terça-feira, 17 de março de 2009

O DISSENSO DE WASHINGTON

Li no blog.exceleronline.com o seguinte artigo de Sergio Xavier Ferolla. O autor é Tenente Brigadeiro, aviador e engenheiro, Ministro Ap. do Superior Tribunal Militar:

“O mundo vem acompanhando, com certa perplexidade, o desmoronar dos castelos e fortalezas financeiras edificadas sobre o pantanoso terreno do neoliberalismo, principalmente pelos resultados danosos causados na economia real de todos os países, trazendo prejuízos, desemprego e recessão.

Se a crise surpreendeu alguns “inocentes” desavisados, não foi por falta de alerta dos estudiosos da questão econômica, bem como pela precavida opinião de espertos investidores, cujas ações estavam lastreadas no real entendimento das fragilidades de um contexto exageradamente especulativo.

A mídia especializada, muitas vezes cooptada pelos grupos envolvidos nas manobras do mercado, reagia às críticas dos analistas independentes, classificando-os como desajustados e representantes de épocas pré-históricas. Seus comentários desairosos começaram a cair por terra a partir de meados do ano de 2008, quando os sinais do desastre se intensificaram, fazendo cair os disfarces que mascaravam a verdadeira balburdia resultante da desregulamentação do sistema financeiro internacional.

Em maio de 2008, o megainvestidor George Soros lançava, como uma bomba, seu livro “The New Paradigm For Financial Markets: The Credit Crises for 2008 and What it Means”. Nesse trabalho, abordava os aspectos mais relevantes da crise que se anunciava, lembrando que “ao desencadear propiciado pela conhecida -bolha imobiliária-, seguir-se-iam as conseqüências de uma “superbolha”, iniciada há 25 anos, com a eleição de Margareth Tatcher na Inglaterra e Ronald Reagan nos Estados Unidos”. A partir daí passou a imperar o que classifica como “Fundamentalismo de Mercado”, sob o hipotético dogma ideológico deque os próprios mercados se auto-regulariam. “O atual pesadelo que aflige a humanidade representa o resultado dessa descontrolada globalização do mercado financeiro”.

Os alertas em relação aos malefícios dos dogmas neoliberais, especialmente para os países em desenvolvimento, como o Brasil, foram, intencionalmente, ignorados por influentes lideranças políticas e empresariais que, valendo-se do regime democrático e da troca de benesses no Congresso Nacional, conseguiram derrubar algumas barreiras constitucionais, expondo o patrimônio nacional à predatória onda que atingiu seu ápice nos dois mandatos do Presidente F H C, por aceitar como cartilha doutrinaria e bíblia da modernidade os mal intencionados fundamentos estabelecidos no tendencioso Consenso de Washington.

O que se convencionou chamar de Consenso de Washington, resultou de conclusões de uma reunião na capital dos Estados Unidos, em novembro de 1989, com a presença de funcionários do governo americano e dos organismos internacionais ali sediados: FMI, BID e Banco Mundial, todos especializados em assuntos latino-americanos. O encontro, convocado pelo Institute for International Economics, sob o título - Latin American Adjustment: How Much Has Happened?, contou, também, com a presença de economistas da região, e tinha como objetivo avaliar os resultados das reformas econômicas já sendo executadas em alguns dos países representados.

Os detalhes e conseqüências decorrentes para o Brasil e todo o espaço econômico latino-americano foram minuciosamente delineados pelo Embaixador Paulo Nogueira Batista num conciso trabalho intitulado “O Consenso de Washington – A visão neoliberal dos problemas latino-americanos”, escrito pouco antes do seu falecimento, em 31 de julho de 1994.

Ele que, como experiente diplomata, já participara de trabalhos da mais alta relevância, como: Presidente da Comissão Coordenadora da “Aliança para o Progresso”, no Ministério do Planejamento; Subsecretário de Planejamento Político e de Assuntos Econômicos do Ministério das Relações Exteriores; Embaixador do Brasil junto ao GATT, em Genebra, tendo representado nosso país na Reunião Ministerial de Punta del Este, para lançamento da Rodada do Uruguai, origem da atual Organização Mundial do Comércio; Embaixador do Brasil junto à ONU, onde ocupou a Presidência do Conselho de Segurança; entre tantas outras, alarmado com as ameaças que pairavam sobre o Brasil, tomou a patriótica e oportuna decisão de transcrever em linguagem clara e nada diplomática, uma mensagem de alerta sobre o perigo dos conceitos dogmáticos incutidos em muitos dos intelectuais e empresários que, como vestais do templo da economia, incensavam e adoravam o novo “deus mercado”.

Dentre suas firmes assertivas é de se destacar que “a mensagem neoliberal que o Consenso de Washington registrara vinha sendo transmitida, vigorosamente, a partir do começo da Administração Reagan, com muita competência e fartos recursos, humanos e financeiros, por meio de agências internacionais e do governo norte-americano”. “Atingiria seu objetivo maior pela cooptação intelectual de substancial parcela das elites políticas, empresariais e intelectuais da região, como sinônimo de modernidade, passando seu receituário a fazer parte do discurso e da ação dessas elites, como se de sua iniciativa e de seu interesse fosse”.

E prossegue o Embaixador, afirmando que, “um bom exemplo desse processo de cooptação intelectual é o documento publicado em agosto de 1990 pela FIESP, sob o título – Livre para crescer: proposta para um Brasil moderno, hoje na sua quinta edição (1994), no qual a entidade sugere a adoção de agenda de reformas virtualmente idênticas à consolidada em Washington”. Afirma ainda que, “de forma mais surpreendente, a FIESP inclui algo que o Consenso de Washington não explicita, mas que está claro em documento do Banco Mundial de 1989, intitulado – Trade Policy in Brazil: the Case for Reform”.

Ali se recomendava, conclui o Embaixador, “que a inserção internacional do nosso país fosse feita pela revalorização da agricultura de exportação. Vale dizer, o órgão máximo da indústria paulista endossa, sem ressalvas, uma sugestão de volta ao passado, de inversão do processo nacional de industrialização, como se a vocação do Brasil, às vésperas do Século XXI, pudesse voltar a ser a de exportador de produtos primários, como foi até 1950”.

Sua obra foi publicada em 1994(*), prefaciada pelo seu filho, Dr. Paulo Nogueira Batista Jr., um dos mais lúcidos e preparados economistas contemporâneos, o qual, por indicação do governo brasileiro, nesse início de 2009, ocupa a Diretoria Executiva do FMI onde, certamente, será um dos mestres na reorganização e elaboração de modernas e eficientes formas de atuação desse importante organismo das Nações Unidas, para o enfrentamento da avassaladora crise que paira sobre a humanidade.

O choque de realidade registrado no ano de 2008, impondo a presença do Estado no comando das ações em defesa dos interesses da sociedade, deixou, inclusive, de ser considerado pecado capital, ao ponto de renomados pensadores neoliberais se empenharem em defesa da injeção de vultosos recursos nos setores da produção, dos serviços e, até o “sacrilégio”, da intervenção estatal nos sagrados templos financeiros da moribunda economia internacional.

No meio dessa tormenta também se observa que o mapa das superpotências do mundo está sendo redefinido e, agora, sem um centro único, restando aos países subdesenvolvidos e aos emergentes, uma forma correta de participação no acirrado jogo do poder internacional. Em que pese merecer, ainda, alguns reparos, tem sido adequada a postura estratégica do Brasil no comércio internacional, resultado de algumas ações políticas conduzidas pelo Ministério das Relações Exteriores.

Juntamente com a Rússia, China e Índia, num bloco conhecido como BRIC, nosso país vem buscando novos mercados, bem como parcerias soberanas e vantajosas. Em apoio ao BRIC se posicionaram outros 15 Estados, num mega bloco chamado G-20, que luta para superar as limitações que inibem o desenvolvimento dos países emergentes, cobrando, inclusive, o direito de opinar nas reuniões das grandes potências econômicas, principais responsáveis pela crise que assola toda a humanidade. A participação do G-20 na próxima reunião que buscará consolidar novas regras para o combalido sistema financeiro já é tratada como relevante, esperando-se que novas teses encerrem, de vez, o rotineiro monólogo das grandes economias nos festivos encontros do G-8.

Para que consiga usufruir dos benefícios desse posicionamento maiúsculo também no setor produtivo, com planos e ações que reflitam, na prática e nos resultados, uma contraposição aos maléficos dogmas forjados nas cambaleantes economias centrais, agora transformadas em executantes de um verdadeiro “Dissenso de Washington”, faz-se urgente prosseguir com medidas de substituição dos prejudiciais critérios de simples importação e menosprezo à capacitação empresarial doméstica, executando um modelo soberano que prestigie a inteligência nacional, para que se multipliquem os benefícios já usufruídos nos setores da aeronáutica, do petróleo, dos biocombustíveis, da produção de máquinas e equipamentos, da energia nuclear e da agroindústria, dentre tantos outros, com resultados no campo social em termos de geração de empregos.”

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