sexta-feira, 22 de novembro de 2013

MENSALÃO, UM CASO INACABADO E SEM ESPERANÇA


Por Sergio Saraiva, em seu blog

“Há alguns dias, Luis Nassif viu na prisão dos condenados da AP 470 o fim de um ciclo. Aqui no blog, um post se intitulava “Findo o mensalão, quem ganhou e quem perdeu?” E na imprensa que acompanhei, uma tentativa de passar a ideia “acabou”.

Pensei: não, na verdade, está se iniciando uma nova etapa de um caso inacabado.

A RESSACA DO MENSALÃO

Quem a acompanhou o frenesi que tomou conta da imprensa quando da condenação dos réus deve ter estranhado a repercussão de suas prisões. Não vi o mesmo destaque, a mesma comemoração quase orgiástica das grandes conquistas esportivas nacionais. Para um fato muito mais dramático, as prisões, as manchetes eram até comedidas. Não acompanho noticiário de TV, mas o pouco que vi estava longe do que vimos anteriormente.

Claro, houve matérias tal quais as da “Folha de São Paulo” descrevendo como é a vida na prisão com destaque para as dimensões minúsculas das celas e para o fato de que nelas os banhos são frios. Destinavam-se a excitar aos tarados de sempre.

No mais, comedimento.

Pensei, por quê?

Ressaca.

Alguns senhores e duas senhoras de meia-idade embarcando em um avião da Policia Federal rumo a um presídio não simbolizava nada que pudesse representar a “lavagem da alma nacional”.

Aquelas imagens eram como os comensais retardatários de uma festa que já havia terminado.

Então, o mensalão realmente havia acabado?

Não. O mensalão mudava de estágio.

Não há mais nada que se possa fazer contra os réus. Pelo menos, nada que nosso estágio civilizatório aceite.

Começa agora outro ciclo que levará à revisão desse mesmo processo onde todos os exageros foram permitidos à acusação. Daí a ressaca.

O que veremos.

OS PRISIONEIROS

Enquanto eles estiverem presos, o mensalão não acaba. E as penas são longas para os réus sem mandato parlamentar.

O sistema penitenciário tem uma batata quente na mão. Voltou a ter prisioneiros políticos. Por que é assim que serão vistos – é inescapável.

Sua integridade física passa a ser a preocupação número 1 dos administradores prisionais. Uma coisa é bater no peito e bradar que todos são iguais perante a lei e que os rigores devem ser o mesmo para ricos e pobres e outras demagogias. Demagogia porque submeter um “rico” ao mesmo tratamento desumano dado a um “pobre” não melhora em nada a condição do “pobre”, mas dá destaque à desumanidade. Outra coisa é ter um pequeno grupo de prisioneiros especiais e ter de lidar com eles. E prisioneiros especiais têm amigos influentes. Estarão permanentemente em evidência.

Têm também o tempo ao seu favor, quanto mais o tempo passar, mais parecerá incoerente mantê-los presos.

A proporcionalidade entre o delito e a pena é fundamental ao reconhecimento da justiça da condenação imposta.

Em pouco, começarão os pedidos de revisão de penas. Elas realmente estão exageradas. Nem homicidas costumam receber penas tão elevadas.

Por que uma nova composição de Ministros do STF, passado o tempo necessário para distinguir dois momentos distintos, arcará com o ônus da falta de razoabilidade da formação anterior? Ao rever as penas, estará comprovado o justiciamento.

O MENSALÃO DO PSDB

O julgamento da AP 470, com o tempo, passará cada vez mais a se caracterizar como um tribunal de exceção. No que a expressão “tribunal de exceção” tem de pior. Não poderá ser repetido.

O próximo evento com apelo midiático no STF será o julgamento do Mensalão Tucano.

O julgamento do mensalão do PSDB pode ser adiado até a prescrição da pena?

Poder, pode – o governo FHC é um poço de casos de corrupção bem comprovados e mal resolvidos. Algum procurador da república propôs reabertura de casos como o da compra de votos da reeleição ou da Privataria Tucana? E creio, mesmo, que era essa a intenção – e ainda é, em grande parte. Mas com os prisioneiros do “mensalão do PT” cumprindo pena, torna-se cada vez mais difícil essa possibilidade.

Ocorre que o mensalão do PSDB é semelhante ao mensalão do PT. Mas serão julgados diferentemente.

Será um julgamento técnico. Nele, a falta de provas não será vista como prova de culpa; nele, não haverá “domínio do fato”. Nunca poderia ter ocorrido.

Nele, não haverá o “junta quarenta no mesmo processo” e depois “fatia cada caso” para um julgamento separado por “núcleos”. Penas não serão somadas nem majoradas para garantir regime fechado.

Se na AP 470 isso já é absurdo, como repetir tais aberrações jurídicas no julgamento do Mensalão do PSDB? E, no entanto, não repeti-las tornará evidente o tribunal de exceção que foi a AP 470.

Poderemos conviver com tal hipocrisia?

As duas situações anteriores são certas, as próximas são uma possibilidade com maior ou menor grau de probabilidade.

JULGAMENTO DE PIZZOLATO NA ITÁLIA

Não creio na extradição de Pizzolato pela Itália.

Não sei como se daria um novo julgamento dele por uma corte Italiana. Mas, imaginemos que ele ocorra. Pizzolato parece estar bem municiado de documentos e, mesmo aqui, seu caso parece ter vários vieses não considerados pelo STF. Até de ocultação e omissão de provas a seu favor por parte do Ministro Joaquim Barbosa se fala na internet.

Qual a chance de condenação?

Caso o julgamento italiano ocorra e Pizzolato seja inocentado, como ficaria sua condição de foragido na Interpol? Como ficaria sua condição jurídica no Brasil?

Inocentado, não ficaria patente a exceção do tribunal brasileiro?

APELO À CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS


Acho uma possibilidade distante, mas será tentada.

O caso de José Dirceu e José Genoino, por tudo que esses dois personagens têm de história, tem grande apelo político. Principalmente em uma América do Sul predominantemente de governos de esquerda.

A falta do duplo grau de jurisdição, contrariando justamente o "Pacto de San José da Costa Rica”, já é um forte motivo. Bastaria a Corte Internacional aceitar apreciar o caso, imediatamente se iniciaria a revisão do “julgamento do mensalão”.

IMPRENSA INTERNACIONAL

Até agora, a repercussão internacional parece pequena e refletindo a ideia de condenação de corruptos. Casa bem com a visão do primeiro mundo sobre o Brasil.

Mas, se as duas situações anteriores ocorrerem, julgamento de Pizzolato na Itália e aceitação do apelo pela Corte Interamericana, com dois personagens tão emblemáticos como Dirceu e Genoino e dado o grau de “inovação” do julgamento da AP 470 o caso tem tudo para virar um romance de tribunal. Algo como a repercussão de alguns julgamentos de dissidentes chineses ou o que estamos vendo hoje na Rússia com o pessoal do Greenpeace.

É possível imaginar Joaquim Barbosa mandando jornalistas estrangeiros “chafurdar no lixo”?

MENSALÃO, UM CASO INACABADO E SEM ESPERANÇA.

Ainda que nada disso ocorra, ainda que tudo isso ocorra, como poderemos evitar que, em breve, tenhamos em relação ao julgamento da AP 470 a sensação de que nada poderá colocá-lo no passado? A mesma falta de esperança que temos de que isso ocorra com os crimes da ditadura.”

FONTE: escrito por Sergio Saraiva, em seu blog e transcrito no “Jornal GGN”  (http://jornalggn.com.br/blog/sergio-saraiva/mensalao-um-caso-inacabado-e-sem-esperanca-1%C2%AA-parte).


2ª parte: NÓS, OS PERDEDORES.

Por Sergio Saraiva, em seu blog

"A AP 470 e todo o contexto onde está inserida é um caso raro. É uma daquelas poucas situações onde todos perdem. Mesmo nas guerras, alguns poucos acabam ganhando algo com a desgraça de muitos. No “mensalão”, não. Não houve vencedores, todos fomos derrotados.

No post anterior [ver acima], discorri sobre o futuro do mensalão, os próximos eventos a ele relacionados e suas possíveis consequências.
http://jornalggn.com.br/blog/sergio-saraiva/mensalao-um-caso-inacabado-e-sem-esperanca-1%C2%AA-parte

Neste, o passado recente revisitado através de seus personagens é que nos mostrará a insensatez a que se dedicou a estrutura que dava apoio ao regime anterior ao de Lula na tentativa derrubar seu governo democraticamente eleito. Oito anos de uma guerra suja que derrotou a todos.

O Estado Democrático de Direito - sem dúvida, a primeira vítima da AP 470 foi o Estado Democrático de Direito e, dentro dele, valores basilares da nossa civilização, tais como, a presunção de inocência e o devido processo legal.

Como o legalismo, base do nosso sistema jurídico – o que não está nos autos não está no mundo - pode aceitar a implantação e operação de um tribunal de exceção, onde a lei foi moldada à exigência prévia de condenação dos réus? Onde as provas de inocência ou a falta de provas de culpa não passaram de detalhes incômodos mas desprezíveis?

Não que tribunais de exceção sejam novidades no Brasil, um país que viveu dois períodos ditatoriais, o Estado Novo e a Ditadura de 64 – três se contarmos o anos iniciais da República, conhece-os muito bem.
Mas, na vigência do mais longo período democrático republicano, como pudemos aceitar uma denúncia pífia de um Procurador-Geral da República que, após sete anos de investigação, alegava que a falta de provas contra os acusados era a prova de culpa deles?

Como permitimos que acusados fossem sendo acumulados em um único processo até que o número de 40 fosse obtido? Uma dúzia de vidas, os absolvidos ao final, atiradas ao inferno de um processo judicial apenas para que mais uma zombaria pudesse ser feita – "Lula Lá e os 40 ladrões".

Como suprimimos o direito ao duplo grau de jurisdição? E, alegando que todos os réus contribuíram para o mesmo crime, esquecemos o princípio do juiz natural? Como, após isso, permitimos que o mesmo processo fosse “fatiado” e julgado como processos individuais?

Como aceitamos que indícios e ilações tivessem o valor de provas documentais, que uma teoria extravagante – o “domínio do fato” - , fosse usada para condenar sem provas, ainda que o próprio autor da teoria deixasse claro que as provas eram o que deveria condenar o réu e não a teoria?

Como permitimos que se somassem penas em um processo típico de crime continuado, como permitimos que penas fossem majoradas até que o regime fechado fosse obtido? Como permitimos que o crime de corrupção recebesse pena maior que o de homicídio qualificado?

Como inovamos até o último instante e através do novo conceito de "transitado em julgado parcial" permitimos que réus começassem a cumprir pena quando ainda lhes era cabido recursos. Qual o valor que demos ao “amplo direito de defesa”?

E, por fim, como permitimos que fossem trancafiados em regime fechado os prisioneiros condenados a regime semiaberto?

Se a memória não me trai, o general Geisel, o penúltimo general-presidente da ditadura de 64, no livro “Ernesto Geisel” de Maria Celina D’Araujo e Celso Castro, declarou que, quando Ministro do Superior Tribunal Militar no governo Costa e Silva, condenou réus porque estava convencido de suas culpas e não porque houvesse provas contra eles.

Estávamos vivendo em uma ditadura.

Que a mesma concepção de justiça tenha sido considerada válida e usada em plena vigência do Estado Democrático de Direito como a única capaz de combater a nossa corrupção endêmica mostra o quanto a AP 470 nos impôs perdas.

Mais, quando pensamos no contrato social que nos mantém unidos como nação, e em como pudemos permitir que tentassem nos iludir com a ideia de que é possível fundar uma nova sociedade baseada na ética pelo uso da hipocrisia contida na ética seletiva. Que seria possível estabelecer um corte abrupto na linha de tempo e de memória desta nação e reestabelecer a moralidade a partir de um ponto de viragem sem que o passado recente fosse revisitado e passado a limpo.

Mensalão, um caso inacabado e sem esperança. Nós, os perdedores."

FONTE da 2ª Parte: escrito por Sergio Saraiva, em seu blog e transcrito no portal de Luis Nassif (http://jornalggn.com.br/blog/sergio-saraiva/mensalao-um-caso-inacabado-e-sem-esperanca-2%C2%AA-parte-%E2%80%93-nos-os-perdedores).

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