Li hoje no site “Defesa@Net”:
ENTREVISTA EXCLUSIVA CONCEDIDA POR ESCRITO PELO PRESIDENTE DA REPÚBLICA, LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, À AGÊNCIA DE NOTÍCIAS XINHUA, DA CHINA
JORNALISTA: O SENHOR PRESIDENTE VAI REALIZAR SUA SEGUNDA VISITA OFICIAL À CHINA NESSA SEMANA. QUAL É O PROPÓSITO E OBJETIVOS DA VISITA?
PRESIDENTE: Esta será a minha terceira visita à China, num reflexo da importância da parceria entre nossos dois países. Essa parceria se centra em três principais pilares, que minha visita pretende reforçar e consolidar. No âmbito comercial, a China é hoje o primeiro parceiro do Brasil. Precisamos agora diversificar mais nossas trocas, sobretudo de forma a agregar maior valor às exportações brasileiras. Para isso, desejamos estimular mais investimentos chineses no Brasil, trazendo tecnologia e promovendo ganhos de produtividade. No âmbito tecnológico, vamos aprofundar a parceria em alta tecnologia, reforçando o Programa CBERS de lançamento de satélites de sensoriamento, e iniciar outros projetos conjuntos e biocombustíveis e biotecnologia. Por fim, nossas duas grandes economias emergentes devem continuar a reforçar a coordenação que mostramos durante a Cúpula do G-20 financeiro, em Washington e Londres, para acelerar a reforma das instituições financeiras internacionais. No atual momento de quebra de paradigmas econômicos clássicos, a força de nossas economias nos habilita a contribuir de forma decisiva para a construção de um sistema de governança global mais eqüitativo e sustentável.
JORNALISTA: EM 2009 SE COMEMORAM OS 35 ANOS DE RELAÇÕES DIPLOMÁTICAS CHINA E BRASIL, QUE POR OUTRA PARTE ESTABELECERAM UMA ASSOCIAÇÃO ESTRATÉGICA EM 1993. COMO O PRESIDENTE AVALIA O ESTADO ATUAL DA RELAÇÃO BILATERAL?
PRESIDENTE: Todos os campos de cooperação que mencionei apontam para a natureza estratégia da parceria entre nossos dois países e seu potencial de alavancar alianças mais amplas com outros países emergentes. Nossa associação no campo tecnológico e em favor da reforma das instituições de Bretton Woods (Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial), em particular, aponta para o papel que a parceria Brasil-China pode jogar na conformação de uma nova geografia econômica, tecnológica e comercial no século XXI.
JORNALISTA: SEGUNDO DADOS DO GOVERNO BRASILEIRO, A CHINA É HOJE O PRINCIPAL SÓCIO COMERCIAL DO BRASIL, E PODE SE TORNAR TAMBÉM UMA IMPORTANTE FONTE DE INVESTIMENTOS PARA SEU PAÍS. DE QUE MANEIRA PODERÃO SER FORTALECIDAS E DESENVOLVIDAS AS RELAÇÕES NAS ÁREAS DE COMÉRCIO E INVESTIMENTOS?
PRESIDENTE: Como adiantei, o Brasil acredita que mais espaço para a exportação de produtos brasileiros de maior valor agregado traria maior equilíbrio e sustentabilidade ao comércio bilateral. Por outro lado, queremos que a China compita no mercado brasileiro com base na qualidade e na agregação de valor tecnológico – e não simplesmente com base em preço baixo. Para isto muito contribuiria a realização de investimentos no Brasil para a produção de bens de alta tecnologia. Este é o caso de muitos dos investimentos brasileiros na China, como, por exemplo, a fábrica da Embraer em Harbin.
JORNALISTA: O BRASIL TEM INICIADO UMA EXPERIÊNCIA COM ALGUNS DOS SEUS PRINCIPAIS SÓCIOS, COMO A ARGENTINA, DE COMÉRCIO EM MOEDAS LOCAIS. ESSA MODALIDADE PODERIA VIR A SER APLICADA TAMBÉM AO COMÉRCIO COM A CHINA?
PRESIDENTE: A experiência iniciada com os países latino-americanos decorre de condições específicas, relativas à integração do continente. Estamos dispostos a estudar com o governo chinês formas de facilitar e consolidar nossas relações comerciais também nessa área.
JORNALISTA: QUAL É SUA AVALIAÇÃO DA SITUAÇÃO ATUAL DA ECONOMIA MUNDIAL? QUE MEDIDAS DEVERIAM AINDA SER TOMADAS E QUE PAPEL PODEM DESEMPENHAR A CHINA E O BRASIL PARA AJUDAR A SUPERAR A CRISE FINANCEIRA INTERNACIONAL?
PRESIDENTE: A economia mundial ainda vive um momento de grande retração, especialmente no comércio. Notamos que as regiões do mundo sofreram impactos desiguais, com os fluxos de capitais desequilibrados. Ainda que a crise financeira norte-americana pareça ter se estabilizado, persiste a necessidade de medidas a serem tomadas, implementadas e monitoradas pelos governos nacionais de modo a regular as finanças e, principalmente, sustentar a demanda, de modo a impedir que esta retração permaneça. O prioritário é procurar a manutenção dos fluxos comerciais, apoiando financeiramente os parceiros e utilizando o FMI como instrumento de apoio aos países deficitários. Isto requer preservar a demanda doméstica e coordenar internacionalmente a regulação financeira, de modo a impedir novo agravamento da crise. Brasil e China têm expandido muito sua parceria comercial nos últimos anos. Da mesma forma, seu papel no cenário mundial tem se destacado, para o que muito contribuiu o manejo apropriado da crise internacional na esfera nacional, em particular a preservação de bancos sólidos. No caso específico do Brasil, investimentos maciços na consolidação da rede de proteção social foram medidas fundamentais para proteger a demanda e atingir objetivos de justiça social no longo prazo.
JORNALISTA: COMO O SENHOR PRESIDENTE RECEBEU A PROPOSTA DO BANCO CENTRAL DA CHINA DE ESTABELECER UMA MOEDA DE RESERVA INTERNACIONAL ALTERNATIVA AO DÓLAR ESTADUNIDENSE? PODERIA O BRASIL ENDOSSAR ESSA PROPOSTA?
PRESIDENTE: O Brasil acredita que a proposta de uma moeda de reserva internacional alternativa pode ajudar a melhoria da liquidez dos mercados, diminuindo a volatilidade futura dos mercados assim como a dependência em relação ao dólar. Faz-se necessária, contudo, uma maior coordenação internacional no tocante às taxas de câmbio.
JORNALISTA: DEPOIS DA RUPTURA DAS NEGOCIAÇÕES EM JULHO DE 2008 NO ÂMBITO DA RODADA DE DOHA DA OMC, O BRASIL FEZ CONTATOS COM VÁRIOS GOVERNOS NA TENTATIVA DE RETOMAR TAIS NEGOCIAÇÕES. EM SUA OPINIÃO, QUANDO A RODADA PODERÁ SER REINICIADA E QUAIS AS PERSPECTIVAS DE QUE SEJA CONCLUÍDA COM SUCESSO?
PRESIDENTE: O Brasil continua a atribuir grande prioridade a esse tema, fundamental para que muitos países mais vulneráveis, sobretudo africanos, possam fazer do comércio internacional uma alavanca para o desenvolvimento. Por essa razão, temos urgência. Temos motivos para um otimismo prudente. As distâncias são pequenas e temos indicações da nova administração dos Estados Unidos, um dos principais eixos de resistência, de que poderão estar prontos a retomar as tratativas num prazo relativamente curto.
JORNALISTA: NA RECENTE CÚPULA DAS AMÉRICAS FOI PROCLAMADO UM “NOVO COMEÇO” NAS RELAÇÕES ENTRE ESTADOS UNIDOS E AMÉRICA LATINA. COMO O SENHOR PRESIDENTE ENXERGA O FUTURO DESSAS RELAÇÕES?
PRESIDENTE: Efetivamente, a postura franca e flexível do Presidente Obama em Trinidad e Tobago trouxe a esperança de que se possa lançar um verdadeiro diálogo. A disposição que demonstrou de alargar o horizonte da agenda de coordenação para além dos temas tradicionais – comércio, drogas e segurança – é motivo de otimismo. O Presidente Obama deixou claro que essas legítimas preocupações dos Estados Unidos só podem ser efetivamente atendidas no contexto do atendimento das conhecidas reivindicações da América Latina como a questão do protecionismo, e do acesso a financiamento para o desenvolvimento. O entendimento para ampliar os recursos à disposição do Banco Interamericano de Desenvolvimento é um sinal positivo nessa direção.
JORNALISTA: O BRASIL TEM PROMOVIDO SEMPRE A INTEGRAÇÃO REGIONAL. PODERIA COMENTAR O SIGNIFICADO DESTA INTEGRAÇÃO, E O RUMO POSSÍVEL DO DESENVOLVIMENTO DA UNIÃO DAS NAÇÕES SUL-AMERICANAS (UNASUL)? PODERÁ A CHINA TER UM PAPEL NO FORTALECIMENTO DESSE PROJETO?
PRESIDENTE: De fato, a integração regional é um pilar da política externa de meu Governo. Estou convencido de que os países latino-americanos só poderão integrar-se competitivamente nessa economia, cada vez mais globalizada, se unirem sua forças.
Para isso, precisamos criar um espaço econômico comum através de maior integração nas áreas de transportes, energia e comunicações. A UNASUL fornece o guarda-chuva institucional para avançarmos de forma fluida nesses vários campos. Ressalto que a criação dos Conselhos Sul-Americanos de Defesa e de Combate às Drogas são passos igualmente fundamentais para consolidar a identidade regional em temas cruciais para a estabilidade política e institucional da região.
Conquanto não haja previsão de países extra-hemisféricos virem a integrar a organização, a forte presença econômica e comercial da China na região já constitui fator de aceleração da integração do continente na economia mundial. Por outro lado, a experiência que a China já detém em esforços de integração e coordenação regional e subregional no sudoeste asiático certamente poderá aportar valiosas lições para o exercício em curso na América do Sul.”
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