS TRADUTORES
[1]
Le grand marché transatlantique, Bruno Leprince Ed., Paris, 2012.
[2] A
recente eleição do diplomata brasileiro Roberto Azevedo para dirigir a OMC, o
qual tomará posse em setembro, muito mais do que indicar que “o mundo se curva ao Brasil potência” –
como escreveram alguns mal-informados metidos a nacionalistas informadíssimos –
indica, isso sim, que há grande número de
países que se opõem ao TTIP e
que se reuniram em torno do candidato que manifestava a posição desses países.
Ali, esse grupo venceu com larga margem de votos. De fato, o que se vê hoje é
gigantesca, planetária, queda-de-braço entre “o capitalismo versão ocidental, gerido por estado capitalista, e o
capitalismo gerido por estado comunista (chinês)” (ver especialmente as p.
10-11, item 18, do texto do acordo que está em discussão, publicado
por L’Humanité, (em inglês). O Brasil está no meio desses dois
blocos, tentando uma via própria, especialíssima, pacífica, negociada (Santo Darcy Ribeiro, nos ajude! Valha-nos
São Chávez!) E os BRICS, além de muitos países «pequenos» ou «pobres» da
OMC veem no Brasil hoje governado por nossos governos Lula-Dilma uma
possibilidade de resistir a esse movimento de assalto pelas corporações
norte-americanas. Isso também estará em disputa nas próximas eleições
presidenciais no Brasil. Dificilmente se poderia pensar em eleição mais
crucialmente importante para os dois
lados: para os neoliberais da privataria
e tucanaria udenista golpista (que tentam voltar ao poder no Brasil, para
fazer reverter os avanços democráticos que o Brasil alcançou, e realinhar o
Brasil, de cima a baixo, à banqueirada de Wall Street) e para os brasileiros que elegemos os governos Lula-Dilma (que
precisamos preservar os avanços democráticos já conquistados, por pequenos que
ainda sejam, mas, de fato, a qualquer preço e custe o que custar. E que, pelo
visto, teremos de fazê-lo sem discurso político consistente e sem partido que
preste).
[3] Sobre esse AMI, ver em: “AMI – ACORDO MULTILATERAL DE
INVESTIMENTO”.
[4] “Para a obtenção de empréstimos
internacionais do FMI e do BID, o governo FHC aceitou algumas regras que tinham
sido propostas no “Acordo Multilateral de Investimentos” (AMI) mesmo ainda não
aprovadas. O governo de FHC se comprometeu a não utilizar qualquer tipo de
controle sobre investimentos, remessas de lucros e dividendos e o movimento de
capitais. Garantiu a não adoção de qualquer política industrial ou comercial
restritiva ao capital estrangeiro. Prometeu, também, a automática elevação da
taxa interna de juros, em caso de perda de reservas ou aumento da inflação, e
permitiu que o FMI tivesse o controle informal das nossas políticas monetária e
fiscal”. (Associação dos Engenheiros da Petrobrás, em: “DIPLAPIDAÇÃO
DA SOBERANIA”.
[5]
Gosto de chamar esse acordo de “a nova OTAN” – disse Andras Simonyi, embaixador da Hungria na “Organização
do Tratado do Atlântico Norte”, OTAN (L’Humanité, loc. cit.).”
FONTE: escrito por Jean-Luc Mélenchon,
do “Parti de Gauche”, França, sob o título original “Vertige
du moment, des faits et des mots”.
Excerto
traduzido e comentado pelo “pessoal da Vila
Vudu” e postado no blog “Redecastorphoto”
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