sexta-feira, 4 de novembro de 2011

CRISE DA GRÉCIA EVIDENCIA CONTRADIÇÃO CAPITALISMO x DEMOCRACIA


DIAS DE EXTRAORDINÁRIA TRANSPARÊNCIA

por Saul Leblon

“A convivência nunca harmoniosa entre democracia e capitalismo avança para estágio de antagonismo explícito na crise das finanças desreguladas. As marcas se sucedem a desmentir os teóricos da endogamia entre produção de mercadoria e cidadania; entre livres mercados e liberdade humana.

A estaca de 3ª feira (1), porém, espetou um ponto de contradição indissimulável, quando o primeiro ministro Yorgos Papandreu acenou com uma consulta popular sobre planos de ajuste ortodoxo até agora sancionados à revelia da sociedade grega.

Deu-se, então, um streap-tease histórico: o poder coercitivo invisível das finanças revelou as avantajadas angulações de uma lógica que reduz a Grécia a um protetorado, sob o julgo do capital financeiro.

Banqueiros e lideranças do euro foram ao ponto e à mídia obsequiosa e dispararam recados ameaçadores a Atenas. Seu nervosismo derruba o biombo da generosidade que cercou o anúncio de "um 'desconto' de 50% da dívida do país".

A dimensão insuportavelmente espoliativa do programa que vem sendo imposto à Grécia custa mais que o 'default administrado'. Mesmo porque a propaganda é enganosa: trata-se de operação contábil de salvação de bancos, não da economia ou da sociedade. Segundo o ‘Financial Times’, os 50% referem-se à dívida privada, não ao passivo total. Sobretudo, porém, segundo o FT, o 'hair cut' de 100 bilhões de euros seria rebatido por duas operações cujo custo recairá, de novo, nas costas do povo grego. Cerca de 30 bilhões de euros seriam emprestados pela troika (FMI, BCE e CE) aos credores estrangeiros para mitigar suas perdas; outros 30 bilhões de euros dariam um cala-boca na banca privada grega. Enfim, mais uma troca de dívida privada por dívida pública que, nesse caso, reduz o 'desconto' oferecido a Atenas de 100 bilhões para 40 bilhões sobre a dívida total da ordem de 350 bilhões de euros.

São concessões insuficientes para refrear taxas de suicídio que disputam o ranking de velocidade com índices de desemprego e pobreza. O verdadeiro 'hair cut' em marcha, assim, continua a ter como alvo o escalpo de uma população martirizada há mais de dois anos pela austeridade ortodoxa.

Execrado, como deve ser num eventual referendo, esse arranjo descredenciaria a receita e os 'chefs' da gororoba indigesta em outras praças e urnas.

Para coroar o festival de desnudamento, o partido socialista de Papandreu rebelou-se contra a idéia de ouvir os cidadãos sobre o destino do país. Para arrematar, na 4ª feira (2), coube ao vice-chanceler alemão, Guido Westerwelle, verbalizar a transparência dos dias que correm no melhor estilo germânico: "O plano de resgate europeu para a Grécia não admite discussão",sentenciou herr Westerwelle.

Quando a realidade dispensa metáforas com essa desenvoltura, é porque vivemos tempos extraordinários. A Grécia é o berço da democracia aristocrática que percorreu longa trajetória, séculos de lutas, massacres e revoluções para que os direitos políticos fossem compartilhados pela plebe rude. No Brasil, analfabetos só chegaram às urnas a partir de 1988. Não falta quem lamente o 'mau passo' [brasileiro]. Na visão de certas 'elites', ele teria propiciado a ascensão de Lula ao poder.

A crise do neoliberalismo, porém, evidencia a ainda insuficiente abrangência desses avanços. Emparedada entre o imobilismo da esquerda e a supremacia das finanças desreguladas, a democracia viu-se reduzida à liberdade desprovida de conteúdo econômico e social. O curto circuito causado pelo gesto de Papandreu ilustra - a exemplo do que tem demonstrado as ruas - a distância que precisa ser vencida para que a coação econômica não se sobreponha mais ao efetivo poder democrático.”

FONTE: escrito por Saul Leblon no site “Carta Maior”  (http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=6&post_id=802). [título e aspas adicionados por este blog 'democracia&política'].

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