"Conflito com a oposição e rumores de uma suposta conspiração americana suscitam comparações entre situação do boliviano e a do presidente chileno, vítima de golpe em 1973"
Elias Roma Neto escreveu no Jornal do Commercio de domingo:
“Evo Morales será um novo Salvador Allende? A Bolívia seguirá os passos do Chile de 1973? Estamos próximos de um novo golpe de Estado na América Latina? Estas questões foram levantadas recentemente pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e que repercutiram no mundo todo. Segundo o líder venezuelano – aliado de Morales e vítima, ele próprio, de uma tentativa de golpe em 2002 –, um novo cenário de mobilização para derrubar um presidente da América do Sul estaria se configurando, tendo, inclusive, apoio dos Estados Unidos. Acusações semelhantes aos EUA foram feitas durante os incidentes chilenos, e documentos liberados pela Central de Inteligência Americana (CIA) este mês comprovaram o interesse americano em impedir a posse de Allende.
A atual situação na Bolívia é de divisão entre as maiorias indígenas – aliadas do presidente Evo Morales – e os departamentos (Estados) ricos de Pando, Beni, Santa Cruz e Tarija. A oposição discorda do governo sobre a destinação dos lucros provenientes do gás produzido nessas regiões, que Morales usa para conceder benefícios a idosos. Por conta disso, tentam a autonomia, o que dividiria a Bolívia entre uma banda rica e outra pobre. Os mais recentes conflitos resultaram na expulsão do embaixador americano na Bolívia, Philip Goldberg, segundo Morales, por ele estar incitando protestos para desestabilizar seu governo.
Já Allende havia assumido o poder no Chile em 1970 e implementava medidas socialistas para recuperar a economia, gerando indisposições entre seus partidários, os mais humildes, e a elite chilena. Após um ano de bons resultados, em 1972 a inflação aumentou consideravelmente, principalmente devido à desvalorização do principal produto de exportação do país, o cobre. Allende voltou ser pressionado, até que sofreu o golpe em 1973. Foi achado morto no palácio presidencial de La Moneda, após o local ser bombardeado por militares liderados por Augusto Pinochet. Testemunhas dizem que ele se suicidou.
Para os especialistas ouvidos pelo JC, existem pontos em comum entre as duas histórias, assim como também há grandes diferenças. A maior delas se refere ao contexto em que está inserido o continente no momento. “Uma diferença grande é que o Chile estava sozinho naquela ocasião. Hoje, há muitos países olhando para a Bolívia e isso pesa muito. O Brasil, por exemplo, tem uma posição de líder na América do Sul, e Lula já afirmou que não irá aceitar um posicionamento de autonomia por parte dos Estados insatisfeitos”, avalia o professor Frederico Katz, do Núcleo de Estudos para América Latina (Neal) da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap).
Compartilha da mesma opinião a professora Maria Tereza Toríbio, do Núcleo de Estudos das Américas (Nucleas) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Para ela, a Guerra Fria foi essencial para uma maior participação americana na queda de Allende, e hoje em dia há uma maior “fiscalização” por meio dos próprios países da América do Sul.
“Quando houve o golpe contra Allende, tinha o problema dos EUA. Não que hoje não exista influência, mas com a política de Bush voltada para o Oriente Médio e a resistência ao imperialismo por meio dos países da América do Sul – de forma agressiva, com Hugo Chávez, ou diplomática, como Brasil e argentina – a conjuntura é outra. Há interesses americanos, mas não existe uma preocupação tão grande”, afirma.
Por outro lado, o cientista político e escritor Luiz Alberto Moniz Bandeira defende que os EUA tiveram uma maior participação nos incidentes bolivianos . Apesar disso, segundo ele, não há como fazer maiores comparações entre os momentos históricos. “Não há muitas semelhanças, porque as condições domésticas e internacionais, em 2008, são muito diversas das de 1973. E Allende tinha um projeto muito mais ambicioso que o de Morales”, explica”.
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