quinta-feira, 28 de maio de 2009

O IRÃ É MUITO INDEPENDENTE E DESOBEDIENTE, IRONIZA CHOMSKY

Li hoje no site “vermelho” a seguinte entrevista traduzida por João Manuel Pinheiro para o site “O Diário.info” (o original foi publicado em www.foreignpolicyjournal.com):

“Em entrevista a Kourosh Ziabari, do site Foreign Policy Journal, o acadêmico e ativista americano Noam Chomsky critica a política de dois pesos, duas medidas contra o Estado do Irã e sua política nuclear, demonstrando que, durante o regime do Xá Reza Pahlevi, os EUA defendiam o desenvolvimento de tecnologia nuclear pelo país, na época submetido aos interesses americanos.

“Noam Chomsky não precisa de apresentação. De acordo com o The Guardian, trata-se, indiscutivelmente, do catedrático e analista sócio-político mais importante da era contemporânea e está considerado junto a Marx, Shakespeare e a Bíblia, como uma das dez fontes mais citadas das humanidades, e é também o único escritor, entre eles, que ainda está vivo.

Em referência ao livro Hegemonia e Sobrevivência de Chomsky, o presidente da Venezuela, Hugo Chavez, dirigindo-se à Nações Unidas, disse: "Convido-os, com todo o respeito, a quem ainda não tenha lido o livro, a que o façam."

Em resposta à pergunta formulada numa entrevista em 2006 sobre que ações tomaria se fosse presidente, Chomsky respondeu: "Instauraria um Tribunal de Crimes de Guerra para os meus próprios crimes pois caso tivesse assumido essa posição teria que tratar com a estrutura institucional e com a cultura, a cultura intelectual. A cultura deve ser curada".

Nesta entrevista, conversei com o professor Chomsky sobre o Irã, os assuntos nucleares, as relações entre Washington e Teerã e o impacto global dos lobbies sionistas. Um resumo desta conversa foi primeiramente publicado no diário iraniano de língua inglesa "Teheran Times".

KOUROSH ZIABARI: PROFESSOR CHOMSKY, O SENHOR TEM REITERADO EM NUMEROSAS OCASIÕES QUE A MAIOR PARTE DOS PAÍSES DO MUNDO, INCLUINDO OS MEMBROS DO MOVIMENTO DOS PAÍSES NÃO ALINHADOS, APOIA O PROGRAMA NUCLEAR IRANIANO, NO ENTANTO, OS NEOCONSERVADORES DOS ESTADOS UNIDOS CONTINUAM A PROCLAMAR O SEU LEMA AGRESSIVO.

NOAM CHOMSKY:
O Movimento dos Países Não Alinhados, mas também a grande maioria dos americanos pensa que o Irã tem o direito de desenvolver energia nuclear. Todavia, quase ninguém nos Estados Unidos tem consciência disso. Isto inclui todos aqueles que são inquiridos e que provavelmente acreditam que são os únicos que pensam assim. Nunca se publica nada sobre este tema. O que aparece constantemente nas mídias é que a comunidade internacional exige que o Irã suspenda o enriquecimento de urânio. Em quase nenhum meio se explica que a designação "comunidade internacional" é utilizada convencionalmente para se referir a Washington e a quem estiver de acordo, não só sobre este assunto mas em geral.

KOUROSH ZIABARI: A MAIORIA DOS ANALISTAS DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS AINDA NÃO PÔDE ASSIMILAR O DUPLO CRITÉRIO NUCLEAR DO GOVERNO DOS ESTADOS UNIDOS. APESAR DE APOIAR O ARSENAL ATÔMICO DE ISRAEL CONTINUA A PRESSIONAR O IRÃ PARA QUE SUSPENDA OS SEUS PROGRAMAS NUCLEARES. QUAIS SÃO AS RAZÕES? POSSUI A AIEA (AGÊNCIA INTERNACIONAL DE ENERGIA ATÔMICA) AUTORIDADE SUFICIENTE PARA INVESTIGAR OS CASOS DE ARMAMENTO NUCLEAR EM ISRAEL?

NOAM CHOMSKY:
O ponto fundamental foi explicado com franqueza por Henry Kissinger. O Washington Post perguntou-lhe por que razão ele agora afirma que o Irã não necessita da energia nuclear e que, por conseguinte, deve estar a trabalhar para construir uma bomba, enquanto em 1970 insistiu que o Irã necessitava de ter energia nuclear e que os Estados Unidos deviam prover o Xá com os meios necessários para o conseguir. Foi uma resposta típica à Kissinger. Era um país aliado e, por isso, precisava de energia nuclear. Agora, que já não era um país aliado, não necessitava de energia nuclear. Israel, pelo seu lado, é um país aliado, mais precisamente um estado-cliente. Por isso, herda do amo o direito a fazer o que quer.

A AIEA possui a autoridade, contudo os Estados Unidos nunca permitiriam que a exerça. A nova administração dos Estados Unidos não tem dado provas de nenhuma alteração nesse sentido."

KOUROSH ZIABARI: EXISTEM QUATRO ESTADOS SOBERANOS QUE AINDA NÃO RATIFICARAM O TRATADO DE NÃO-PROLIFERAÇÃO NUCLEAR (TNP) E QUE DESENVOLVEM LIVREMENTE BOMBAS ATÔMICAS. SERÁ O IRÃ LIBERTADO DAS PRESSÕES CONSTANTES; DEVE OBTER A SUA RATIFICAÇÃO E ABANDONAR O TRATADO?

NOAM CHOMSKY:
Não, isso só faria aumentar as pressões. Excluindo a Coreia do Norte, todos esses países recebem apoio extensivo dos Estados Unidos. O governo de Reagan fingia ignorar que o seu aliado Paquistão desenvolvia armas nucleares, para que a ditadura recebesse ajuda massiva dos Estados Unidos. Também os Estados Unidos, aceitaram ajudar a Índia a desenvolver as suas instalações nucleares; Israel é um caso especial.

KOUROSH ZIABARI: QUE PROVÁVEIS FATORES PODERIAM DIFICULTAR A REALIZAÇÃO DE CONVERSAÇÕES DIRETAS ENTRE O IRÃ E OS ESTADOS UNIDOS? É MAIOR A INFLUÊNCIA DO LOBBY JUDAICO DO QUE A DOS SISTEMAS EMPRESARIAIS DOS ESTADOS UNIDOS?

NOAM CHOMSKY:
O lobby judaico tem alguma influência, mas é limitada. Isto foi demonstrado, uma vez mais, no caso do Irã no verão passado, durante a campanha presidencial, quando a influência dos lobbies se encontrava no seu apogeu. O lobby israelita pretendia que o Congresso aprovasse uma legislação que se aproximasse de um ato de bloqueio ao Irã, um ato de guerra. A medida obteve um apoio considerável, mas desapareceu de imediato, provavelmente devido à Casa Branca deixar bem claro, discretamente, que se opunha.

Quanto aos verdadeiros fatores, ainda não temos registros suficientes, de modo que é necessário especular. Sabemos que a grande maioria dos americanos quer ter uma relação normal com o Irã, mas a opinião pública raramente influencia a política. As grandes companhias dos Estados Unidos, incluindo as poderosas empresas de energia, gostariam de explorar os recursos petrolíferos do Irã. Contudo, o Estado insiste no contrário. Suponho que a razão principal, é que o Irã é demasiado independente e desobediente. As grandes potências não toleram aquilo que eles consideram ser parte dos seus domínios e as regiões de maior produção de energia do mundo há muito que são consideradas domínio da aliança anglo-americana, agora com o Reino Unido reduzido a sócio subalterno.

KOUROSH ZIABARI: HAVERÁ UMA TRANSFORMAÇÃO TÁCTICA OU SISTEMÁTICA NA APROXIMAÇÃO DOS PRINCIPAIS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL AO IRÃ DURANTE A PRESIDÊNCIA DE OBAMA? PODEMOS ESPERAR UMA REDUÇÃO DA PROPAGANDA ANTI-IRÃ?

NOAM CHOMSKY:
Em geral, as mídias aderem ao sistema geral da política de estado embora algumas vezes os programas políticos sejam criticados com fundamentos tácticos. Muito irá depender, portanto, da postura que assuma o governo de Obama.

KOUROSH ZIABARI : FINALMENTE, ACREDITA QUE O PRESIDENTE DOS ESTADOS UNIDOS DEVERIA SEGUIR A PROPOSTA DO IRÃ E PEDIR DESCULPA, PELOS SEUS CRIMES HISTÓRICOS CONTRA O IRÃ?

NOAM CHOMSKY:
Creio que os poderosos sempre devem reconhecer os seus crimes e pedir desculpa às vítimas e ainda reparar os danos causados. Infelizmente, o mundo rege-se majoritariamente pela máxima de Tucidides: os fortes fazem o que querem e os fracos sofrem como lhes é devido. Lentamente, a pouco e pouco, o mundo, em geral, torna-se mais civilizado. Mas ainda tem muito caminho a percorrer.”

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