Li ontem no site Terra Magazine o seguinte texto de Julio Gomes de Almeida. O autor é professor da Unicamp e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda.
“Por vários mecanismos a economia brasileira sofrerá o impacto do agravamento da crise financeira nos EUA. Será possível, no entanto, que a política econômica atue compensatoriamente e consiga evitar os seus efeitos mais negativos, embora não integralmente. O primeiro deles e o que mais de perto acompanha a economia brasileira é a taxa de câmbio.
A forte desvalorização cambial decorrente de uma fuga de capitais que ocorre em momentos de grande turbulência nos mercados financeiros internacionais aumenta a inflação, o que leva o Banco Central a majorar a taxa de juros e conseqüentemente o crescimento econômico é freado.
Esta seqüência se apresentou nas crises cambias de 1999 e 2002 e pode se repetir agora, caso se aprofunde a fuga de capitais dos nossos mercados de valores em busca da "qualidade". Diferentemente das vezes anteriores, o país tem na situação atual uma capacidade muito maior de responder à fuga de capitais. Essa capacidade é dada pelo volume de reservas superiores a US$ 200 bilhões, que serve como uma espécie de seguro para ser usado em caso de ataque contra a moeda, evitando ou minimizando as desvalorizações.
Evidentemente, sua eficácia dependerá da gravidade da crise e da intensidade da fuga de capitais. Em uma situação de não ruptura financeira internacional, o país poderá não repetir as experiências passadas de descontroladas desvalorizações do Real e assim evitar uma retração econômica mesmo diante de um cenário externo que deve se manter adverso por algum tempo.
Outro canal de contágio é o comércio exterior. Os preços de commodities que tiveram forte queda nos últimos três meses poderão não se recuperar. Isso reduzirá o crescimento que até o presente se mantém muito expressivo das exportações, enquanto as importações deverão manter uma evolução intensa pelo menos até o final do ano.
Nesse campo o Brasil conta com um amortecedor do provável efeito negativo das commodities. Como no comércio exterior brasileiro ainda prevalece a diversificação e não a especialização da pauta exportadora, isto confere ao país uma proteção diante do movimento de preços internacionais.
De fato, embora as vendas externas de produtos manufaturados e de maior valor agregado não venham acompanhando o crescimento das exportações de produtos básicos, sua proporção nas exportações totais ainda é elevada, o que nesse momento serve de anteparo diante de um cenário menos favorável para os produtos primários. O país vem reduzindo proporcionalmente suas vendas para o mercado norte-americano, o que também pode atenuar os efeitos de curto prazo da crise sobre o comércio exterior brasileiro.
No tema do financiamento, deve ser sublinhado que há vários meses as empresas brasileiras vêm sendo adversamente afetadas pelo estreitamento do crédito no exterior, assim como pela restrição que a crise internacional ditou para a obtenção de recursos no mercado de capitais interno e externo. Essas limitações possivelmente serão maiores a partir de agora e devem se estender por um bom tempo.
O grave problema reside na possibilidade de que a restrição do crédito externo cause paralisação ou adiamento dos planos de investimentos e de internacionalização das empresas brasileiras. Esses processos vinham se desenvolvendo intensamente e é preciso que a política econômica evite a todo custo uma descontinuidade nessa área.
Deve ser levado em conta que alguma desaceleração dos investimentos será inevitável, mas a existência de grandes e equilibradas agências de crédito públicas e o fato de que o sistema bancário doméstico não tem ligações com a crise do mercado "subprime" norte-americano são favorecedoras de ações para que a restrição do financiamento externo e do mercado de capitais seja apenas parcial e possa ser compensada mediante o crédito interno. Será necessário reforçar especialmente os recursos do BNDES.
O canal de transmissão através das expectativas dos agentes econômicos deve também ser levado em conta. Nossos consumidores costumam reagir às oscilações econômicas, como o aumento ou recuo da inflação e às notícias sobre o agravamento e eventuais melhoras na situação internacional. Recentemente, após quedas expressivas, o grau de confiança das famílias voltou a subir, mas deverá sofrer novo revés diante dos últimos acontecimentos externos.
É de se esperar, portanto, que o consumo, o qual reage com alguma defasagem às expectativas dos consumidores, não terá um desempenho tão favorável quanto vinha tendo já no último trimestre desse ano, a menos que a crise internacional se resolva completamente em prazo curto, o que pode não ser possível.
Quanto às expectativas empresariais, estas também se deprimiram ao sabor das oscilações no cenário internacional ocorridas no último ano, mas, como no caso dos consumidores, vinham tendo uma significativa melhora. É importante observar que até a semana passada a crise internacional não tinha deprimido a disposição do empresário brasileiro em investir, esta uma variável decisiva para o desempenho econômico.
Contudo, a magnitude do seu agravamento nos últimos dias poderá mudar esse quadro. As decisões de investir também reagem após certo intervalo de tempo às mudanças do ânimo empresarial e devem acusar uma retração já a partir do último trimestre desse ano.
De igual ou ainda de maior gravidade poderão ser as repercussões da crise sobre a disposição dos bancos brasileiros em conceder crédito. Diante da situação externa, os bancos podem adotar um maior rigor na avaliação do crédito de sua clientela, aumentar o custo dos financiamentos e reduzir a taxa com que vem evoluindo atualmente o crédito no país, a qual passa dos 20% em termos reais.
Nesse caso, seriam afetados o consumo da população, que cresceria menos, e as inversões em capital de giro das empresas. Em suma, consumo e investimento devem sofrer uma retração, o que, dependendo da condução da política econômica terão maior ou menor impacto no crescimento da economia. Se a política monetária persistir na dose de aumento que vem seguindo na taxa de juros, a desaceleração da economia em 2009 poderá ser forte”.
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