quarta-feira, 11 de maio de 2011

HÁ NOS ESTADOS UNIDOS UM CANSAÇO DE GUERRAS?


A ideia de que as tropas devem retornar para casa tornou-se possibilidade séria. Alguns ficarão irritados porque os EUA estariam, assim, exibindo debilidade. E, de certa forma, isso está certo. É parte da decadência estadunidense.

No entanto, lembrará aos políticos estadunidenses que lutar guerras exige sério apoio da opinião pública. E nesta combinação de pressões geopolíticas e econômicas que todo mundo sente que o cansaço da guerra é sério fator a se considerar daqui em diante.

O artigo é de Immanuel Wallerstein, no “La Jornada”

Os Estados Unidos estão, atualmente, envolvidos em três guerras no Oriente Médio –no Afeganistão, no Iraque e, agora, Líbia. Os Estados Unidos têm bases por todo o mundo, em mais de 150 países. Na atualidade, mantêm tensas relações com Coreia do Norte e Irã e nunca descartaram a ação militar.

Quando começou em 2002, a guerra no Afeganistão teve fortíssimo apoio da opinião pública estadunidense e grande respaldo em outros países. A guerra no Iraque teve quase tanto respaldo da opinião pública estadunidense quando começou em 2003, mas muito menos apoio em outros países. Agora, os EUA estão a meio caminho na Líbia. Menos da metade do público estadunidense respalda as ações e há muita oposição no resto do mundo.

As pesquisas mais recentes nos EUA mostram oposição, não só à operação na Líbia, como também a permanecer no Afeganistão. Já há quem fale de cansaço da guerra, como é compreensível que exista, já que é difícil argumentar que o país tenha saído vitorioso de qualquer um desses conflitos.

O conflito na Líbia caminha para se tornar atoleiro prolongado. No Afeganistão, todo o mundo está tentando encontrar solução política, o que implica a participação dos talibãs no governo e, talvez, ainda no curto prazo, que assumam o poder plenamente. No Iraque, os EUA planejam retirar suas tropas no dia 31 de dezembro. Washington ofereceu manter 20 mil homens por mais tempo, sempre e quando o governo iraquiano solicitar. O primeiro ministro iraquiano, Nuri Maliki, poderia ceder a essa tentação, mas os sadristas (movimento nacional fundamentalista islâmico do Iraque) já disseram que, se fizer isso, retirarão seu apoio e seu governo cairá.

O mais interessante, porém, é o que, provavelmente, ocorrerá no próximo ano na política interna estadunidense, conforme nos aproximamos das eleições presidenciais. Desde 1945, o Partido Republicano tem feito campanha como o partido que respalda com força os militares, acusando os democratas de serem frouxos nessa área. Os democratas sempre reagiram buscando provar que não são moles, e, na prática, não tem havido muita diferença nas políticas reais empreendidas por esses partidos quando estão na presidência. De fato, as maiores guerras (Coreia e Vietnã) começaram no mandato de presidentes democratas.

O Partido Democrata sempre teve um grupo, considerado sua ala esquerda, crítico dessas guerras, e esse grupo continua existindo e protestando. Mas, entre os políticos eleitos, esses democratas sempre foram minoria, que é totalmente ignorada.

O Partido Republicano estava mais unido em torno de programa de apoio constante aos militares e às guerras. Foram raros os políticos republicanos que tiveram ponto de vista diferente. Esses surgiram da área libertária do partido, e a pessoa mais notável que encarna esse ponto de vista é o representante Ron Paul, do Texas. Ele foi também um dos poucos políticos que pensou ser má ideia manter respaldo ilimitado dos Estados Unidos a Israel.

No momento, já nos encontramos na corrida pela presidência. Barack Obama será o candidato democrata. Ninguém o desafiará dentro do partido. O panorama republicano é bem oposto. Há 10 ou 12 candidatos disputando a indicação e nenhum deles é claramente favorito. A corrida dentro do partido está totalmente aberta.

O que significa isso para a política externa? Ron Paul busca a indicação. Em 2008, quase não tinha respaldo. Agora, está em situação melhor. Isso se deve, em parte, a suas fortes posturas sobre as políticas fiscais, mas suas posições sobre a guerra também estão atraindo atenção. Além disso, um novo candidato entrou no ring: Gary Johnson, ex-governador republicano do Novo México. Ele também é libertário, ainda mais forte que Paul em assuntos relacionados com a guerra. Johnson defende a retirada total imediata no Afeganistão, Iraque e Líbia.

Dada a vasta dispersão na direção de vários candidatos potenciais, não há dúvida de que haverá programas de televisão onde todos os candidatos republicanos falarão e debaterão. Se Johnson fizer do assunto da guerra um grande argumento de campanha, isso exigirá que os demais candidatos republicanos abordem o tema também.

Uma vez que isso ocorra, descobriremos que os chamados republicanos do “Tea Party” estão profundamente divididos quanto ao envolvimento do país na guerra. Muito cedo, os EUA estarão debatendo esse tema. Barack Obama descobrirá que a posição centrista que vem procurando manter moveu-se para a esquerda. Se ele quiser permanecer sendo um centrista, também deverá se mover para a esquerda.

Isso implicará uma virada importante na política estadunidense. A ideia de que as tropas devem retornar para casa tornou-se possibilidade séria. Alguns ficarão irritados porque os EUA estariam, assim, exibindo debilidade. E, de certa forma, isso está certo. É parte da decadência estadunidense. No entanto, lembrará aos políticos estadunidenses que lutar guerras exige sério apoio da opinião pública. E nesta combinação de pressões geopolíticas e econômicas que todo mundo sente, o cansaço da guerra é sério fator a se considerar daqui em diante.”

FONTE: artigo de Immanuel Wallerstein, no “La Jornada”. Transcrito no site “Carta Maior” com tradução de Katarina Peixoto (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=17768).

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