Li ontem no Blog “Vi o Mundo”, do jornalista Luiz Carlos Azenha, o bom artigo que a seguir transcrevo. O autor é Ignacio Ramonet. A tradução é de Jô Amado.
Acrescento alguns dados sobre ele extraídos do Wikipedia: Ignacio Ramonet Míguez é jornalista e sociólogo espanhol (galego). Ramonet cresceu em Tânger. Estudou engenharia em Bordeaux, Rabat e Paris. É doutor em Semiologia pela École des hautes études en sciences sociales de Paris. Professor de Teoria da Comunicação da Universidade Denis Diderot (Paris VII) e professor associado das Universidades de São Petersburgo e Carlos III, em Madri. Lecionou também nas universidades de Buenos Aires, Valência, Cuba, Porto Rico, Santo Domingo. Escreveu vários livros sobre geopolítica e crítica da comunicação mundial. Trabalha na França desde 1972 e, desde 1991, é diretor do periódico Le Monde Diplomatique.
RAMONET: CHINA, A MEGAPOTÊNCIA
"No dia em que a China acordar...", dizia-se antigamente, deixando no ar a idéia de uma ameaça gigantesca sobre o planeta. Hoje temos plena consciência de que aquele imenso país, de fato, acordou. E é importante questionar as conseqüências que seu impressionante despertar pode ter para o mundo todo.
Com crescimento que superou os 9% ao ano, esse "comunismo democrático de mercado" representou um aumento do nível de vida para milhões de famílias
Um colosso demográfico (1,3 bilhão de habitantes), a China só começou sua grande reforma econômica após a morte de Mao Zedong, em 1976, e, principalmente, a partir de 1978, quando Deng Xiaoping assumiu o poder. Baseado na abundância de uma mão-de-obra mal remunerada, na importação maciça de fábricas montadoras, na exportação de produtos baratos e no afluxo de investimentos estrangeiros, seu modelo de desenvolvimento foi considerado, durante muito tempo, como "bastante primitivo", característico de um país atrasado e mantido, com mão de ferro, por um partido único – até o controle de sua demografia seria conduzido de forma autoritária.
No entanto – e apesar de continuar sendo comunista –, não só a China deixou de fazer medo como, na euforia da globalização incipiente, foi apresentada para centenas de empresas, que para lá transferiram suas fábricas (após terem demitido milhões de trabalhadores), como uma verdadeira sorte grande para investidores atentos. Em pouco tempo, graças à rede de "zonas econômicas especiais", instaladas ao longo de sua orla marítima, a China tornou-se uma fenomenal potência exportadora. E passou a liderar os exportadores mundiais de têxteis-vestuário, calçado, produtos eletrônicos e brinquedos. Seus produtos invadiram o mundo. Em particular, o mercado dos Estados Unidos, provocando em seu favor um desequilíbrio gigantesco: em 2003, o déficit comercial norte-americano para com Pequim chegou a 130 bilhões de dólares1!
CAPITALISMO CHINÊS
Em pouquíssimo tempo, a China, que assustava enquanto potência de exportações, tornou-se um país importador cuja voracidade insaciável é seriamente inquietante
O furor de exportar provocaria uma decolagem espetacular do crescimento que, nas últimas duas décadas, superou os 9% ao ano! Esse "comunismo democrático de mercado" também representou um aumento do poder aquisitivo e do nível de vida para milhões de famílias. E proporcionou a escalada de um verdadeiro capitalismo chinês.
Paralelamente, o Estado se lançou numa modernização do país em ritmo acelerado, multiplicando a construção de infra-estruturas: portos, aeroportos, rodovias, estradas de ferro, pontes, barragens, arranha-céus, estádios para os Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008, instalações para a Exposição Universal de Xangai, em 2010 etc.
Essa massa descomunal de obras e a nova febre de consumo dos chineses acrescentaram uma nova dimensão à economia: em pouquíssimo tempo, a China, que assustava enquanto potência de exportações invasora, tornou-se um país importador cuja voracidade insaciável é seriamente inquietante. No ano passado, foi o principal importador mundial de cimento (importou 55% da produção mundial), de carvão (40%), de aço (25%), de níquel (25%) e de alumínio (14%). E o segundo principal importador mundial de petróleo, depois dos Estados Unidos. Essas importações maciças provocaram uma explosão de preços nos mercados mundiais. Em especial, os do petróleo.
Admitida na Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2001, a China é atualmente uma das maiores economias do mundo – na realidade, a sexta. Puxa o crescimento em escala planetária e qualquer sobressalto que ocorra com ela tem um impacto imediato sobre o conjunto da economia mundial. "Apesar da velocidade de nosso crescimento", pondera o primeiro-ministro Wen Jiabao, "a China ainda é um país em vias de desenvolvimento e ainda nos faltam uns cinqüenta anos de crescimento para nos tornarmos um país medianamente desenvolvido."
CASO DIDÁTICO
Segundo maior poluidor do planeta, a China se tornará o primeiro, soltando massas descomunais de gases de efeito-estufa que agravarão as mudanças climáticas
Mas se a China continuar no ritmo atual, ultrapassará os Estados Unidos por volta de 2041, tornando-se a principal potência econômica do mundo6. O que terá conseqüências geopolíticas importantes. E também significa que, a partir de 2030, seu consumo de energia será o equivalente à soma do consumo atual dos Estados Unidos e do Japão – e, por não dispor de petróleo suficiente para atender a uma necessidade tão gigantesca, será forçada, daqui até 2020, a duplicar sua capacidade nuclear e construir duas centrais atômicas por ano durante dezesseis anos...
Ainda assim, e apesar de ter ratificado o protocolo de Kyoto em 2002, a China, que já é o segundo maior poluidor do planeta, se tornará o primeiro, soltando massas descomunais de gases de efeito-estufa que agravarão as mudanças climáticas que já vêm ocorrendo.
Em relação a isso, a China representa um caso didático e antecipa uma questão que amanhã se colocará para a Índia, o Brasil, a Rússia ou a África do Sul: como liberar milhões de pessoas do desespero do subdesenvolvimento sem as mergulhar num modelo produtivista e de consumo "ocidentalizado", nefasto para o planeta e para toda a humanidade?”
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