sexta-feira, 29 de maio de 2009

ISRAEL, A PRÚSSIA DO MEDITERRÂNEO?

Li hoje no site “Vi o mundo”, do jornalista Luiz Carlos Azenha o seguinte artigo de Roane Carey, do Blog "The Notion", in The Nation:

“História antiga dizia que, em vez de ser um Estado que tinha um exército, a Prússia era um exército que tinha um Estado. Israel estará a caminho de tornar-se a Prússia do Mediterrâneo?

Em geral, a intelligentsia liberal nos EUA aceita que, embora a ocupação israelense da Palestina seja abjeta, Israel, a nação, seria Estado democrático de plena democracia, com imprensa crítica e livre.

Podem esquecer. Passei três meses em Israel, com uma bolsa de estudos, e posso garantir que toda a intelligentsia liberal em Israel, as muitas pessoas com quem conversei, dizem coisa muito diferente: que a mídia em Israel está gravemente decadente, que não demonstra capacidade para oferecer nenhuma informação confiável e que, há muito tempo, já não opera como um dos pilares de uma sociedade aberta.

Os norte-americanos que não lêem hebraico nem assistem à televisão israelense talvez formem imagem diferente dessa, assumindo que o jornal Ha'aretz, diário de pequena circulação, lido só por intelectuais e políticos – e estrangeiros, que devoram a edição online em inglês –, seria representativo de pensamento mais avançado; e que colunistas e repórteres críticos, como Gideon Levy, Akiva Eldar e Amira Hass escrevem em toda a imprensa israelense. Não, nada disso; e eles só escrevem no Ha'aretz. Os jornais diários de grande circulação, Yediot e Ma'ariv, como o Jerusalem Post e os noticiários de televisão, são acentuadamente de direita – como os grandes jornais e televisões nos EUA, que, quanto a isso, são muito parecidos com a 'grande' imprensa israelense.

Quanto a Israel ser um grande Estado plenamente democrático, a maioria das pessoas com quem falei sentem que cresce um assustador movimento repressivo, na sociedade, cuja manifestação já se viu nas últimas eleições gerais. O ponto mais assustador desse movimento aconteceu durante a recente guerra de Gaza. Vi, com meus olhos, o que aconteceu, no microcosmo da Universidade Ben-Gurion, em Beer-Sheva.

Há alguns dias, Noah Slor, aluna de pós-graduação no departamento de estudos do Oriente Médio, aqui na UBG, foi presa pela polícia a pedido do serviço de segurança do campus e permaneceu detida por várias horas, por estar, pacificamente, distribuindo panfletos contra um projeto de lei, que está sendo votado no Parlamento, e que tornará crime qualquer solenidade que faça referência à Nakba (para os palestinos, a Catástrofe de 1948; para os israelenses, a "independência"). Noah distribuía panfletos fora do portão principal da universidade, onde os estudantes distribuem, tradicionalmente, de mão em mão, convites para festas, para manifestações políticas e jogos esportivos, e onde jamais alguém havia sido preso ou sequer importunado pelos agentes de segurança da universidade.

Estudantes ativistas e professores são testemunhas de que está implantado na universidade um padrão de agressão politicamente motivado, do qual são agentes os serviços de segurança da própria universidade. Slor, ativista do grupo Darom le Shalom ("Sul pela Paz"), recentemente formado por árabes e judeus da área de Beer-Sheva e que "luta contra o racismo e por direitos iguais para árabes e judeus", contou-me que, quando foi presa, um policial disse a ela: "Não se faça de ingênua.

Já conheço você de várias manifestações. Temos tudo gravado e arquivado. A agitação está documentada." Nada que ela possa provar, mas Slor tem certeza de que foi presa porque protestou contra a legislação que proíbe as solenidades do Dia da Nakba: "O policial praticamente me disse isso", disse ela.

Os estudantes estão dispostos a manter os protestos. Na mesma noite, cerca de 60 estudantes participaram de uma demonstração para denunciar as prisões, em cerimônia na universidade, da qual participaram várias autoridades. Os estudantes usaram mordaças e levavam cartazes em que se lia "O serviço de segurança manda na universidade" e "Serviço de segurança = Polícia Secreta".

(Respondendo a perguntas sobre o incidente, o porta-voz da universidade, Amir Rozenblit, declarou que não é permitido distribuir panfletos no campus – mas, por que não?! – e que Noah distribuía panfletos "em área considerada parte do campus, embora do lado externo do portão principal". Informou que um policial do serviço de segurança do campus também foi preso, na mesma ocasião e pelo mesmo motivo.)

Durante a guerra de Gaza, todos os protestos foram reprimidos. Nitza Berkovitch, sociólogo da Universidade Ben Gurion, disse que "minha impressão é que a mídia foi completa e absolutamente mobilizada. Todos os jornais apoiaram a guerra". Alguns dias antes do primeiro ataque militar a Gaza, no final de dezembro, um grupo de estudantes árabes e judeus organizou manifestação pacífica contra a guerra iminente. A polícia apareceu imediatamente e ordenou que dispersassem.

Os estudantes não insistiram, mas, quando estavam enrolando as faixas, vários estudantes foram arrastados por policiais, metidos nos camburões e permaneceram detidos durante horas, acusados de "provocar tumultos de rua".

Em meados de janeiro houve outra manifestação contra a guerra, ainda mais moderada, com cartazes que pediam o fim da violência dos dois lados, e pela paz. Outra vez, a polícia apareceu, agrediu os manifestantes e prendeu vários. Um estudante da Universidade Ben Gurion foi posto em prisão domiciliar por 30 dias.

A repressão violenta contra cidadãos palestinos é prática muito frequente em Israel. Incidentes recentes indicam que judeus também têm sido impedidos de se manifestar a favor da paz, também com violência. Centenas de israelenses foram presos por protestar contra a guerra, provavelmente muitos muçulmanos, mas, sem dúvida, também muitos judeus.

Tzoref contou que "participei de protestos nos territórios ocupados, e a polícia agiu do mesmo modo. Para mim, foi um choque ver que a polícia de repressão a tumultos age do mesmo modo também dentro da universidade, sempre com violência. Isso é novidade. A polícia jamais entrara na universidade para atacar estudantes, não, com certeza, nessa escala e com essa violência".

Para Berkovitch, também aluna da UBG, "foi como nas ditaduras sul-americanas. Havia uma ordem arbitrária, para prender pessoas em todo o país, em todas as regiões – como modo de intimidar todas as manifestações a favor da paz".

Não há dúvidas de que a guerra de Gaza expôs o que há de pior no aparelho de repressão, alimentado pelo ódio que se via manifesto nas ruas e um espírito de vingança contra os palestinos – ao qual, é claro, os foguetes do Hamás serviram de pretexto. (Berkovitch contou que pessoas que passavam pela manifestação de janeiro, gritavam ofensas para os manifestantes e vários repetiram que "os judeus devem matar mais árabes". "Nunca antes, em toda a minha vida, vira tal manifestação de ódio" – disse ela.)

É tendência muito preocupante, embora seja preciso dizer que, em geral, os judeus israelenses, mas não os palestinos, ainda gozam de razoável liberdade para manifestar-se praticamente sobre qualquer questão.

Sob governo de extrema direita, que está decidido a,não só impedir qualquer negociação séria com vistas à paz com os palestinos, mas promove e estimula ativamente a ampliação das colônias exclusivas para judeus; que dá sinais de desejar fazer guerra contra o Irã e estimula ativamente a paranoia, na opinião pública, contra o Irã; que cada vez mais claramente vê os palestinos como o inimigo interno e como ameaça, verdade é que as contradições de uma nação que aspira a ser "povo judeu" e, ao mesmo tempo, nação democrática, estão vindo à tona.

Como poderá ser democrático um Estado que aprisiona 4 milhões de palestinos em gueto murado; que constroi estradas de apartheid, só para israelenses; e que trata como cidadãos de segunda classe outros 1,5 milhão de árabes-israelenses?

Oren Yiftachel, professor de geografia da Universidade Ben-Gurion, em livro recentemente publicado, define Israel como "Estado etnocrático" (Ethnocracy Land and Identity Politics in Israel/Palestine, 2008, University of Pennsylvania Press).

O falecido professor Baruch Kimmerling, da Universidade Hebraica, falava de Israel como uma "democracia dos senhores" (Herrenvolk[1] democracy. Ver, por exemplo, Baruch Kimmerling, "Israeli democracy's decline", International Herald Tribune, 3/3/2002, em http://www.itk.ntnu.no/ansatte/Andresen_Trond/kk-f/fra151001/0786.html)."

Dê-mo-lhe o nome que seja, se Israel continuar pelo caminho que está trilhando, a repressão aumentará cada vez mais. E as vias da livre manifestação democrática se estreitarão cada vez mais. E a velha piada sobre a Prússia ("um exército que tem um Estado") ganhará nova e triste atualidade. Israel estará destinada a tornar-se a Prússia do Mediterrâneo?”

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