quarta-feira, 27 de maio de 2009

O EMPREGO E A CRISE

Li hoje no site “Terra Magazine”, do jornalista Bob Fernandes, a seguinte entrevista de Julio Gomes de Almeida, de São Paulo. O autor é professor da Unicamp e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda:

“A atual crise não é como as outras para a economia brasileira. Embora muito mais grave e tendo dimensão global, seus efeitos sobre a economia do país não repetiu experiências passadas. Por exemplo, graças à acumulação de reservas internacionais, desta vez não foi decretada a falência das contas externas brasileiras e por isso o Brasil se livrou, pelo menos até agora, de recorrer ao FMI.

Para citar outro exemplo do maior relevo, a criticada mudança no perfil da dívida pública, política que promoveu expressiva queda do endividamento em moeda estrangeira, permitiu que o setor público não sofresse as consequências da desvalorização do real sobre as contas fiscais.

Com isso, desde o início da crise, a dívida líquida do setor público caiu ao invés de aumentar intensamente como nas crises de 1999 e 2002. Também não é segredo que a inflação desta feita não prosperou, freada pela contração do nível de atividade da economia, o que abre caminho para o que poderá ser uma histórica redução das taxas de juros no país. Mas, há também a "surpresa" do emprego.

Como regrediu intensamente a produção da indústria e segmentos relevantes da agropecuária e de serviços foram adversamente afetados pela crise nos últimos três meses do ano passado e no primeiro trimestre desse ano, o emprego não poderia deixar de ser atingido. O IBGE registrou aumento da taxa de desemprego urbana entre os meses de dezembro do ano passado e março desse ano. Sem ajuste sazonal, a taxa de desocupação passou de 6,8% para 9% entre esses meses.

Por outro lado, os registros de contratações formais do Ministério do Trabalho acusaram grande retração líquida, sobretudo, entre os meses de dezembro e janeiro, período no qual foram perdidos 655 mil postos de trabalho. Apesar disso, pode ser afirmado que o emprego caiu muito menos do que a atividade dos setores produtivos e que sua retração ficou muito abaixo das expectativas dos economistas.

Os últimos dados do mercado de trabalho urbano e das contratações formais, ao contrário do que propalam algumas interpretações e pronunciamentos oficiais, ainda não autorizam falar de recuperação do emprego, mas sinalizam que sem sombra de dúvida a "onda" de demissões desencadeada pela crise teve seu ímpeto contido, ou mesmo esse processo foi estancado, de forma que, passou a vigorar no mercado de trabalho um equilíbrio entre admissões e demissões. Isso significa dizer que em termos líquidos o emprego é mantido e em não havendo uma nova rodada de agravamento da crise internacional, o quadro é de uma lenta recuperação a partir de agora.

O que foi dito acima pode ser resumido da seguinte forma. Primeiro: a situação do emprego na economia está bem melhor atualmente do que há alguns meses, não porque as empresas voltaram a contratar, mas, sim, porque pararam de demitir. O processo de agravamento do desemprego, por essa razão, foi estancado. Em segundo lugar, a recuperação dos níveis de emprego anteriores à crise será na melhor hipótese um processo relativamente longo, perdurando talvez por mais um ano. Ou seja, contando com alguma reativação na economia no segundo semestre, somente no início do ano que vem teremos de volta os empregos destruídos pela crise.

Por que o emprego não caiu na mesma dimensão da queda da atividade da economia real? Em parte a resposta a esta pergunta está em certas características da legislação do trabalho do país que encarecem tanto as contratações como a demissões. No Brasil é caro contratar, razão pela qual quando há um aumento da produção as empresas normalmente levam um certo tempo para ampliar seus efetivos. Também é caro demitir, o que explica o fato de que, mesmo diante de uma queda expressiva de produção como a que ocorreu na indústria brasileira após a crise, em muitos casos as empresas retardam as demissões para avaliar o quadro econômico.

Como o governo adotou medidas fiscais para incentivar o consumo, preservou os programas de complementação de renda da população e promoveu um aumento significativo do salário mínimo em fevereiro último, os efeitos da crise puderam ser amenizados e o processo de demissões, embora tenha ocorrido, se deu com intensidade menor. Isso, por sua vez, ajudou a defender o mercado interno consumidor e permitiu que o comércio operasse com relativa normalidade. Nada disso foi previamente concebido como estratégia de política econômica, mas funcionou como uma política de defesa do emprego.”

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