O jornal Folha de São Paulo de ontem publicou a seguinte reportagem de Claudio Dantas Sequeira, com a colaboração de Samy Adghirni:
“Militares recorrem a bancos estrangeiros para bancar programa negociado com a França Negócio, ameaçado por crise econômica, ainda é insuficiente para compensar o atraso tecnológico da indústria bélica nacional
Para tirar do papel o programa de desenvolvimento de submarinos (PDS) negociado com a França em dezembro, a Marinha brasileira tenta alavancar cerca de R$ 8,5 bilhões, valor para os quatro convencionais e um de propulsão nuclear. Mas a operação no mercado financeiro internacional, que compreende uma linha de financiamento a juros baixos e prazo de até 25 anos, corre risco por causa da elevação do custo do crédito e da cautela dos bancos.
Segundo a Folha apurou, a Marinha decidiu recorrer a outras instituições financeiras, que não as francesas, para melhorar as chances de financiamento. Candidatos naturais, os franceses BNP e Societè Generale, concorrem agora com bancos como Santander (Espanha) e Citibank (EUA). Nenhum deles escapou à crise atual. A incerteza sobre a capacidade de solvência de um empréstimo bilionário também aflige o Planalto, que terá a palavra final no caso.
A Marinha está otimista e diz que, se for aprovado, o contrato de financiamento será assinado em 7 de setembro, na visita do presidente Nicolas Sarkozy.
LIMITES
Mesmo que consiga o financiamento, a empreitada militar terá efeito limitado na reestruturação da indústria bélica nacional, como quer o governo.
Detalhes do projeto revelam que o planejamento para a troca de informações estratégicas ajudará, mas não resolverá o atual gargalo tecnológico. Sistemas sensíveis e de altíssima sofisticação como sonares, periscópios, tubos de torpedo e componentes de instalação da turbina a vapor, continuarão sendo desenvolvidos em território francês por absoluta falta de viabilidade econômica no Brasil. Até o aço do casco do submarino, uma liga especial de alta resistência, será fornecido pela França.
"Seria necessária uma produção em escala capaz de compensar os elevados investimentos requeridos para seu desenvolvimento e produção", afirma a Marinha, argumentando que o submarino terá 17% de nacionalização -tomando linearmente os mais de 200 mil itens que o compõe.
Em linhas gerais, a parceria elevará a capacidade de defesa e dissuasão, mas o país seguirá dependente por um bom tempo. Essa condição se estende ao pacote de armamentos. A Marinha acertou a compra de torpedos multifunção "Black Shark", um dos mais avançados do mercado, além do míssil antinavio SMM-39, espécie de versão submarina dos mísseis Exocet. O Brasil tem alguns projetos e técnicos farão estágio com fabricantes franceses.
"São coisas que gostaríamos de fazer aqui, mas são caras e difíceis", diz o almirante reformado Mario Cesar Flores. Ex-ministro da Marinha (1990-1992) e de Assuntos Estratégicos (1992-1994), Flores acredita que "não há solução a médio prazo". Carlos Frederico de Aguiar, presidente da Abimde (Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança), defende o negócio. "As baterias do submarino e as válvulas de casco serão produzidas nacionalmente, pela Saturnia e a Cia Dox", afirma.
Para Aguiar, o índice de nacionalização dos submarinos é coerente com a realidade. "Os aviões militares da Embraer têm 15% de nacionalização e os comerciais, 20%", diz. De acordo com a Marinha, 30 empresas nacionais vão produzir componentes para o projeto.
Paralelamente, Odebrecht (50%), DCNS (49%) e Marinha (1%, com golden share) formarão uma Sociedade com Propósito Específico para operação do estaleiro em que serão construídos os submarinos. Pedro Paulo Rezende, analista da revista britânica "Janes Defence Weekly", avalia que a questão de escala seria amenizada se a Marinha fabricasse o dobro de submarinos previstos.
"Ter o equipamento de última geração é importante, mas não resolve. De maneira geral, as limitações que os franceses nos impuseram são as mesmas que alemães e americanos nos imporiam", diz. Para Rezende, a questão mais sensível "é o não repasse da planta de vapor do submarino nuclear". "Sem isso, é uma caixa preta", diz.”
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